Chegou a hora de Rui Costa

OPINIÃO28.12.202106:00

O Benfica deve cumprir o contrato, como é seu dever, exigir idêntico comportamento de Jorge Jesus e no final cada qual seguirá o seu caminho

Atrapalhada promovida  pelo Flamengo e por Jorge Jesus foi enriquecida  com a entrada em cena de Paulo Sousa, uma das alternativas  avançadas pelos dirigentes do clube brasileiro para o caso  de falhar, como parece que irá acontecer, a contratação imediata do treinador do Benfica, comprometido com os encarnados por mais meia dúzia de meses.
 

Paulo Sousa é quem sabe da sua vida, mas, a fazer fé no rumo das notícias, corre o risco de tropeçar num erro que marcará negativamente a sua imagem e a sua carreira,  por deixar órfã a seleção da Polónia antes do play-off decisivo no apuramento para o Mundial de 2022, trocando-a  por proposta aliciante do ponto de vista financeiro, certamente, mas  que tem tudo para falhar. Por outro lado, penso ser uma precipitação mal calculada,  na medida em que sujeita-se a um papel a prazo, até ao instante em que Jesus terminar a sua  ligação ao Benfica. A partir dessa altura será uma questão de tempo. Jesus é muito hábil a gerar instabilidades, e todos sabemos o que se passou com Rui Vitória, e depois com Bruno Lage, um esquema que não ficou bem a quem o engendrou. Os diretores cariocas não  lhe colocaram a situação com tal frieza, pelo contrário, devem ter-lhe prometido este mundo e o outro, mas para os adeptos flamenguistas a desilusão vai ser imensa e, quer queira ou não, Paulo Sousa viajará para o Brasil com  bilhete de ida e volta. 

O treinador do Benfica não deve estar  interessado, neste momento, em deixar Lisboa e mudar-se para o Rio de Janeiro. É o que me parece, mas acredito  que alimente o desejo de voltar ao Brasil, para o Flamengo, se tiver de ser, mas o que incessantemente lhe segreda  a megalomania que alimenta o seu mundo imaginário denunciou-o Jonas, com declaração explosiva, em entrevista publicada em  A BOLA, na sua edição de 11 de dezembro, com assinatura do jornalista João Almeida Moreira: «Fla? Quero é ver Jesus na seleção brasileira.» 

De certeza que Jorge Jesus não acredita integrar o projeto que  Rui Costa prepara para o futuro do futebol profissional do Benfica. Faz sentido assim pensar, por diversos motivos, o principal das quais relacionado com o facto de ter pouco para oferecer em matéria de ideias.  Se nenhuma conquista europeia até agora alcançou, não será daqui em diante que irá esperar-se que  o consiga. Chegou a duas finais de Liga Europa, recordarão os seus mais fervorosos defensores,  mas perdeu ambas. No mesmo período, o SC Braga chegou a uma, em Dublin, que também perdeu, e o FC Porto a outra, por acaso a mesma, que ganhou. O Benfica continua a viver uma fase transitória, provocada  pelo contrato que Luís Filipe Vieira assinou com  Jorge Jesus e que obriga o atual presidente, legitimado por expressiva maioria dos associados, a honrar o compromisso assumido pelo seu antecessor na defesa do bom nome da instituição, o que não deve inibi-lo, porém,  de impor novo rumo ao clube e com gente nova por ele escolhida, tal como começou  a fazer.    

Rui Costa teve o sentido de liderança que se impunha para não permitir que a solução do problema se resumisse a dois resultados com o FC Porto, tão pouco  tropeçou na armadilha que lhe  sugeria  aligeirar o assunto em caso de vitória da águia ou o empurrava para o divórcio litigioso em caso de derrota, logo se apressando mensageiros próximos do treinador a dar conta do valor da  indemnização a pagar pelo Benfica: à volta de seis milhões, para o chefe e quatro acólitos. A questão é mais complexa e, na verdade, não se limita aos resultados de dois jogos. Tem a ver, obrigatoriamente,  com a necessidade de uma  mudança de ciclo, ou seja, o  rompimento com o passado recente e a recuperação da grandeza desportiva que projetou a águia no mundo. Naturalmente, Jesus não entra nesta história e, do meu ponto de vista, ficar-lhe-ia bem  agradecer ao emblema que lhe deu riqueza e notoriedade pela mão de Luís Filipe Vieira. Se, pelo contrário, entender que nada tem para agradecer, muito bem, ficará com total liberdade para  vender a sua sabedoria a quem a quiser comprar. 

Domingos Soares Oliveira já disse o suficiente, mas aceito que a massa adepta queira ouvir o mesmo pela voz do presidente. Recordo-me, no entanto, que, no tempo de Pal Csernai, mil vezes foi perguntado ao presidente Fernando Martins quando despediria treinador húngaro de muito mau feitio e mil vezes ele respondeu que não era tradição do Benfica despedir treinadores. Salvou-se a Taça de Portugal de 1985, vitória sobre o FC Porto, por 3-1, mas  consta que Csernai só escolheu a equipa, o resto foi decidido pelos jogadores.

Há quem pretenda colocar Rui Costa num colete de forças, mas  muito facilmente vincará o seu poder  quando  tiver a conversa com Jorge Jesus que deve ter, se é que não teve já: comunicar-lhe que o Benfica vai cumprir o contrato, como é seu dever, exigir idêntico comportamento do treinador e no final cada qual seguirá o seu caminho. É isto o que o universo da águia precisa de saber para voltar a acreditar e também para acabar com o chorrilho de insinuações . Chegou-se a um ponto sem retorno. Como escreveu Vítor Serpa, no seu editorial de ontem A BOLA, «há demasiado para esquecer».