Editorial: O desplante
Como defender a Liga portuguesa defendendo a «cultura da simulação»?
Na Liga inglesa, o defesa do Liverpool Virgil van Dijk viu-se castigado com dois jogos de suspensão (1+1) e multado em mais de cem mil euros, imagine-se a ousadia, apenas por ter tido o desplante de usar «linguagem abusiva e insultuosa» com o árbitro, após ter sido expulso.
Por cá, o presidente de um clube diz que é preciso defender a indústria do futebol, mas ao mesmo tempo não vê qualquer problema nas simulações de Taremi, por entender que Taremi «faz o papel dele», aludindo a que o árbitro e o vídeo árbitro «façam os seus». Difícil acreditar-se no que se ouve. Ou lê. Terá o presidente do Boavista, autor da expressão, dito exatamente o que pensa ou pensou muito bem no que disse?
Para Vítor Murta, pelo que se concluiu do que disse, os jogadores estão no jogo também para simular. Não importa se querem enganar o árbitro, os adversários, enganar o jogo e os adeptos. Fazem o papel deles, defendeu o líder do Boavista na intervenção que fez no fórum organizado pela própria Liga. Fiquei na dúvida se quis ser engraçado ou apenas cair em graça.
Quando o defesa do Liverpool, no jogo em Newcastle, derrubou duramente um adversário e foi justamente expulso, dirigiu-se ao árbitro e teve «linguagem imprópria» com o juiz John Brooks (nomeado, aliás, para dirigir o Portugal-Luxemburgo desta segunda-feira). Podia Virgil van Dijk ter sido castigado apenas com um jogo de suspensão (falhou, por isso, o encontro seguinte com o Aston Villa) pelo cartão vermelho direto com que foi sancionado pela dura e perigosa entrada sobre o avançado do Newcastle, Alexander Isak. Mas na Liga inglesa não se brinca às competições. Pela linguagem imprópria, e sem razão para contestar a decisão do árbitro, van Dijk é castigado com mais um jogo de suspensão e mais de cem mil euros de multa!
Creio que deveríamos todos sentir, aliás, um pingo de vergonha que fosse ao ouvirmos o novo avançado do Sporting, Gyokeres, definir a nossa Liga como uma competição onde há «muito mais interrupções, mais faltas e muito mais simulações». Ouvimos bem. «Muito mais simulações». Para o presidente do histórico Boavista (campeão nacional uma vez em Portugal), a simulação é, simplesmente, «o papel do jogador», com o descaramento de o afirmar no fórum principal do futebol profissional no nosso País, perante os que supostamente devem debater a melhoria do campeonato, a verdade desportiva e a ética da competição. A cultura do engano não incomoda, pelos vistos, Vítor Murta, nem o líder do Boavista se sente enganado pelas simulações de Taremi ou seja de quem for. Está certo. É também por isso que a Liga portuguesa tem a imagem que tem lá fora e é, não há como escondê-lo, uma competição com tão mínimo impacto nos media internacionais.
Ainda recentemente, no Benfica-V.Guimarães, Jota Silva, extremo dos minhotos, fez, para o líder do rival Boavista, o papel que lhe cabe ao simular ter sofrido uma cotovelada do lateral encarnado Alexander Bah. Simulou e ganhou, porque enganou o árbitro, enganou o jogo e fez com que fosse mostrado cartão amarelo ao jogador das águias. É apenas um exemplo recente de um jogador a quem devia exigir-se, não o ato de simular, mas a competitividade que ajudasse a evitar que um grande clube como o Vitória se visse, como viu, afastado esta épocas das competições europeias aos pés do Celje, um modesto adversário da Eslovénia.
Não será certamente com afirmações como as do presidente do Boavista que a Liga portuguesa pode melhorar-se como «produto», para usar a linguagem pouco afetiva de alguns dirigentes, e muito menos conseguir «vender-se» melhor através da tão prometida centralização dos direitos televisivos, de cujo resultado final me parece ninguém ter qualquer visão definida. Talvez por falta de uma boa simulação!