Benfica, Seixal e mercado
TIPICAMENTE portuguesa a tentação de tudo mudar quando algo não vai bem. É, aliás, mais do que um hábito, uma tradição cultural de um povo generoso, apaixonado, resistente, mas, ao mesmo tempo, mais intuitivo que racional e, também por isso, desorganizado e indisciplinado.
Para muitos portugueses pensar é uma perda de tempo. O próprio povo, de quem se diz ter suprema sabedoria, costuma dizer «o que vier soará», explicando assim a sua fé na capacidade de resposta ao acaso, que não raras vezes transforma em destino.
O improviso e, sobretudo, a notória preferência pela solução do improviso são um pecado lusitano. E assim é também com o futebol em Portugal, onde, a par de grandes resultados internacionais, de fantásticos jogadores, de magníficos treinadores e até de criativos dirigentes, se instalou uma brutal incapacidade para pensar o futuro, para gerir o negócio com uma visão de conjunto, para planear uma estratégia de evolução.
Ultimamente, a propósito dos péssimos resultados do futebol profissional do Benfica na Champions, o que, aliás, se tornou um caso de estudo, se volta a falar numa possível guinada de direção no rumo que tinha sido traçado. Antes o Seixal era a mãe e o pai de todas as soluções para o mundo; agora parece haver quem duvide e aponte, como alternativa ao Seixal, o caminho da prioridade às escolhas do mercado.
Não acredito que essa seja a opinião de Luís Filipe Vieira, acho mesmo que o presidente do Benfica é um indefetível defensor da formação como base estruturante para o futuro do clube e do seu futebol, mas a verdade é que começa a ser a opinião de muita gente que a aposta no Seixal é excessiva e que, «apenas com miúdos», o Benfica nunca recuperará o seu antigo estatuto internacional.
É estranho que haja quem pense no futuro sem olhar para o passado e avalie o presente. No caso do Benfica, é estranho que se pense que mais e melhor mercado signifique uma alternativa à aposta na formação. Não é esse o caminho. Em primeiro lugar porque o exemplo do Sporting, que tinha a melhor formação de Portugal, e uma das melhores do mundo, e a perdeu pela alucinação de um presidente, deixou à vista de todos custos dramáticos; depois, porque os excelentes resultados do intenso e competente trabalho nas escolas do Seixal trouxeram, ao Benfica, a consistência empresarial que nunca tinha tido; por fim, porque a questão do mercado não se pode nem deve colocar em alternativa, mas como complemento à qualidade da formação. Assim sendo, há que dizer que o maior problema do futebol profissional do Benfica não é mais mercado mas melhor mercado. E isto quer dizer que nas escolhas do mercado e no investimento na aquisição de jogadores o Benfica perdeu a mão que chegou a ter e se tornou regularmente incompetente, errante, desqualificado, inconsistente.
Não é normal que o Benfica erre tanto nas escolhas. Não é aceitável, num clube que pode exibir a sua gestão, que pode dar o exemplo das suas práticas de organização e estratégia empresarial, ser tão incapaz de uma aceitável relação entre o preço de aquisição e a qualidade dos jogadores que contrata.
Ultimamente o Benfica tem escolhido mal porque lhe tem faltado, e muito, uma visão correta da qualidade técnica de novos jogadores e tem perdido uma essencial noção de equilíbrio do plantel.
Nesse particular será importante saber quem verdadeiramente escolhe quem. E, sobretudo, porque escolhe. Com que critérios técnicos? Com que envolvimento do treinador? Com que filosofia? Com que perfil profissional? Com que méritos demonstrados?