Guardiola, exemplo a seguir

OPINIÃO17.06.202306:30

«A razão do meu sucesso? Ter bons jogadores!», diz Pep Guardiola

A O longo de muitos anos, Pep Guardiola tem sabido ser um exemplo e uma referência como treinador profissional de futebol. Principalmente por, desde muito cedo, ter sido sempre capaz de intervir a dois níveis.

O operacional (a tarefa) e o das relações pessoais e sociais (os processos de grupo), que se desenvolvem sempre no interior das equipas.

Por um um lado, demonstrou estar sempre atento a questões tão objetivas quanto sejam os resultados a atingir e as tarefas operacionais a desenvolver individual e coletivamente para que essas metas sejam alcançadas.

Pelo outro, dedicou sempre a atenção necessária às relações sociais e afetivas que se desenvolvem entre os membros da equipa (jogadores, treinadores, dirigentes, etc.), como também as influências da realidade (do meio ambiente), em que a equipa se integra, (federação, liga profissional, clube, etc.).

Em todos estes níveis de intervenção, Pep Guardiola tem conseguido ser bastante consistente aliás, como acaba de demonstrar mais uma vez através de uma época absolutamente brilhante da sua equipa, o Manchester City.

Segundo Patrick Lencioni (livro «Os Cinco desafios de uma equipa», Editora Campus, 2003), qualquer equipa de alto rendimento enfrenta cinco desafios.

«Estes desafios podem ser erroneamente interpretados como cinco problemas distintos mas, na realidade, formam um modelo interrelacionado, fazendo com que a suscetibilidade de um só deles, seja potencialmente letal para o sucesso da equipa.»

«O primeiro desafio, é o da ausência de confiança entre os membros da equipa. Falta de abertura uns aos outros, em relação aos seus erros e fraquezas.»

«O segundo, é o do medo do conflito, com origem na falta de confiança. Na falta desta, não há debate honesto e frontal de ideias, mas sim discussões veladas e comentários contidos.»

«O terceiro, é o da falta de compromisso proveniente da falta de debate honesto e frontal. Sem discussão apaixonada, raramente aderem e se comprometem com as decisões coletivas.»

«O quarto, é o da falta de prestação de contas (controlo de execução). Sem se comprometerem, ninguém controla a execução dos outros, ou chama a atenção para o que for.»

«O quinto, tem a ver com o facto de, não havendo prestação de contas a nível coletivo, naturalmente, dominam as necessidades e os interesses individuais.»

«Ao longo da minha experiência enquanto CEO, ressaltaram duas verdades. Primeiro, de um modo geral, o trabalho em equipa permanece tão evasivo como sempre foi. Segundo, as armadilhas contidas nestes cinco desafios ainda afastam mais as equipas de funcionarem como um coletivo.»

C ITANDO um recente trabalho de Hugo Tavares da Silva, no jornal EXPRESSO de 9 de Junho passado, com o título «Menos dogma, mais serenidade: eis Pep, o criador», segundo palavras do seu amigo pessoal Marti Perarnau, Pep Guardiola «está noutra» e «mais do que beleza, quer provocar emoções boas, quer que desfrutem do jogo da sua equipa. Ele não tem alma de artista, mas essa aspiração é artística. Quer deixar algo de bom como recordação.»

Como eu o compreendo!

Também a nível pessoal e a partir de um certo momento da minha carreira profissional como treinador, me mobilizou o objetivo de procurar corresponder às palavras de um poeta brasileiro (Bruno Leandro, RecifePE), que num determinado momento, afirmou que «o que fazemos na vida ecoa na eternidade.»

Como treinador de equipas de alto rendimento sabia que me era exigido conjugar competências, experiências e contributos, com base em muito empenho e compromisso individual e coletivo, mas também uma marcada dimensão social, construída através do constante ultrapassar coletivo de obstáculos e dificuldades e de uma partilha continuada de saberes e experiências.

Tudo muito difícil e complexo, a exigir uma enorme capacidade de liderança respetivamente centrada em Feed-back, entendido como o retorno de informação retirado da reflexão realizada sobre qualquer ação levada a cabo pela equipa. Feed-back sobre tudo o que vai acontecendo no dia a dia da equipa, permitindo aos seus membros estarem gradualmente informados acerca do que estão a fazer bem, ou mal.

Também o apontar de objetivos ambiciosos, mobilizadores da vontade coletiva no sentido de os membros da equipa nunca estarem satisfeitos com os resultados que vão alcançando. Quanto possível, permitir a cada jogador fazer aquilo que gosta e que melhor faz, recebendo por isso o retorno intrínseco e extrínseco que precisa e sentindo as suas expectativas recompensadas.

Procurar, afinal, conseguir que todos os membros da equipa se identifiquem e sintam envolvidos na concretização dos objetivos comuns existentes. Também definir que, sem talento quanto baste e a especialização necessária para enfrentar a realidade do dia a dia, dificilmente será possível alcançar o almejado sucesso.

Garantindo o contributo de quem, pelo seu saber, experiência e especialização, faz a diferença nos momentos de decisão. Igualmente uma complementaridade de personalidades, saberes, experiências, especialidades, etc. e uma enorme vontade expressa de trabalhar em conjunto, confiando e respeitando-se mutuamente.

M AS não só! Torna-se também decisivo evidenciar um grau de desprendimento muito grande de quem lidera. Um servir, mais do que servir-se. Uma constante preocupação com os outros, expressa não só a nível de um reconhecimento objetivo daquilo que são (sem nunca lhes colar rótulos despropositados). Mas também, por via de uma manifestação constante de interesse e vontade de ajudar e apoiar sempre que necessário, sentindo os êxitos e os insucessos dos jogadores como se fossem seus.

Para trabalhar em equipa, não basta que quem lidera faça o que tem de fazer e os membros da equipa assumam o compromisso de compatibilizarem os seus interesses particulares com os coletivos. É preciso que o meio ambiente (social e cultural) em que a equipa se insere, crie as melhores condições possíveis para que o trabalho em equipa aconteça em toda a sua plenitude. Ora no que respeita ao enquadramento necessário nos momentos decisivos, cito o que disse Pep Guardiola a anteceder a recente final da Champions: «Para alcançares algo, precisas de ter a porção correta de obsessão, de desejo.»

«A razão do meu sucesso? Ter bons jogadores. Tive o Messi e agora o Haaland.»

Excelente! Antes do mais, querer muito alcançar algo. Mas não só! Também reconhecer que para o conseguir todos os jogadores são decisivos. Nomeadamente os reconhecidos como grandes jogadores que fazem a diferença para melhor nos momentos em que a equipa precisa.

P EPE GUARDIOLA foi durante toda a sua carreira um exemplo bem evidente do PERFORM expresso por Ken Blanchard no seu livro «Um nível Superior de Liderança» (Atual Editora, 2013):

PURPOSE, sentido de direção (Visão); Apontar objetivos ambiciosos; EMPOWERMENT, envolvimento e delegação de tufo e de todos ao redor de objetivos comuns; complementaridade de objetivos individuais e coletivos; RELATIONS, comunicação aberta e frontal; confiança e respeito mútuos entre treinador e jogadores; FLEXIBILITY, abertura e flexibilidade; clima social positivo e sempre mobilizado sejam quais forem os contextos e circunstâncias; OPTIMAL PRODUTIVITY, capacidade de gerir a mudança, o inesperado, o sucesso; resiliência e resistência à acomodação quase sempre contida nos momentos de sucesso; RECOGNITION, tratar todos com justiça, nunca todos por igual; reconhecer e distinguir quem faz bem, dar feedback negativo a quem faz mal; Gerir bem as consequências respetivas dos comportamentos e atitudes de cada membro da equipa; MORALE, possuir um marcado orgulho de pertença (vestir a camisola); identificando-se coletivamente com a cultura e os valores da equipa.

Voltando a citar Marti Perarnau, o Pep Guardiola «compreendeu também que, quanto mais tranquilo estiver, mais tranquilos vão estar os jogadores».

«Tem a ver com maturidade pessoal.»

Pep Guardiola, exemplo a seguir!