As bruxas e os diabos de Alvalade

As bruxas e os diabos de Alvalade

OPINIÃO15.04.202306:30

O que mais faltou ao Sporting, mais do que sorte, foi a segurança técnica do seu guarda-redes e um ‘matador’ competente na frente

QUANDO alguma coisa não parece ter uma explicação racional, o Homem recorre ao sobrenatural. É, no fundo, uma forma de esconder a limitação humana, uma maneira de relativizar a importância do conhecimento. O futebol, tão habituado a que alguns façam dele uma ciência positiva, cheia de diagonais e desenhos geométricos, medido em quilómetros percorridos, em números de passes certos, em remates enquadrados, cantos a favor e contra não concebe que os números não deem contas certas, o clímax da ação de qualquer ministro das finanças deste Portugal sempre fascinado com as metas de Bruxelas. Daí que o futebol e muitos treinadores, jogadores e, em especial, dirigentes, dos mais reconhecidos aos mais incógnitos recorram, com a mesma assiduidade e convicção, tanto a bruxos como à Senhora de Fátima. Os bispos e os sacerdotes acharão que se trata de uma heresia, mas a sua moral anda pelas ruas da amargura e sabem que,  no atual contexto, é melhor deixar tudo nas mãos de Deus.

Há, evidentemente, formas mais ligeiras e socialmente admissíveis de alternativa. Chama-se superstição e é uma prática vulgar de qualquer desportista, e que pode ser mais ou menos exuberante, pode passar pela manifestação pública de uma súplica aos céus ou à mais disfarçada convicção de que esta camisa dá sorte, estas meias fazem dias felizes, esta tatuagem defende-nos do mau olhado, esta crista de galo no alto da cabeça dá pinta e dá sorte ao jogo.

Mas, às vezes, apesar de todos os esforços do Homem para ser ajudado pelas forças invisíveis que nos oferecem a dádiva de uma aura positiva, as coisas correm mal e chega-se ao extremo da maldição quando se dá conta da presença do Diabo atrás da porta.
 

Sporting jogou bem mas ganhou a Juve

Muitos sportinguistas, por exemplo, terão visto o Diabo atrás da porta do balneário da equipa, em Turim e, depois, a desviar o punho do Antonio Adán no preciso momento em que ia socar a bola e a tapar os olhos de Pedro Gonçalves quando, aos noventa minutos, falhou um golo certo, que daria um mais reconfortante empate e mais peso na esperança da eliminatória.

É fácil decidir, assim, todas as inquietações e dúvidas do ser humano. E é uma maneira segura de não nos responsabilizarmos. Por isso, de uma maneira geral, os media portugueses tomaram as dores da equipa e explicaram tudo bem explicado com uma só palavra: AZAR! Alguns terão achado que uma palavra era manifestamente pouca para justificar tanto futebol e tão pouco resultado e arriscaram dizer: FALTA DE SORTE!

Noutros tempos, muitos diriam que o Sporting saiu de cabeça erguida, apesar da derrota de Turim.  Era no tempo das vitórias morais que, felizmente, estão em vias de extinção o que, só por si, representa uma evolução cultural do futebol português.

De facto, o que aconteceu foi simplesmente a consequência do erro. Apesar de ter havido uma enorme diferença no futebol jogado, na qualidade da exibição, no lado da espetacularidade do jogo, o Sporting perdeu pela razão objetiva de que foi a equipa que mais errou e o erro não é, tenho pena de o dizer, uma questão de bruxos e de Diabos à solta.

Admito, isso sim, que todo o jogo, seja de futebol ou de bisca lambida, tenha uma componente de sorte, ou se quiserem, de azar. Há situações fortuitas, casuais, inesperadas em qualquer jogo que tanto podem trazer benefício, como prejuízo. E benefício não teve, seguramente, o Sporting em qualquer circunstância. Porém, o que mais lhe faltou, mais do que a sorte, foi a segurança técnica do guarda-redes e um matador credível e competente na frente. 
 

 


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