Depois do intervalo (do meu e da época)
Esforçar-me-ei por evitar ver a árvore sem enxergar a floresta, ou de olhar para a floresta sem dar conta da árvore...
Regresso à escrita no meu jornal desportivo de sempre. Para partilhar reflexões, análises, comentários em torno do desporto. A circunstância de esta minha coluna ser quinzenal pode contribuir para uma escrita menos apegada ao dia que passou e mais voltada para os dias que virão.
Associei os nomes das rubricas à botânica, outro dos meus amores e de curiosidade por saciar. Como tal, procurarei não descurar a raiz das coisas, tentarei distinguir os ramos secos dos viçosos, deter-me-ei nas folhas desportivamente não caducas, deliciar-me-ei com a exuberância das papoilas vermelhas e o movimento de girassóis concorrentes e, por fim, procurarei diferenciar os bons frutos dos podres. Esforçar-me-ei, por fim, para evitar ver a árvore sem enxergar a floresta, ou de olhar para a floresta sem dar conta da árvore.
Um interregno longo e inusitado do campeonato é, em tese, bom para quem, na ausência competitiva, retoma a esperança, e pode ser mau para quem, na frente, corre o risco de deslaçar dinâmicas vitoriosas. Foi assim que o Benfica - perdendo em Braga - viu os rivais aproximarem-se e a Liga ficar mais longe de estar decidida. Acresce que o “mercadão das Janeiras prolongadas” (ou, em versão botânica, da “árvore das patacas”) mexe com a cabeça de multifacetados intérpretes.
O jogo no Minho evidenciou que o plantel do Benfica se revela curto, sobretudo na segunda metade da época por causa do risco de lesões, fadiga e cartões acumulados. Tem 12 ou 13 bons jogadores, mas o que sobra do plantel são ainda só promessas, ou suplentes que não são reforços, ou atletas desmotivados à espera de guia-de-marcha. Acresce que os seus adversários jogam sempre com “autocarros estacionados”, o que não vejo que aconteça com a mesma intensidade e consistência nos jogos contra o Porto e o Sporting. Aliás, o Benfica começou a perder o jogo de Braga em … Alvalade. Aí, o técnico arsenalista percebeu que contra os mais fortes não se pode jogar “tu cá, tu lá”... E vai daí, contra o Benfica “casa roubada, trancas à porta”. Inteligentemente, armou a equipa e alterou a estratégia, logo reforçada pelo golo no segundo minuto. E venceu com mérito.
O jogo de hoje contra o Portimonense assume uma acrescida importância, para já não falar do dérbi da próxima semana. Espero que o velho ditado “há males que vêm por bem” se traduza em “há derrotas que vêm por vitórias”.
FOLHA SECA
Merdadejar
O “mercado de Inverno” é uma das anomalias de que padece o futebol-negócio. Desportivamente abstruso, deontologicamente inaceitável (por exemplo, um jogador pode em Janeiro defrontar a equipa pela qual jogou em Dezembro), eticamente permeável. A única razão para mercadejar a meio de uma época não é a do futebol jogado, antes é a do dinheiro transaccionado. Os donos planetários da bola oferecem oportunidades em regime de oligopólio aos glutões endinheirados e a quem não joga nos estádios, mas faz jogadas de intermediação fora deles.
Por cá, como sucede frequentemente, o Benfica é o “bombo da festa”. Não há dia de vésperas, em que não se fale de quase meia-equipa em alvoroço transumante. Enzo, Ramos, Grimaldo, Otamendi e até Neres alimentam notícias, hipóteses e fake news.
Não me venham dizer que isso não afecta a cabeça (e os pés) dos jogadores. O caso de Enzo é paradigmático, com o passo a ser maior (e fulminantemente rápido, depois de apenas 3 meses e meio a jogar) que a perna. E tudo se deve a um “acaso”: a eliminação surpreendente do River Plate (onde jogava) pelo remediado Vélez Sarsfield, numa fase precoce da “Libertadores”. Não fora isso, e só agora Enzo começaria a jogar no Benfica e, provavelmente, nem teria sido seleccionado para a selecção argentina. Não sei como vai acabar tudo, mas sublinho, desde já, a ingratidão soez do jogador para com o clube que o mostrou ao mundo. Já agora, gostaria de saber por que razão Jorge Mendes está no eventual negócio, ele que - pelo que li - não é agente de nenhuma das partes? Quem o chamou?
JOGOS FLORAIS
Igual ao Pelé, não tem.
Minha mãe me fez
e fechou a fábrica...
Edson Arantes do Nascimento
Rei do Futebol
De seu nome Celeste Arantes do Nascimento, completou em 20 de Novembro do ano passado 100 anos de idade. Nesse dia, Pelé escrevera que “desde criancinha, ela me ensinou o valor do amor e da paz. Tenho muito mais de uma centena de motivos para agradecer por ser o seu filho”. Já tudo foi dito e escrito sobre Pelé. Por isso, achei que uma palavra sobre a sua mãe era mais do que devida. Bendita mãe que deu ao mundo o mais genial e completo futebolista.
FAVAS CONTADAS - 9
Afinal os 9 dos golos de Eusébio no Mundial 1966 ainda são recorde. Na obsessão que atinge foros de vertigem tonta, quis-se comparar o incomparável: um único Mundial com a soma de 5 Mundiais. Valha-nos São Cono de Teggiano, o santo da boa sorte nos jogos.
FOTOSSÍNTESE
Rei até nas repúblicas
Hoje é Dia de Reis. Dos Magos e de Pelé, o rei (dos reis). O eterno, o imortal. Nestes dias em que fui relembrando o seu prodígio, dei comigo a pensar na força simbólica do epíteto rei. E neste devaneio por entre reis e rainhas, sorri quando me apercebi que, mesmo nos regimes republicanos, ser rei é o esplendor máximo da distinção! Um aparente paradoxo que talvez se explique pelo fascínio que o rei (ou a rainha) continuam a exercer na ‘Res publica’! No caso de Pelé, com a certeza de que jamais se disse dele que o ‘rei vai nu’