Anatomia de um fontanário
Há cerca de duas semanas, o mundo parou para assistir à rota de um avião, e muitos deram por si a recear o pior
A GORA parece um cenário distante. O Benfica voltou a entrar em campo e os sinais são animadores. Não só temos o futebol de volta como os primeiros sinais parecem indicar o regresso do melhor jogo jogado que se viu na época passada. Mas nem sempre foi assim. Há cerca de 2 semanas, o mundo parou para assistir à rota de um avião, e muitos deram por si a recear o pior. Por mundo entenda-se os largos milhares de adeptos do Benfica, que, segundo medições várias, terão batido um recorde mundial de pessoas simultaneamente especadas em frente a um ecrã a olhar para um aviãozinho no ecrã à medida que este se aproxima de Portugal Continental.
Não vou mentir. Há sempre um certo orgulho, mesmo que não confessado, em ver que até nas coisas mais parvas temos uma representatividade acima dos demais. Ser um clube muito grande tem destas coisas. Enchemos estádios como juntamos multidões em websites. Mas, porque é que os benfiquistas recearam o pior? Pois bem, os adeptos que se juntaram para assistir à aterragem esperaram, esperaram, esperaram, e não havia forma de verem o regresso do filho pródigo, Ángel Di María. Muitos ficaram surpreendidos quando descobriram que Ángel Di María continuava em Ibiza a comer marisco, como se quer. É aqui que começa a história. Horas antes, uma pessoa tida por alguns milhares de benfiquistas como muito bem informada, decidiu anunciar ao mundo que o argentino vinha no tal aviãozinho. A internet, que inventa nomes para tudo, chama a estas pessoas fontanários. E o que é um fontanário? Imaginem um viciado em dopamina com uma ligação à internet. Eu sei que acabei de descrever boa parte da população mundial, mas o fontanário não é só mais um toxicodependente.
O fontanário nunca admitirá que a sua condição é uma doença. Jamais confessará que é absolutamente viciado na atenção que lhe é dedicada pelos benfiquistas sedentos de novos reforços, cuja credulidade aumenta a cada novo rumor. Jamais admitirá isso, porque o fontanário explica sempre a sua atividade como uma espécie de serviço público. Ele nem queria, mas o destino quis que o fontanário tropeçasse diariamente em informação privilegiada e este, mais por altruísmo ou por benfiquismo do que por toxicodependência. Assim, o fontanário aceitou que a sua missão seria, dali em diante, a de partilhar estas informações.
Não há só um fontanário. Desde que o primeiro fontanário fugiu de um laboratório em Wuhan, muitos mais surgiram. Tornou-se uma espécie de elevador social do utilizador de Twitter. Cada um destes espécimes sabe coisas. Sabe muitas coisas. Chega a saber uma coisa e o seu contrário no espaço de 24 horas. Todos garantirão a fiabilidade da sua informação. Todos estão nisto para servir o Benfica. São simultaneamente consumidores e traficantes.
Eu vi nascer um destes fontanários há mais de 1 ano. Se não aconteceu a meio de uma bebedeira, assim parece. Um grupo de amigos meus juntou a verosimilhança da maioria dos rumores na internet a um belíssimo sentido de humor, et voilá. Já vão em quase dez mil seguidores e centenas de milhares de leitores mensais. Eu sou um fiel seguidor, só mais um que aplaude o seu importante serviço em prol do Benfica. Não vou dizer quem são. Um dia eles acusam-se. Por agora devem continuar a sua missão. Pelo Benfica, dirão, mas é tudo em prol da comédia. Têm-me proporcionado, a mim e aos outros que sabem da verdadeira identidade desta conta, grandes momentos. Um dos meus favoritos aconteceu há uns dias, quando publicaram algo sobre uma suposta reunião que acontecia naquele instante com o empresário de um jogador sonante. Pouco depois, outro fontanário partilhou a publicação e confirmou essa mesma história que, minutos antes, tinha sido inventada por estes meus amigos. Tudo isto requer algum treino. Nunca há teses demasiado elaboradas. Tudo acontece num registo de frases muito curtas, cheias de drama, indecisão, vilões, e aldrabice. Um tweet tem um limite de 280 caracteres, mas cada ponto final parece somar verdade. A pessoa chega ao fim do tweet realmente convencida de que o Di Maria vem no tal avião.
Dado ritmo estonteante a que partilham falsidades, é frequente o fontanário ser apanhado. Nessa altura, há sempre um momento confessional em que o sujeito nos explica que as suas fontes eram seguras, que não precisa disto para nada, que se limita a partilhar coisas que considera serem credíveis. Estas pessoas não são jornalistas nem falam com fantasmas. Limitam-se a andar em fóruns online e em grupos WhatsApp onde vão pegando nas partes da verdade que mais lhes interessam e remixando de acordo com a agenda que parecer mais credível nesse dia. Se tudo isto falhar, repetem o processo. Se falharem muitas vezes, repetirão o processo com uma transferência já concluída, dando a entender que souberam antes, mas sempre como se alguém lhes tivesse pedido para guardar essa informação específica. Não é espiritismo, mas anda lá perto.
Vão por mim. Os fontanários parecem uma praga insuportável, mas há um truque para os tornar divertidos. É presumir que tudo o que dizem é mentira. A partir daí a sua personalidade torna-se mais colorida, multi-dimensional até, um exercício de escrita criativa que vale a pena acompanhar. Em vez dos jornalistas de investigação que nunca foram, em vez dos benfiquistas desinteressados que insistem ser, estes indivíduos tornar-se-ão apenas viciados em dopamina e o Twitter o seu Casal Ventoso. O Benfica é um meio para chegar à dose do dia. Aproveitemos a sua escrita criativa enquanto pudermos. Não nos vamos iludir mais com os rumores, mas podemos continuar a rir destes patetas. Experimentem.