Falar de coisas sérias

OPINIÃO10.05.202206:30

Discussão a reboque de lances concretos jamais terá força para ser levada a sério

H Á cerca de um mês opinei que Taremi tinha ganho dois penáltis em Guimarães ao provocar, promover ou criar condições para que o contacto com Varela fosse erradamente analisado como faltoso.
Fui chacinado por uma onda de ofensas, ameaças e indignação, vinda de adeptos afetos ao FC Porto, comentadores desportivos incluídos.
Há cerca de uma semana entendi que Adán tinha derrubado Leautey, fazendo falta na sua área. Fui insultado e ofendido várias vezes, por adeptos (e comentadores) ligados ao clube de Alvalade.
No passado sábado fui da opinião que a decisão de anular o golo a Darwin Núñez devia ser considerada como boa. Essa posição foi exatamente igual às que tive em todas as situações que resultaram na validação ou anulação de golos por margens curtíssimas.
As ofensas, ameaças e impropérios continuaram a chegar, desta vez por parte de adeptos e outras pessoas identificadas ao Benfica.
Moral da história: em menos de um mês fui lampião, tripeiro e lagarto. No dia em que o ataque impiedoso ou o abraço dissimulado vierem só de um lado, ficarei preocupado. Assim, infelizmente, tenho que os ler como elogio.
Mas a reflexão de hoje nada tem a ver comigo, mas com o futebol em geral e com a função que alguns ex-árbitros agora exercem. Para começar, não se esqueçam que o comentador de arbitragem só se pronuncia depois dos jogos terminarem e que a sua abordagem é puramente técnica e não tem fins belicistas.
A forma acalorada como muitos interpretam as suas análises é quase sempre movida pela vontade irracional de verem validadas as suas opiniões.
Há, em quem pensa assim, uma tendência algo bipolar, que os faz viajar do elogio oco à ofensa gratuita, apenas no espaço de uma semana. Pelo meio não conseguem perceber o que realmente importa: o especialista em arbitragem não analisa clubes nem árbitros. Analisa lances.
No meio de tanta deselegância e má educação, não deixo de me surpreender com algumas pessoas por quem tenho estima, por permitirem que o seu amor à camisola as transforme em criaturas irracionais, embora aqui e ali mascaradas de equidistantes. Nas últimas semanas, ouvi e li coisas como «é intelectualmente desonesto» ou «eles fazem parte de uma espécie de cartel, que funciona com base em simpatias». Tive até direito a comparação implícita ao falecido Francisco Silva. Tudo porquê? Por causa da opinião sobre um penálti que alguém assinalou na véspera? Por causa da expulsão que alguém decidiu na semana anterior?
Há questões sérias para discutir na arbitragem e uma delas é o fora de jogo tecnológico. Mas parece-me que toda a discussão levantada a reboque de lances concretos jamais terá força para ser levada a sério.
As coisas importantes devem ser discutidas com neutralidade e apresentação de propostas, nos momentos e locais onde a mudança pode acontecer.
Foi o que fizeram na Premier League, quando confrontados com este problema: engrossaram as linhas (que avaliam a posição de defesa e atacante) e decidiram que quando uma e outra estivessem sobrepostas ou se tocassem, nunca haveria fora de jogo. Agora têm menos ruído e mais golos.
A FIFA foi mais longe e prepara-se para levar ao Catar uma tecnologia que depende apenas da Inteligência Artificial para validar a posição dos jogadores. É cara mas na decisão do está ou não está em offside resolve a coisa de forma totalmente automática.
Não será assim que as coisas se resolvem?