Extremar para ensinar
Rubiales foi egoísta, arrogante e passou a imagem de que era vítima. Tudo errado
O caso Rubiales, que tanto tem ocupado a agenda mediática na última semana, é bem elucidativo da importância que hoje se dá (e bem) a temas tão estruturantes como o são a igualdade de género, o racismo, a xenofobia, a religião e qualquer outro tipo de intolerância social.
Assuntos assim, tão delicados e sensíveis, devem ser abordados e tratados com delicadeza e sensibilidade e é quase sempre a incapacidade que algumas pessoas têm em entender isso que as arrasta para precipícios que ditam as suas quedas, sem possibilidade de indulto ou regresso.
É precisamente nesse abismo que mora Rubiales e o carrossel de eventos que o próprio fez cair sobre si.
Para ser muito claro, fica já a opinião pessoal: ninguém tem o direito de impor ideologicamente o que quer que seja a outrem. Isso é verdade nas nossas vidas profissionais, pessoais, familiares, sociais. É verdade em qualquer lado, com qualquer pessoa, em quaisquer circunstâncias. E é ainda mais verdade para quem, a dado momento das suas vidas, desempenha funções que exigem ética, respeito e recato acrescidos.
Um líder de uma estrutura desportiva com a dimensão da galática Real Federação Espanhola de Futebol não pode nunca, em momento algum, ter a postura que Rubiales teve. Fazer o que ele fez. Se isso acontece, o único caminho minimamente respeitável é assumir as consequências da irresponsabilidade, o que no caso significaria reconhecer que deixou de ter condições éticas para exercer o cargo de presidente.
É simples, muito simples e o facto de ele não o perceber passou para o exterior imagem muito grave: a de ter desvalorizado a sucessão de erros que cometeu naquele estádio (não foi um nem dois), a de ter sido incapaz de se desculpar diretamente à atleta, ali em clara inferioridade hierárquica, e, pior ainda, a de aparentar uma atracção irresistível pelo poder - e de todos os benefícios financeiros e profissionais daí decorrentes -, recusando-se a apresentar o seu pedido de demissão.
Luis Rubiales, então presidente da RFEF, acredita mesmo que colocar a mão nos genitais quando está a dois, três passos da rainha do seu país, meter as unhas enfiadas na coxa de uma atleta que decidiu pegar ao colo porque estava feliz ou espetar com um beijo na boca de uma outra jogadora... é normal. Faz parte da emoção, do calor do momento, da euforia da vitória.
Rubiales achou que era um adepto qualquer, de cachecol ao pescoço e testosterona ao rubro, num contexto familiar, a ver um jogo de bola com a namorada e os amigos de ambos. Mas não é, ali nunca seria.
Foi egoísta, arrogante e passou para o exterior a imagem de que ele é que era a vítima, quando na verdade pareceu abusador. Tudo errado na opção, até estrategicamente.
A partir daí, o espanhol viu a força que tem o mundo destes nossos dias - se calhar com algum excesso e desproporção, há que dizê-lo com sinceridade -, mas ele, melhor do que ninguém, já deveria saber que estes são tempos em que este tipo de mensagens, por serem tão importantes e vitais, são transmitidas com mais insistência e intensidade.
Na verdade, o ex-dirigente fez tudo o que estava ao seu alcance para se colocar onde está agora, no papel de bode expiatório perfeito, encarnando na pele tudo aquilo que pessoas civilizadas, tolerantes e de bem pretendem erradicar da sua sociedade. Uma sociedade que querem livre, igual e tolerante.
Por cá e a outros níveis, já tivemos (como continuamos a ter) mãos cheias de gente que se esquece, a espaços, da exigência ética e moral dos cargos que ocupam. Não faltam por aí exemplos de dirigentes de clubes, de associações de futebol, de conselhos disciplinares e até de arbitragem que, no calor do momento, vestem a pele de adeptos enraivecidos, manifestando publicamente posições inenarráveis, em termos e modos totalmente incompatíveis com a dimensão das suas funções.
Acontece no futebol, na política e em tantas outras áreas de atividades desportivas.
Para esses a denúncia pública e o embaraço daí decorrente são muitas vezes a única forma de os fazer assumir e recuar. Passam pelo cabo das tormentas para ver se aprendem a chegar a bom porto.
É preciso saber estar. Quem não sabe, não está lá a fazer nada.