As lendas não enganam

OPINIÃO07.07.202107:00

Num clube com tradição procurava-se manter a mística que diferencia o clube. Felizmente há bons exemplos

A PÓS 16 anos, Sergio Ramos e o Real Madrid separam-se. O clube anunciou a despedida, «com a honrosa presença do Presidente Florentino Pérez». O capitão iniciou o seu percurso no Sevilha e, em 2005, já estava ao serviço do Real, com vários títulos, incluindo quatro Champions e cinco Campeonatos de Espanha. O jogador tem o recorde de internacionalizações da seleção espanhola (180 jogos), um Campeonato Mundial e dois Campeonatos da Europa. Na última época teve alguns problemas físicos mas poderá continuar a jogar num clube de grande dimensão internacional. Jogador de raça, de grande intensidade competitiva, com forte liderança.
Também Iker Casillas, ao fim de 25 anos a vestir a camisola do Real, emocionado, despediu-se sozinho na sala de imprensa do clube. Antes tinha acontecido algo semelhante com Raúl González, com Cristiano Ronaldo e Zidane. No passado, também o fizeram a Alfredo Di Stéfano. Com Zinédine Zidane, num regresso como treinador, que venceu as últimas Champions do clube (3), voltou a falta de memória. Lendas desta dimensão são raras!
Num clube com tradição procurava-se manter a mística que diferencia o clube. Felizmente há bons exemplos.
 

Sergio Ramos despediu-se esta época do Real Madrid, clube ao serviço do qual ganhou tudo o que havia para ganhar


VOZES DA RAZÃO 

NUMA conferência, a chanceler alemã Angela Merkel, após ter tomado conhecimento de que a UEFA decidiu aumentar a capacidade de lotação do estádio de Wembley para a final da competição, defendeu opinião contrária, por causa da pandemia: «Espero que a UEFA lide responsavelmente e não creio que seja bom haver estádios cheios.»
As diferentes estratégias de abordagem da pandemia foi tema que mereceu críticas  da chanceler alemã a Portugal por ter permitido a final da Champions, na cidade do Porto, com abertura de portas a milhares de britânicos que poderão ter estado na origem do crescimento da variante Delta. O primeiro-ministro de Itália, Mário Draghi, manifestou oposição à realização da final em Wembley, em função do agravamento das condições sanitárias em Inglaterra e dos riscos dessa variante. Sem plano B, a situação pode não ser a mais adequada.
 

ESPAÇO EURO-2020

Quartos de final

A2 de julho, em São Petersburgo, nos 90’, a Suíça sofreu um golo da Espanha na primeira parte e, no recomeço, conseguiu o empate. Perto dos 80’, a Suíça ficou reduzida a 10 jogadores, por expulsão de um atleta, mas intensificou processos que obrigaram a Espanha a perder muitas bolas no meio-campo. Seguiu-se o prolongamento, com Espanha em força, com o guarda-redes suíço brilhante a defender. Na segunda parte, depois da excelente réplica dos suíços, o resultado não se alterou, passando-se ao desempate por grandes penalidades: Espanha, mais eficaz, concretizou três penáltis e a Suíça apenas um.
Em Munique, Bélgica e Itália disputaram um dos jogos mais intensos, com ritmo constante e de grande qualidade. Duas equipas muito organizadas, Itália mais objetiva e Bélgica privilegiando circulação, ambas procurando o controlo do corredor central. Perto dos 30’, a Itália, numa jogada muito rápida, marcou e procurou bloquear a organização do adversário. Passados 10’ , um golo fantástico aumenta a diferença: 2-0. No último lance do tempo extra da primeira parte a Bélgica reduz para 2-1. Na segunda parte a Itália voltou a entrar muito forte e rápida. A Bélgica reagiu e começou a criar mais lances de perigo, embora o posicionamento dos italianos tenha dificultado essa tarefa. Jogo muito veloz com constantes lances de perigo. Nesta fase e pelo esforço desenvolvido durante a prova, sucederam-se lesões musculares em ambas as equipas: era inevitável!
Em 3 de julho, em Baku, a Dinamarca venceu a República Checa por 2-1. Regressa a memória do inesperado triunfo alcançado, há cerca de três décadas. A Dinamarca marcou cedo e reforçou a vitória antes do intervalo: 2-0. A República Checa, iniciou a segunda parte com determinação, conseguiu reduzir, com golo de Shick, mas não conseguiu o prolongamento. Jogo muito disputado e Shick a obter os mesmos golos de Cristiano Ronaldo. Será que a Dinamarca vai volta a surpreender a Europa?
Em Roma, a Ucrânia foi derrotada por uma Inglaterra muito forte. Kane, um dos jogadores mais influentes, marcou cedo na primeira parte, com a Ucrânia a revelar cansaço e, por isso, mais recuada. A segunda parte foi dominada pela Inglaterra, que marcou no reinício com golo de Maguire. Passados 3’, Kane bisa e, 13’ depois Henderson fecha o resultado: vitória inglesa por 4-0 que permite, passados 25 anos, o regresso às meias-finais do Europeu.  

Meias-finais 

No dia 6 de julho, em Wembley, a Itália e a Espanha disputaram uma primeira parte com muita intensidade. A Espanha procurando manter a posse da bola no meio-campo italiano e a Itália pressionando alto e tentando sair em velocidade. Na segunda parte manteve-se a intensidade e Chiesa, numa jogada muito rápida, com início no seu guarda-redes, aos 60’, fez o 1-0. A Espanha reagiu e passados 20 minutos Morata isolou-se e faz o empate 1-1. Arbitragem sem quebrar ritmo de jogo. No prolongamento não houve golos mas as consequências do esforço deixaram marcas de cansaço. Nas grandes penalidades Itália venceu por 4-2. Jogo com grande dignidade. Itália, a primeira finalista.
 

MOMENTO DE REFLEXÃO

OEuro-2020 foi uma experiência que merece análises atentas. Quer pela dispersão territorial que ocasionou alguns favorecimentos a quem jogava em casa e menos conforto para quem jogou sempre fora. As deslocações ocasionaram necessidade de adaptação, inclusivamente às diferenças climáticas. Por outro lado, as equipas com menos argumentos, nalguns casos, jogaram para o prolongamento e mesmo para os penáltis. Mas o fator mais preocupante foi o tempo reduzido de recuperação que causou prejuízos a quem teve de jogar com poucas horas de intervalo. Por isso as lesões foram evidentes. O exagero de esforço em tão pouco tempo, após a conclusão dos campeonatos, criou situações de risco para a integridade física dos atletas. E os campeonatos nacionais aproximam-se a grande velocidade. O futebol, em alguns jogos, foi excelente e os resultados surpreendentes. Contudo, mais uma vez se demonstra que, sem tempo de recuperação adequada, com a carga das viagens, exige-se demasiado aos jogadores. E agora, no fim deste Europeu, como se vão iniciar os respetivos campeonatos? Sem artistas em boas condições não há espetáculo brilhante. A queda das equipas ao longo da competição merece um estudo a publicar sobre este Europeu. Surpresas são fatores para pensar. Quanto mais avançavam os jogos, as simulações, que no início não surgiam, regressaram com o tempo, assim como lesões musculares, por exagero de esforço. O início foi arrepiante com a síncope do atleta da Dinamarca, mas houve momentos de excelência e jogadas inesquecíveis, que o alongar no tempo empobreceu a diversidade organizacional e as dinâmicas criativas, porque faltou o tempo indispensável de recuperação eficaz. Uma competição com momentos únicos e inesquecíveis deveria ter espaço para ouvir os representantes dos jogadores: os respetivos capitães. Assim se impedia o processo em que só os dirigentes decidem em função de valores e não dos talentos que fazem da bola um universo único.
 

REMATE FINAL

Para Sérgio Conceição, jogar bem «tem a ver com a exigência do clube em ganhar títulos (…) Jogar bonito pode ser chegar à baliza adversária com dois passes e ser muito eficaz em termos defensivos, não permitindo que o adversário chegue muitas vezes à minha baliza. Essa pressão, essa vontade de condicionar o adversário (…) é jogar bonito. O que acho que nos dá melhores resultados, para mim é que é jogar bonito (…) é ganhar, ponto final». E Sérgio continua: «A nossa motivação tem que ser permanente e os jogadores (…) têm de atacar o treino e o jogo no limite, porque não sabemos que treino ou jogo poderá ser decisivo para a conquista de títulos. Alguns conseguem interiorizar isso mais facilmente e outros nem tanto, mas estar no FC Porto é exatamente isso, é estar sempre a desafiar os limites, correndo como se não houvesse amanhã.» O futebol supera o tempo e a divergência é sinal de liberdade de expressão, pelo que jogar bem, jogar bonito, jogar simples com eficácia, onde a equipa funciona como um todo coerente, para vencer servindo o clube e os adeptos, é o destino ambicionado.