Enzo sem desconto
Agitar o fantasma das lesões para apressar a venda e ceder à primeira oferta que bata à porta da Luz é de um despropósito bolorento
RUI COSTA tem pela frente um desafio muito delicado. A condução do processo de Enzo Fernández vai exigir-lhe serenidade, perspicácia e firmeza quando tiver de tomar um decisão. Que o Benfica descobriu um tesouro na Argentina não é novidade. O problema que se coloca, agora, tem a ver com a valorização que o jogador adquiriu no Campeonato do Mundo.
Ao princípio, seria apenas um jovem talentoso em lista de espera para entrar na convocatória da sua seleção, mas o título mundial, associado a uma sucessão de notáveis desempenhos, transformaram-no numa das estrelas mais reluzentes do planeta futebol. O que é bom, porque viu a sua cotação subir até patamares inimagináveis, e o que é mau, na perspetiva do adepto benfiquista, porque passa a vê-lo na agenda de prioridades dos mais ricos emblemas europeus. E quanto a isso pouco há a fazer, a não ser esperar e dar tempo a Rui Costa até enxergar a melhor solução para o belo problema que se lhe depara, porque, espantosamente, de um problema se trata.
Quando se fala em valores de mercado tão elevados, acima da centena de milhões de euros, o que para qualquer outro clube seria motivo de grande festa, pelo camião de dinheiro a receber, para o Benfica, porém, é motivo de preocupação, sobretudo para quem tem a responsabilidade de decidir, parecendo-me, no entanto, que, ao contrário do que sugeriu o antigo chefe do departamento de futebol, Gaspar Ramos, em declarações à Renascença, jamais deve ser equacionado qualquer espécie de desconto.
Saída de Enzo é uma inevitabilidade
Éum exagero bipolarizar a situação entre querer tudo ou poder perder tudo, porque não é o caso. Por outro lado, agitar o fantasma das lesões para apressar a venda e ceder à primeira oferta que bata à porta é de um despropósito bolorento. Existe sempre risco em qualquer transferência, independentemente das verbas, e Rui Costa, melhor do que ninguém, conhece os circuitos de influências e de contra influências nos bastidores do futebol de alto nível.
O Benfica mudou de ciclo e de filosofia, em que os interesses desportivos se sobrepõem aos interesses financeiros, palavra de presidente. Neste sentido, se houver quem pague o valor da cláusula (120 milhões) e o jogador estiver de acordo, nada a fazer, Enzo sai; não havendo quem pague o valor da cláusula e não andando o clube de mão estendida, Enzo fica. E ficará tranquilo e confiante se tiver a perfeita noção de que, neste momento, tal como alvitrou o treinador Roger Schmidt, o Benfica é o melhor clube para continuar o seu processo evolutivo. Até à próxima paragem, no final da época. Então, num quadro mais favorável para negociar.
Que Enzo vai sair é uma inevitabilidade, a questão está em definir como e quando.
OLHOS EM BRAGA
MARCAR os três jogos da 14.ª jornada em que intervêm os quatro primeiro classificados do campeonato da Liga para depois das nove da noite é uma espécie de regresso ao passado. Marcar os três jogos que mais atenção suscitam para horário tão pouco convidativo, ainda por cima em dezembro, mês climaticamente agreste, pode ser uma medida simpática para os chamados espectadores de sofá, mas não creio que dê saúde ao espetáculo do futebol. Ver jogos pela televisão, com estádios vazios, é o costume em Portugal e contribuir para retirar público aos que resistem a essa desertificação não é ideia que se recomende.
FC Porto-Arouca, amanhã, Sporting-P. Ferreira, na quinta-feira, e SC Braga-Benfica, três jogos fora de horas, com especial foco dirigido a este último, seguido com justificada ansiedade pelo universo portista, por ver nele uma forte possibilidade da águia não sair vitoriosa e o dragão poder aproximar-se do topo da classificação.
Também o médico Eduardo Barroso, fervoroso adepto leonino, ouvido pela RR, confessou acreditar que o seu clube ainda pode ser campeão e apontou o resultado deste jogo na capital do Minho como fonte inspiradora da recuperação leonina. Segundo o antigo dirigente, que tão entusiasticamente defendeu a sua opinião, a eventual conjugação de dois resultados até ao final da primeira volta irá alterar o rumo da competição: «se o Benfica perder em Braga e o Sporting vencer na Luz, o Sporting reentra na luta.»
De repente, emergiu a curiosa teoria de limitar as contas do campeonato a duas jornadas. É normal que portistas e sportinguistas desejem a derrota do Benfica, faz parte da história das rivalidades entre emblemas, o que não quer dizer que sejam atendidos nas suas pretensões, e mesmo que sejam nem assim será suficiente para retirar a águia do primeiro lugar.
Por outro lado, e repito-me, julgo ninguém poder assegurar que, depois da demorada paragem devido à realização do Mundial do Catar, o Benfica volta debilitado e os principais opositores se apresentam pujantes. Talvez o afastamento da águia da Final Four da Taça da Liga tenha sido a guloseima que deu mais encanto à quadra festiva dos adeptos rivais. Talvez…