Com coração. Sem coração

OPINIÃO15.06.202107:00

Soco, cabeçada e pontapé não rima com respeito, ética profissional e ‘fair-play’

O coração de Christian Eriksen decidiu iniciar greve sem aviso prévio num palco mediático, mas teve azar. Fê-lo na hora e local errados. Há dias assim. Felizes. Apesar do pânico que provocou nos muitos milhões de pessoas que assistiam ao jogo, o músculo mais importante do corpo do dinamarquês beneficiou de uma conjuntura de circunstâncias bem alinhadas para voltar a trabalhar rápida e ferozmente. Felizmente.
Os momentos que todos vivemos ali, naqueles instantes fatídicos, apesar de desesperantes e angustiantes, foram uma espécie de abre olhos (mais um) que não devemos ignorar: somos, de facto, finitos. Finitos, frágeis e reféns de uma realidade maior. Uma que não dominamos nem controlamos. Uma que desconhecemos por completo. A sorte de Eriksen não foi a mesma que tiveram, por exemplo, os nossos Fehér, Alex Apolinário, Quintana ou Neno. Ele teve a estrelinha do lado dele. Eles não. Lamentavelmente.
Quanto a nós - que assistimos a tudo aquilo amarrados numa impotência sufocante -, tenhamos a capacidade de perceber que a nossa existência é mesmo assim. Começa para um dia acabar. Na verdade, não há drama nisso. Não há drama neenhum. Dramático é viver de forma errada tomando más opções, fazendo mal aos outros e perdendo tempo com minudências que nada acrescentam a ninguém. Não vale a pena. Não vale mesmo. Espero que o craque dinamarquês recupere totalmente e que volte a fazer aquilo que é mais importante: viver.

O Hugo Ferreira, que é treinador principal (estagiário) da equipa de Benjamins sub-11 do Bairro da Argentina (equipa da cidade de Câmara de Lobos, na Madeira) pode até ser boa pessoa, bom homem e bom ser humano, mas recentemente mostrou ao mundo o exato oposto. A sua atitude durante o jogo que opôs a sua equipa à do Juventude Atlântico Clube (estamos a falar de Futebol de 7) foi desprezível, inqualificável e merece sanção exemplar a nível desportivo e criminal. A forma como agrediu o árbitro improvisado da partida (naquele escalão, a arbitragem fica geralmente a cargo de um elemento da equipa visitada) ficou gravada para a posteridade em vários vídeos filmados, à distância, pelos pais. Foi de uma maldade e frieza sem paralelo. O que o treinador Hugo Ferreira ali fez, num ato tresloucado e profundamente desequilibrado, é a antítese de tudo o que se quer e espera no desporto de formação. De tudo o que se quer e espera de um profissional (?) que tem a seu cargo um grupo de crianças.
Em vez de formar, o Hugo deformou. Em vez de construir, o Hugo destruiu com violência só porque não conseguiu controlar a sua incapacidade, frustração e mau perder momentâneos. Com isso, causou lesões feias a pessoa que apenas tentava fazer o trabalho que lhe pediram. Com isso  passou para todos aqueles meninos de 10 e 11 anos o exemplo mais deplorável que um adulto pode passar a uma criança. O presidente da AF Madeira, Rui Marote, foi célere a condenar o sucedido (fez muito bem) e ninguém tem dúvidas que aquela atrocidade será punida de forma célere e exemplar. É isso que todos desejamos e é isso que todos esperamos. Espero que a pancada sirva de lição ao agressor e a todos aqueles que têm na sua natureza essa enorme incapacidade de estar no desporto. Soco, cabeçada e pontapé pode rimar com muita coisa, mas não rima com respeito, ética profissional e fair-play.
Fim à violência já!