Assédio sexual: a tática proibida

OPINIÃO09.11.202205:30

Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol decidiu bem porque o poder de um treinador de futebol é grande face às jogadoras que lidera

NA vida, como no desporto, há linhas que não podem ser ultrapassadas. Sem subterfúgios, sem VAR, sem desculpas. No caso de assédio do treinador Miguel Afonso a jogadoras da equipa de futebol feminino do Famalicão foram cometidas diversas infrações, segundo o Conselho de Disciplina da FPF.

Primeiramente é preciso perceber em termos jurídicos o que é assédio sexual e quais as suas consequências em termos do Direito: «Trata-se uma conduta indesejada verbal, não-verbal ou física, de carácter sexual, tendo como objetivo violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando esta conduta cria um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante.» Esta é a definição da Convenção para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres.

Neste caso específico, trata-se de punir não só um crime, porque também o é - art.º 170 do Código Penal - mas um comportamento que pode acontecer noutras situações.
A Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF puniu Miguel Afonso com 35 meses - quase três anos - de suspensão e com o pagamento de 5.100 euros. Samuel Matos, diretor desportivo do clube, foi também castigado com 18 meses de suspensão e 3.060 euros de multa.

O órgão federativo sancionou o treinador pela prática de cinco infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 125.º, n.º 1 do RDFPF, qualificadas como muito graves, e Samuel Matos pela prática de três infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 125.º, n.º 1 do RDFPF, qualificadas como muito graves, em cúmulo material.

Sim, decidiu bem o Conselho de Disciplina da FPF porque o poder de um treinador de futebol é grande face às jogadoras que lidera. E liderar implica deveres especiais de cuidado e respeito. O treinador fez o contrário.
Repare-se neste exemplo: enviou mensagens a uma jogadora por si treinada, pedindo-lhe fotografias do seu corpo, sob a promessa de que ficará sob segredo», procurando perceber qual a sua orientação sexual - um assunto que no desporto, e em particular no futebol, é ainda tabu. E enviou-lhe mensagens com o seguinte teor - além de lhe telefonar várias vezes por dia para que a jogadora lhe fizesse companhia até casa, não obstante a resistência evidenciada: «Consoante as fotos forem chegando agagaga»; «Ahhaha podes enviar as fotos q quiseres»; «Ahah anseio por essa foto kkkk»; «Ahahaha pensa cc carinho então na forma cm me vais mostrar o antes e depois ahahah»; «Ajudo te em tudo, mas… Sempre em segredo».

Os pedidos de fotos, o segredo, todo o contexto, deixam claro que a intenção era exercer ilegitimamente o seu poder enquanto treinador, para conseguir concessões sexuais ou para humilhar violando a dignidade da jogadora.

Muitos questionam se estas mensagens são também crime, mas isso será resolvido nos tribunais. O Conselho de Disciplina teve mão pesada, e fez bem, porque o desporto é para as pessoas se divertirem, competirem e conviverem, criando laços saudáveis. Não deve, nunca, ser palco de comportamentos menos próprios. Hoje não há direito ao golo, há o direito à coragem, a mesma que as jogadoras do Famalicão tiveram ao denunciar o caso.