Este texto reforça um alerta
Varane em duelo de cabeça com Mandzukic (IMAGO / Kyodo News)
Foto: IMAGO

Este texto reforça um alerta

OPINIÃO10.06.202409:40

Numa carreira profissional, quantas vezes cabeceia uma bola um futebolista?

Os números são claros e assustadores na América. E mesmo que se use o argumento de que o futebol não apresenta os mesmos riscos que o futebol americano, a verdade é que os casos que podem aparecer no soccer podem, em última análise, levar a uma alteração mais substancial nas regras do futebol europeu.

A Encefalopatia Traumática Crónica (ETC) é um problema de hoje e merece a atenção dos clínicos. Os dados da NFL são reveladores de uma doença preocupante, com efeitos pós-carreira - e se não quiser aborrecer-se com a estatística, há por aí Hollywood suficiente para explicar o problema. No ano passado, a Universidade de Boston publicou um estudo em que 345 de 376 ex-jogadores da NFL - a liga profissional de futebol americano - foram diagnosticados após morte com uma doença que muda comportamentos, pode levar a atos violentos e que comporta tendências suicidas, sobretudo resultante do impacto repetitivo na cabeça. Já agora, apenas um de 164 cérebros de indivíduos normais revelaram ETC no mesmo estudo - esse único tinha jogado futebol americano na Universidade.

No futebol nascido em Inglaterra, os números não são para já tão grandes, mas também não são tão aprofundados. Ainda assim, é preciso estar alerta para a questão, como pretendem fazer as declarações de Raphael Varane e de John, filho do mítico Nobby Stiles, que apontam para uma «doença que está a matar os futebolistas».

A tecnologia no futebol não se prende apenas num VAR. As bolas de hoje são mais leves e melhores. Qualquer pessoa dos anos 80 ou 90 se lembra do peso de uma bola molhada, chutada por um guarda-redes com um bigode precoce para a idade num campeonato desses que se joga ao domingo de manhã. E quem não se recorda de um remate forte a que se teve de meter a cabeça e se ficou zonzo? O futebol ainda traz com ele uma virilidade que é capaz de gozar com isto. Chamar-lhe-ia de ignorância, associando desde logo esse preconceito de que um cabeceamento é um ato normal de um futebol para homens de barba rija. Mas de cada vez que alguém mete a cabeça à bola e fica à toa, isso pode ter danos: ainda não há provas conclusivas, mas convém estar atento - o objetivo deste texto.

As concussões entraram no soccer e as autoridades acompanharam. A substituição extra por concussão foi medida aplicada, mas quem sabe se não é esta doença - ou a preocupação com ela - que traga de vez as substituições momentâneas. Li que há equipas que usam vídeo em tempo real para analisar de forma imediata potenciais lesões e retirar jogadores de campo. Uma espécie de VAR clínico, em que enquanto o árbitro manda o jogo seguir, se tenta perceber se o problema é grave e se coloque, por meros instantes, um substituto.

Os efeitos da ETC podem manifestar-se só na reforma e não há, para já, ligação clara entre cabeceamentos e ETC. Mas numa carreira profissional, quantas vezes cabeceia uma bola um futebolista, desde que é criança até pendurar as chuteiras? Não lhe faz pensar?