Gigantes na sombra

OPINIÃO03.11.202205:35

O bom exemplo Casa Pia cá dentro, o crescimento de Diogo Dalot e o renascimento de Mário Rui num grande Nápoles

TEM sido um hábito saudável nos últimos anos na Liga: o surgimento de equipas de pequena dimensão e orçamento que contrariam o destino que lhes é inicialmente traçado e passam pelos pingos da chuva, crescendo em dimensão e subindo na classificação até chegar aquele momento em que os clubes de gama média e alta param de olhar para os tradicionais adversários e prestam real atenção ao que se passa, tal qual aqueles clientes habituais do bar que perguntam uns para os outros o que é que estes tipos estão aqui a fazer? quando o grupo de novatos já há muito irrompera pelo espaço e pedido duas rodadas.
Esse papel, atualmente, cabe ao Casa Pia, clube com história e um projeto muito interessante em que os investidores pensaram a médio prazo sem a pressa dos resultados imediatos que tantas vezes produzem um salto gigantesco, porém sem a companhia de um para- quedas. O emblema lisboeta ocupa um extraordinário quarto lugar no campeonato, a apenas três pontos do FC Porto e à frente, por exemplo, do Sporting, tendo ainda a condicionante de jogar em casa emprestada (Estádio Nacional) devido às obras no seu Pina Manique. Notável.  
O sucesso momentâneo do Casa Pia, talvez por se tratar de um regresso ao convívio dos grandes 83 anos depois, tem também o mérito de nos devolver um pouco àquele futebol mais puro, não tanto o futebol jogado (disso é  o mais moderno que há, mérito de Filipe Martins) mas o futebol humanizado, feito de pessoas e sentimentos verbalizados sem filtros. Ninguém po- de ter ficado indiferente às imagens (raras!) de um árbitro, por exemplo, confortar um treinador porque todos já sabiam que o técnico natural da Amadora havia perdido o pai nessa madrugada e mesmo assim foi a jogo e ganhou.
Este é o Casa Pia que também tem um capitão com o dom da palavra. Que tão bem ficou vincado na palestra que deu ao grupo antes desse encontro com o Rio Ave (esteve muito bem o clube ao revelar o vídeo publicamente) e que já demonstrara no flash interview após o jogo com o Sporting, discurso elogiado um pouco por todo o lado por fugir ao clássico tom monocórdico e à cassete habitual.
 

SE não houver surpresas até lá, João Cancelo e Nuno Mendes serão os laterais titulares da Seleção Nacional no Mundial de 2022, no Catar, que começa dentro de três semanas, mas há que prestar muita atenção ao que estão a fazer tanto Diogo Dalot como Mário Rui. O lateral-direito atravessa, provavelmente, o melhor momento da carreira, exibindo-se com consistência no Manchester United. As oscilações entre um jogo muito bom e outro razoável terminaram com a chegada de Ten Hag a Old Trafford. Dalot cresceu muito do ponto de vista defensivo, o que se deve ao reforço de recursos atléticos (mais massa muscular e mais robustez) e recursos táticos, ocupando hoje zonas do campo muito mais interiores a atacar (já não é aquele lateral que procura apenas a linha, de cabeça baixa) e uma lucidez e maturidade assinaláveis no momento defensivo. O antigo jogador do FC Porto, de apenas 23 anos, está cada vez mais um jogador completo.
Oito anos mais velho que Dalot, Mário Rui até pode ficar fora dos 26 do selecionador Fernando Santos (Raphael Guerreiro estará à frente dele na corrida aos eleitos), mas não será por falta de brilho. O esquerdino natural de Sines continua titularíssimo de um grande Nápoles que até ao jogo de anteontem com o Liverpool se mantinha invicto e com 13 vitórias consecutivas em todas as competições. Vai na sexta época no clube do Sul de Itália (Maurizio Sarri levou-o, ele que já o treinara no Empoli) e sempre num registo de impressionante regularidade. É daqueles raros jogadores cuja fiabilidade resiste à passagem dos técnicos e a quem Luciano Spalletti tem pedido iniciativa ofensiva, respondendo com  cruzamentos a régua e esquadro. Renascido foi o termo que o jornal La  Gazzetta dello Sport utilizou para caracterizar a temporada do lateral com passagem pela formação do Sporting e Benfica.
Dalot e Mário Rui foram dos melhores na última vez que vestiram a camisola da Seleção e terão surpreendido, até, muitos adeptos, naquela goleada à República Checa. Mas nada é por acaso.