De regresso aos tempos felizes do Sporting

OPINIÃO26.11.202002:00

Há quase 60 anos, vivia eu na Avenida da República, onde se apanhava um elétrico que partia do Rossio, subia as laterais das Avenidas da Liberdade e Fontes Pereira de Melo, percorriam a minha avenida, entravam no Campo Grande e desembocavam na Alameda das Linhas de Torres. Era aí que saía, pela mão do meu avô. O destino era o Estádio José de Alvalade que tinha sido inaugurado em 1956. Atravessávamos a Alameda e entrávamos (às vezes pela porta dos atletas, a mítica 10A), onde se via escrito o lema Esforço, Devoção, Dedicação e Glória - Eis o Sporting!.
Por uns corredores intrincados, íamos dar ao camarote principal. O meu avô, durante uns tempos, fora dos corpos sociais do clube (presidente da Comissão de Contencioso e Sindicância) e, depois, salvo erro, tinha um cargo na Associação de Futebol de Lisboa, que lhe dava acesso a estas mordomias. O camarote era aquele que tinha o símbolo olímpico e onde se sentavam as figuras gradas do Sporting e dos visitantes.
Outras vezes, não sabendo agora porquê, ficávamos na central e, então, o meu avô alugava duas almofadas (a bancada era de cimento) para ficarmos mais confortáveis. De passagem, posso dizer que as almofadas eram atiradas para o campo quando a equipa não jogava bem. No geral, assistíamos a excelentes partidas, com alegria e boa disposição no tempo em que o jogador que fizesse o primeiro golo do Sporting era premiado com um fato, ou mesmo com uma caixa de salsichas. Já não eram amadores, mas eram profissionais com pouco dinheiro e condições que, à vista de hoje, eram deploráveis. Quando jogavam bem, eram os próprios dirigentes que, por vezes, lhes davam dinheiro como prémio. Muitos foram nomes grandes do futebol português - o guarda-redes Carvalho, os defesas Pedro Gomes e Hilário; Pérides e Figueiredo, Osvaldo e Mascarenhas e ainda o Morais (cujo canto direto nos daria o único troféu europeu do futebol sénior, a Taça das Taças depois de uma finalíssima contra os húngaros do MTK). Curiosamente, a participação nessa Taça dos Vencedores das Taças foi conseguida depois de uma vitória por 4-0 sobre o V. Guimarães, no Estádio Nacional. O mesmo resultado que, desta vez em Guimarães, o Sporting conseguiu.
Era um gosto, e assim foi durante algum tempo, até o nosso clube começar a dar mais preocupações do que alegrias. Mas não sei se por sentimentalismo, se por ver de novo a satisfação em campo, lembrei-me desses tempos, dos trajetos de elétrico e até do velho Estádio, da Estância de Madeira, ali ao lado, que fora do Sporting, e depois do Benfica e de novo do Sporting, antes de Alvalade existir (não sou desse tempo, apenas sei pelas histórias que ouvi). Como me lembrei das Laranjina C com que acompanhava os mais velhos que bebiam cervejas nas mesmas cervejarias que por ali ainda estão, como Tipe-Tope, na rua António Stromp (mais crescidinho, já me deixavam beber uma lambreta, que era uma imperial em copo pequenino).
Lembro-me do esforço, da dedicação, da devoção e da glória. E tudo me vem à memória com o Sporting desta época, desde que Rúben Amorim curou a Covid que o atormentou.

Campanha alegre

Uma Campanha Alegre foi o nome que Eça de Queirós deu à compilação das suas crónicas escritas para As Farpas, estas em colaboração com Ramalho Ortigão. E uma campanha alegre, como a que se tem visto até aqui, é o que desejo para o Sporting. Há dois dias Bagão Félix fez nestas páginas, com a precisão de um economista (não estou a ser exato, estas contas estavam mesmo certas), uma simulação interessante: comparando os resultados desta época com os da época passada, mas tendo em conta os precisos clubes com que cada um jogou; verifica-se que o Sporting ganhou três pontos, o Benfica ainda ganhou um e o Porto perdeu cinco. É verdade, meu caro amigo, mas permita-me que lhe diga, a si e aos leitores, que o Sporting ganhou muito mais do que três pontos: ganhou uma equipa que dá confiança a quem a apoia, que joga com alegria, que é mais jovem do que nunca, que tem fome de marcar golos. E eu, sportinguista de sempre, digo sem medo: prefiro uma derrota quando a equipa joga bem, do que uma vitória com a equipa a jogar miseravelmente.
É por isso mesmo que, quando me falam de Keizer, que também ganhou muitos jogos seguidos, eu respondo: certo, mas a equipa era uma lástima e, na maior parte das vezes, se não fosse Bruno Fernandes (enquanto jogou no Sporting) a desgraça seria total.
A contratação de Rúben depois da experiência falhada de Silas (que, aliás, não se entendeu) levantou muitas dúvidas. A mim, inclusive, mas ou algo extraordinário acontece, ou foi a melhor contratação do Sporting, e de qualquer equipa portuguesa, nos últimos tempos. Quase sem gastar dinheiro, fizemos uma equipa que nos dá alegrias. E isto não significa, volto a sublinhar, que tenhamos condições para ganhar o campeonato, a Taça, e tudo o que vier pela frente. Nada disso! Apenas quer dizer algo muito mais simples: retomei o orgulho ao ver jogar aquela equipa, voltei a sentir-me contente com o jogo. Já não dou gritos do tipo anda-me com isso, ou corre, pá (e provavelmente outros menos publicáveis); temos uma equipa para jogar, respeitando os adversários, mas sem receio de nenhum deles. A vitória em Guimarães e no Estádio Nacional, contra o Sacavenense, revelou dois adversários de valia muito diferente, ambos por nós derrotados com o mesmo respeito e a mesma alegria. E a este propósito, deixem-me salientar que a Taça é pródiga em ações bonitas - da homenagem do Sacavenense a Palhinha, que lá deu os primeiros passos, até à cedência dos direitos televisivos que o Sporting endossou à equipa adversária, com tantas tradições, que agora está no Campeonato de Portugal.
Naturalmente, Rúben Amorim e esta equipa não estarão isentos de erros; tomarão opções erradas. Mas, além de eu não estar habilitado a apontá-lo, nem conhecedor do estado físico e anímico de cada jogador, é óbvio que acertam muitíssimo mais do que erram. É isso que esperamos de profissionais. De bons profissionais.
Ah! E que continuem com a campanha alegre, já no sábado, ao receberem o Moreirense. Mais quatro era lindo….

E ainda há carpideiras…

Mas atenção. No Sporting nunca está tudo bem. Ainda por aí se ouvem as carpideiras, de uma direção que acabou há mais de dois anos, insultar a torto e a direito quem não disser mal da equipa diretiva atual.
Mas o mais divertido é a indignação com o fim de duas claques. Dizem que sem elas o estádio fica apenas com velhos a dormir. Ó senhores, o Sporting ganha com alegria, entre outras coisas mais importantes, que acima refiro, também pelo facto de não ter aqueles assanhados de costas para o campo a mandar assobiar e insultar toda a gente, incluindo jogadores. Já esqueceram Alcochete? Valha-me Deus! Já aqui referi, e foi referido por outros comentadores - e bem - que a reviravolta de 0-1 para 3-1 em 15 minutos, frente ao Gil Vicente, há cerca de um mês, seria quase impossível com as bancadas a assobiar cada vez que um jogador desse um toque errado na bola, ou a perdesse. Esses senhores que, durante anos, se sentiram donos do clube, fazedores de heróis e de vítimas, é bom que percebam que os sócios estão contentes com o que veem agora. Basta encontrá-los, nestes tempos em que os encontros são tão difíceis, para ver que é o primeiro tema entre sportinguistas. Por isso, podem ficar em silêncio e ver a equipa jogar, trocar a bola, correr, avançar na direção da baliza contrária, com confiança e não como se estivessem num tribunal popular, formado por uns quantos cheios de bazófia. Que era o que tínhamos e, felizmente, acabou.