Arouca festejou ao cair do pano após garantir empate a dois frente ao Benfica, na Luz
Arouca festejou ao cair do pano após garantir empate a dois frente ao Benfica, na Luz (Foto: Miguel Nunes)

Benfica: quem diria

OPINIÃO16.04.202509:00

'Visão de golo' é o espaço de opinião semanal de Rui Águas, treinador e antigo avançado internacional português

Ninguém diria. De uma goleada histórica num clássico fora de portas, a uma desilusão caseira, poucos dias passados. A tendência no rescaldo destes fenómenos é culpar a eventual euforia que resulta de uma vitória desejada e marcante, para um soluço seguinte, frente a um adversário mais modesto e cujas principais guerras são mesmo outras. Mas não me pareceu o caso. A entrada do Benfica foi forte, como se impunha, empurrada pelo ambiente positivo que chegava das bancadas. Muitos remates, mas novamente pouco acerto, que foi retardando o golo e segurou a boa estrutura visitante. Os minutos corriam e a ansiedade era visível e crescente. A impaciência da equipa percebia-se.

Do outro lado, um adversário exemplarmente preparado, motivado e com poucas quebras durante o jogo. A equipa confirmou aquilo que Vasco Seabra tinha adiantado na antevisão: mostrar personalidade com bola e tentar complicar. Nem mais. Um Benfica já mais precipitado e em visível esforço, acabou por finalmente abrir a contagem, já no decurso da segunda parte. Kokçu correspondia com brilho finalizador ao trabalho artístico de Carreras e ao serviço elegante de Aursnes. O mais difícil parecia feito. Mas não.

Na sequência de um infeliz episódio, o empate chegaria para confundir o cenário. Mesmo com a revisão do lance, o árbitro decidiu manter o que o seu olho clínico julgava ter visto. Voltar atrás afetaria o ego do senhor? Uma decisão bizarra que contraria a imagem do lance: uma cabeça atingida, que afinal provoca um derrube (!). Alguém entende a lógica? Nessa altura, com pouco tempo pela frente, a urgência e o estado de alerta ganhavam nova dimensão. Mesmo com o segundo golo de Pavlidis, com a influência posicional de Belotti, o controlo da equipa nunca se restabeleceu. A respiração não deixou de ser ofegante até ao empate final, bem construído pelos visitantes em ataque rápido.

Vitória no Dragão e empate inesperado em plena Luz, já lá vão. O intervalo é razoável até ao próximo desafio. Tempo para recuperar, animar as tropas e preparar o novo embate. Contra: mesmo falhando o árbitro, fica o curto proveito dos muitos remates efetuados e o desperdício de duas vantagens contra o Arouca e em casa. A favor: estádio cheio, Araújo a tempo inteiro e Pavlidis outra vez.

Herdeiros

Custou mas foi — a sucessão convincente de Grimaldo. Carreras é agora o lateral residente, depois de algum tempo de emancipação e conquista dos adeptos mais desconfiados. No passado mês de março, o lateral do Benfica foi justamente eleito o melhor defesa da nossa Liga. Longe vão os tempos em que defesas eram defesas e em que, por exemplo, os guarda-redes brilhavam só pela segurança das suas mãos. Hoje, novos ventos sopram diferenças e tendências. Voltando aos laterais, os mais valorizados são agora aqueles que se distinguem pelo seu talento ofensivo. Capacidade defensiva, logo se vê.

Por isso, no atual futebol dito moderno, continuam a ver-se repetidamente erros defensivos que arrepiam e contrariam os mais básicos princípios de quem defende. Por intuição, pela intervenção do treinador ou pelas duas razões, Carreras consegue ser uma positiva exceção. A maneira como fecha dentro, ajudando o central esquerdo, a contenção que normalmente respeita e os apoios que o ajudam a reagir, fazem dele melhor defesa do que foi Grimaldo. Mais alto, mais jovem e mais rápido que o seu antecessor e com capacidade extra para central, que já provou. Grimaldo, por seu lado, tem clara vantagem na decisiva capacidade de assistir e rematar. Os números que acumula, época após época, fazem dele um dos laterais ofensivos mais influentes da atualidade.

COMO ENTRAR

Do último clássico muito se disse e debateu, como é tradicional. Para além das sempre variadas opiniões, ficam também alguns dados estatísticos, uns mais estranhos ou mais interessantes que outros. Neste patamar numérico de rescaldo, figura o jogador que mais faltas cometeu no importante duelo: Gonçalo Borges, o veloz ala do FC Porto, foi surpreendentemente (?) o interveniente mais faltoso do jogo. Faz sentido que alguém que só jogou 26 minutos e ainda por cima avançado, seja o tal? Estranho ou nem por isso? Há coisas em futebol que não têm tanta lógica. Outras que, como esta, parecem não ter, mas que, pensando bem, têm alguma...

Estar no banco de suplentes provoca normalmente diferentes reações, dependendo da natureza mais tolerante ou impaciente do jogador. Um verdadeiro mundo de vários estados de espírito possíveis: revoltado, amuado e stressado ou animado, conformado e empenhado. Concluindo: a tensão acumulada no banco e o querer fazer muito em pouco tempo resulta, em muitos casos, na precipitação que leva às tais faltas e cartões.