‘By the book’
O futebol está, como sabemos, em permanente evolução. Hoje a ciência tem lugar cativo na forma como tudo é preparado. Há novas metodologias de treino e, claro, a tecnologia chegou em força para apoiar clubes e árbitros.
A recente introdução da videoarbitragem é o aliado mais recente. Há um antes e um depois do VAR.
Nesta fase, o videoárbitro tem evidenciado enormes benefícios e, naturalmente, alguns constrangimentos.
Os benefícios resultam da utilidade da ferramenta, da sua mais-valia irrefutável: é imprescindível para diminuir erros grosseiros. Os constrangimentos resultam da forma como, algumas vezes, é conduzida: aqui e ali com incoerência, falta de sensibilidade e até incompetência.
Num mundo diferente e face à dimensão de tamanha mudança, as dores de crescimento seriam expectáveis e até compreensíveis; no mundo da bola, a visão parcial e as expetativas em alta toldam a razão. Junta-se a fome à vontade de comer e, claro, onde devia imperar o otimismo da inovação, impera o ceticismo (pessimismo?) da alteração.
Sem prejuízo disso, a verdade é que lá fora as coisas não andam melhores. É importante que se tenha consciência disso.
Disse Carlos Queiroz que, antes do jogo, o conceituado Nestor Pitana informou os técnicos de Chile e Colômbia que, em qualquer situação de fora de jogo, os seus assistentes só assinalariam a infração após concluída a jogada. Tomando como verdadeiras essas palavras, a opção do argentino foi lesa-futebol. Contraria a essência da função e tudo o que dizem as regras nessa matéria.
Para que não restem dúvidas, o compasso de espera deve aplicar-se em lances de análise difícil e que vão na direção da baliza adversária. Aí sim, faz sentido decidir depois, para permitir primeiro eventual video-intervenção.
A não punição deliberada em situações óbvias é sinónimo de ilegalidade. Além disso, a continuidade da jogada pode criar ansiedade e maior desgaste físico aos jogadores, perturbar técnicos e adeptos, potenciar conflitos e até originar lesões. Pode também levar a algumas sanções disciplinares que não serão anuladas, mesmo que a infração seja depois sinalizada.
Decisão insensata foi também o que se viu em algumas partidas do Mundial Feminino. Em dois lances passíveis de castigo máximo, o VAR alertou a colega para infração das guarda-redes. Todas as repetições mostraram que o eventual (mas não certo) adiantamento das duas terá sido tudo menos óbvio/evidente. Uma decisão by the book (?), um atentado para quem estava cá fora.
O escrutínio ficou ali absurdamente milimetricamente e numa altura em que as regras passaram a permitir que um dos pés dos guarda-redes até possa estar adiantado. Até aqui a lei obrigava a que ambos os pés estivessem sobre a linha e não há memória de intervenções com este nível de preciosismo.
Os árbitros, experientes em matéria de jogo jogado, não podem ser gestores de bom senso em campo e usar o livro debaixo do braço, em sala. Estes exemplos devem servir de lição aos nossos juízos. Lição sobre o que nunca se deve fazer.