Idealismo é pecado ou virtude?
Os árbitros do escalão maior deviam ser todos profissionais
S EGUNDO o seu significado, idealismo define a tendência para idealizar a realidade. Para projetá-la de maneira perfeita. Opõe-se a conceitos mais pragmáticos, como o do realismo, que retrata a verdade das coisas tal como são, distante de visões sentimentalistas ou subjetivas.
Hoje em dia, é muito fácil catalogar alguém como idealista. É fácil catalogá-la como uma pessoa que vive numa espécie de realidade paralela. Como se ambicionar mais e melhor fosse um devaneio da mente, um pecado da alma. Como se estivéssemos todos obrigados a viver resignados, conformados à normalidade quadrada das coisas apenas mornas.
Aos olhos da maioria, aqueles que acreditam que as pessoas podem ser mais do que são e que as coisas podem atingir outros estádios de evolução, são idealistas. Uns tontinhos desfasados do planeta onde moram.
Acho pesado o carimbo. É importante, sim, que tenhamos noção de que há situações irremediavelmente perdidas, que jamais mudarão. Mas também é preciso que mantenhamos a fé e que caminhemos com a esperança presente. Há muito para ser feito e muito para atingir, a todos os níveis, em todo o lado. Há sempre espaço para crescermos rumo àquela que é a (nossa) ideia de perfeição.
O contexto mais filosófico desta introdução vem a propósito da visão que tenho da arbitragem, não apenas da nossa por cá (eternamente bombardeada e agredida), mas desse universo gigante que abriga um dos mais relevantes agentes do jogo.
É com pena que constato que, não obstante o esforço do IFAB em imprimir leis inovadoras - a introdução da videotecnologia foi brilhante -, há ainda muito para ser feito, em todo o lado, a todos os níveis. Da base ao topo.
Os árbitros do escalão maior deviam ser todos profissionais. Não meia dúzia, não alguns, não aqui ou ali, mas todos. Todos mesmo. A sua estrutura, os seus dirigentes, os seus treinadores e adjuntos, também. A arbitragem levada a sério exige tempo e dedicação a full time e só não se percebe como há quem possa pensar o contrário.
Nessa causa, a área que requer um dos maiores investimentos é a da captação (e posterior retenção) de jovens, algo que deve ser feito em estreita articulação com as bases regionais, autarquias, clubes e escolas do país. Com o apelo certo e com o acompanhamento e meios adequados, é possível, sim, ter mais gente a vestir essa camisola.
Depois há um mundo imenso de pequenas-grandes coisas que devem mudar urgentemente: a melhoria substancial da comunicação com o exterior (que hoje é só obtusa), a disponibilidade total para esclarecer processos que levantem dúvidas e suspeições (nomeações, processos classificativos, etc), a presença de árbitros em ações que envolvam outros agentes desportivos, a criação de dinâmicas pedagógicas com adeptos, jornalistas e comentadores, a transparência total em tudo o que diga respeito às decisões resultantes da videoarbitragem, o estreitar de relações com jogadores, treinadores e dirigentes... enfim, o difícil é entender como é que esta casa, que nada teme porque nada deve, mantém desde sempre extremo secretismo e distância de tudo o que a envolve no jogo. Falta mudar o chip, falta dar a pedrada que o charco precisa, falta criar um plano, uma estratégia que ajude a mudar, aos poucos, esta forma errática e tribal de ver a classe.
Chamem-lhe idealismo ou o que quiserem. É melhor sonhar com um futuro mais puro e cristalino do que morar num presente onde o vazio e a neblina são uma constante.