Formação e confusão
Ronaldo pode ser a referência maior da formação leonina mas, em 20 anos de Alcochete, o Sporting foi uma vez campeão, o FC Porto doze e o Benfica sete
F REDERICO VARANDAS, na sua mais recente declaração, a propósito do evento Thinking Football Summit («sendo a língua de Camões e Pessoa tão rica, não havia, de todo, necessidade de recorrer a uma formulação inglesa», como acertadamente escreveu José Manuel Delgado), elegeu a formação como tema central e considerou-a uma questão de sobrevivência porque, no seu entendimento, quando os três grandes deixarem de vender não terão hipóteses de andar na Liga dos Campeões.
É a opinião de quem conhece os meandros do negócio por dentro, por isso muito válida, mas que, do meu ponto de vista, se revela insuficiente por só abranger a parte da história mais fácil de resolver: vender é o que os clubes gostam de fazer. Formando talentosos praticantes em quantidade, aguça-se o interesse da clientela endinheirada e abrem-se perspetivas de boas receitas mas, ao nível da exigência de um emblema de Champions, ou candidato a tal, a prioridade deverá incidir no acompanhamento e crescimento de jovens que se destaquem e reúnam especiais aptidões para serem reforços da equipa principal do clube formador, valorizando-a e valorizando-se. Deve privilegiar-se esta conjugação de interesses (clube e atleta) e desaconselhar a procura desordenada de eventuais pérolas nos mercados externos que, na maioria dos casos, ajudam a empurrar os clubes para o sufoco financeiro.
Frederico Varandas respirou orgulho e vaidade ao proclamar Cristiano Ronaldo como a referência maior da formação leonina. Ninguém o contraria, obviamente, mas tem alguma dificuldade em explicar uma discrepância iniludível: a sua academia, em vinte anos de existência, alimentou a equipa principal com 67 jogadores, «22 nos últimos quatro anos», mas desde a sua inauguração, em junho de 2002, o FC Porto foi doze vezes campeão nacional, o Benfica sete e o Sporting apenas uma, em 2021, já no seu consulado. Além de na Liga Jovem da UEFA, desde que foi criada em 2013, só haver registo de títulos do FC Porto (2019) e do Benfica (2022, mais finalista vencido em 2014, 2017 e 2020). É ainda propriedade da águia a primeira Taça Intercontinental de sub-20 (vitória sobre o Peñarol, 1-0). Portanto, há aqui uma confusão, ou talvez seja excesso de otimismo do presidente leonino.
O clube que melhor trabalha a formação em proveito da equipa principal é o SC Braga, por ter em António Salvador um presidente que define objetivos e determina estratégias em obediência a uma política de desenvolvimento que visa o reforço da influência do emblema minhoto em Portugal e na Europa.
É ver as receitas, em vendas diretas, caso de Trincão, e a abundante representação da juventude da casa no plantel profissional, de que são exemplos Vítor Oliveira (Vitinha), Tiago Sá, Fabiano, Álvaro Djaló, Rodrigo Gomes ou Roger, e outros, que não tendo nascido no mesmo berço, lá residem há tempo suficiente para se considerarem filhos do projeto mais interessante e arrojado no futebol luso.
Um clube pode nascer pequeno, mas não tem de ser pequeno toda a vida. É o SC Braga quem o demonstra.
E M maio último, após a conquista da Youth League, Pedro Mil-Homens, diretor-geral da formação do Benfica, em entrevista publicada em A BOLA, com assinatura do jornalista Nuno Paralvas, afirmou que «os maiores troféus são os jogadores na equipa principal» e assumiu, sem preconceitos, que o sucesso da academia do Seixal está dependente do treinador chefe, porque «um clube como o Benfica só pode ter um projeto de formação na dimensão que tem se o principal objetivo for retirar jogadores para o seu futebol profissional». O problema, como sabemos, é que «o Benfica fez uma alteração tática, não estratégica», com a qual não concordou.
«O Benfica desviou-se de um rumo [contratação de Jesus]. Os resultados, infelizmente, estão à vista», sublinhou Pedro Mil-Homens, perante a ausência de diálogo entretanto restabelecido por Rui Costa e para o qual, além da vontade do presidente, muito terão contribuído Lourenço Pereira Coelho (tem a visão, a experiência e a vontade de participar na mudança) e Roger Schmidt, entretanto contratado.
É um treinador com ideias, culto e distante das ciumeiras entre vizinhos. Faltava ao Benfica esta linha de continuidade que liga a formação ao futebol profissional, onde cabem António Silva, Gonçalo Ramos, Florentino, Henrique Araújo, Diogo Gonçalves, Morato e Paulo Bernardo. Destes, nem todos vão criar raízes, mas existe mais gente jovem em lista de espera para entrar. Constrói-se o presente e prepara-se o futuro.