Anti-rival e antijogador
Estas cláusulas anti-rival, ainda que inconstitucionais e ilegais, mesmo no plano desportivo, continuam a existir
TIAGO SANTOS, 20 anos, jogador do Estoril, fez uma tremenda temporada e despertou o interesse do Benfica. Presume-se que o jogador não se importará de voltar a jogar num dos três grandes clubes portugueses, mas como fez formação no Sporting vai ser difícil: os leões têm direito de preferência e, aquando da transferência para os canarinhos, incluíram uma cláusula anti-rival que o impede de se transferir para o Benfica ou para o FC Porto sem o pagamento de determinado valor. Situação usual, mas será legítimo?
Martim Neto tem 20 anos, esteve um ano para renovar com o Benfica - A BOLA noticia que jogador e clube estão prestes a chegar a acordo - e durante esse tempo diversos jornais informaram que o Sporting era um dos interessados. Porém, também este jovem tem uma cláusula anti-rival inscrita no seu contrato e para se mudar para Alvalade o clube teria de pagar 510 mil euros, segundo foi divulgado. De novo, legítimo?
Tiago Santos fez uma tremenda temporada no Estoril e despertou o interesse do Benfica
Imagine o leitor que o seu contrato de trabalho terminou e quer mudar para outra empresa do mesmo setor. Não pode, mesmo não tendo cláusula de rescisão, porque a sua empresa o proibiu de mudar para a concorrência, estava no seu contrato. Ilegal, abusivo e impossível, certo? Até pela limitação à sua liberdade de trabalhar onde quiser. No direito do trabalho português ninguém teria dúvidas da invalidade desta cláusula, que apenas seria válida por um período limitado - máximo de três anos - e caso o leitor continuasse a ser adequadamente remunerado.
Porém, as cláusulas anti-rival estão na moda! Como e porquê é o que vamos ver. Para começar, a Lei do Contrato de Trabalho Desportivo prevê, no seu artigo 19, precisamente que «são nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do seu vínculo contratual». O mesmo diz o Acordo Coletivo de Trabalho entre a Liga Portugal e o Sindicato dos Jogadores.
Estas cláusulas, ainda que inconstitucionais e ilegais, mesmo no plano desportivo, continuam a existir, como vemos pelos casos descritos. E ninguém se esqueceu ainda do caso João Mário, pois não? Esta matéria em nada está relacionada com a cláusula de rescisão, cuja falta de proporcionalidade entre o salário e o valor da mesma, dará também para uma bela conversa! Isto porque a cláusula de rescisão é válida enquanto o contrato de trabalho desportivo vigora. Quando acaba, o jogador fica livre. Pode ir para onde quiser sem pagar a ninguém.
Este problema existe porque os jogadores atingidos são normalmente muito jovens e mal apoiados. E também porque os clubes têm muito poder e sabem que dificilmente serão punidos por colocarem no contrato uma cláusula ilegal. A ideia é de que o jogador assinou e terá de cumprir. É o argumento dos poderosos. Por cada Ronaldo ou Messi que podem impor as condições que desejam, há milhares de trabalhadores desportivos que sofrem com estas regras.
Por isso, para todos os jogadores, pela sua liberdade de escolha, pelo seu trabalho, para todos os que escrupulosamente cumprem contratos e, por isso, têm o direito de escolher o que querem fazer do seu futuro, o Direito ao Golo é vosso.