Alhos e bugalhos!

OPINIÃO25.02.202206:00

Como compreendermos algumas tão inexplicáveis decisões da videoarbitragem?

Oalemão Marco Fritz, um bancário de 44 anos, era o único não esloveno da equipa de arbitragem que na noite de quarta-feira dirigiu o Benfica-Ajax da 1.ª mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões. Sob a responsabilidade de Fritz estava a videoarbitragem, e foi, portanto, Fritz que decidiu não haver razão para assinalar grande penalidade a favor do Benfica, ao minuto 67, por falta do número 4, Edson Álvarez, sobre Gonçalo Ramos. A verdade (basta ver as imagens) é que a falta existe, o pisão de Álvarez no calcanhar de Ramos é claro como água, justificava-se em absoluto a marcação do respetivo penálti, mas Fritz, num abrir e fechar de olhos (tão surpreendentemente rápido ele foi), decidiu dar ao árbitro esloveno Slavko Vincic indicação para prosseguir o jogo.
Já muito pouco rápido foi, porém, o mesmo Marco Fritz a analisar a clara simulação de Timber na grande área do Benfica, no início da jogada que viria a dar o segundo golo (do empate) ao Benfica. Foi tão claro que Otamendi não tocou em Timber, mas tão claro, que não se compreende como Marco Fritz, na videoarbitragem, esteve tanto tempo para validar ao árbitro o golo de Yaremchuk. Como podemos querer que o público consumidor do espetáculo-futebol compreenda tão inqualificáveis (e inaceitáveis) decisões da videoarbitragem em situações tão claras e óbvias?
Ao contrário do Benfica, teve o FC Porto uma videoarbitragem competente, ontem, em Roma, pela perceção (e a perceção é, por vezes, tão importante) de que o avançado Taremi sofreu no pé direito um toque suficientemente contundente para o derrubar dentro da área e motivar grande penalidade. A olho nu o árbitro não viu, mas foi levado a visionar as imagens no monitor em pleno Estádio Olímpico de Roma e assinalou o penálti que pareceu realmente justificar-se.
Mas ainda há dias, na Liga portuguesa, por exemplo, num lance muito pouco claro e nada óbvio, a mesma videoarbitragem entendeu haver razão para assinalar falta (num lance entre o avançado do MoreirenseYan Matheus e o defesa do FC Porto Fábio Cardoso) e decidiu dar indicação ao árbitro para ir ao monitor ver bem as imagens. O juiz da partida, Luís Godinho, concordou com o videoárbitro e reverteu a decisão anterior de assinalar grande penalidade por falta, essa sim, clara e óbvia, do médio portista Uribe sobre o mesmo Yan Matheus.
Se algum contacto houve entre Yan Matheus e Fábio Cardoso ele foi absolutamente fortuito. Tratou-se, a meu ver, de um contacto normal entre dois jogadores que corriam na mesma direção, e tanto poderia considerar-se toque do joelho de Yan Matheus na perna esquerda de Fábio Cardoso, como contacto da perna esquerda de Fábio Cardoso no joelho direito de Yan Matheus.
O que mais surpreende, porém, nem é a certeza de uns sobre a existência do contacto; o que verdadeiramente surpreende é poder considerar-se tão claro e tão óbvio um contacto que mal se percebe no rápido movimento dos dois jogadores e, ao mesmo tempo, querer-se fazer crer tão pouco clara e tão pouco óbvia a evidente, indesmentível e indisfarçável falta do jogador do Ajax ao pisar o calcanhar de Gonçalo Ramos, impedindo-o de continuar a discutir o lance, dentro da pequena área dos neerlandeses.
A falta de rigor, a diferença de critérios, a parcialidade dos julgamentos, a falta de verdade entre o que se vê e o que é decidido, já para não falar da incompatibilidade clara entre o atual protocolo de intervenção do VAR e a realidade do jogo, têm manchado muito a videoarbitragem, não apenas na Liga portuguesa, como em muitas das competições internacionais, e nem me venham dizer que é enorme a percentagem de decisões acertadas (também era melhor que não fosse) e que, por isso, o VAR trouxe muito mais verdade desportiva ao futebol (também era melhor que não tivesse trazido).
Não é isso, porém, que nos deve deixar satisfeitos; o que se exige é que a videoarbitragem seja capaz de não desvirtuar o que verdadeiramente se vê, para que o consumidor do futebol não se sinta profundamente defraudado. Há lances de interpretação? Claro que há. Desde sempre. Há erros admissíveis? Evidentemente! Ninguém diz que é fácil ser-se árbitro, e devemos reconhecer que os jogadores complicam (em Portugal, então, complicam, e de que maneira…) a vida aos árbitros (temos uma cultura de engano das mais apuradas da Europa) e, hoje, também podemos e devemos reconhecer, por exemplo, que os jogadores passaram a usar e abusar do jogo de braços nos duelos com os adversários - por tudo e por nada vão com as mãos à cara e os braços ao peito dos opositores…
Mas mesmo deixando espaço à interpretação de cada árbitro, como compreender a decisão de assinalar falta a um jogador que corta a bola (e toca, claramente, primeiro na bola) e encolhe de imediato as pernas quando se dá o inevitável contacto com o adversário? Volto, assim, ao Moreirense-FC Porto do último fim de semana para questionar, no caso, a decisão do empertigado Luís Godinho (que fervor, irritação e empolgamento evidenciou no momento de expulsar o jogador do Moreirense!...) de castigar com falta (e, primeiro, com cartão amarelo) a ação de Steven Vitória sobre um jogador do FC Porto, creio que Otávio.
Ora se num jogo de futebol, um jogador toca primeiro na bola e ainda por cima encolhe as pernas no momento do inevitável contacto com o adversário (não é o futebol um jogo de contacto?!) e mesmo assim o árbitro assinala falta, pergunto, num caso igual ou semelhante, como deve o jogador jogar, então, este jogo?
O que o videoárbitro alemão Marco Fritz fez na noite de quarta-feira não contribuiu para a verdade desportiva do Benfica-Ajax, porque decidiu não ver o que, pela televisão, toda a gente viu. Nem sequer disse ao árbitro para ir ao monitor ver o que os olhos do árbitro poderiam, eventualmente, ver, até, com outros olhos. Foi o senhor Fritz que decidiu negar a evidência do que viram milhões de pessoas e isso é realmente algo muito difícil de explicar e de compreender.
A arbitragem do futebol, sobretudo em Portugal, mas não só, está, aliás, em muitas situações, a tornar-se, creio, numa espécie de capataz do jogo, tão depressa capaz de punir normais contactos entre os jogadores (há momentos em que parece já nem poderem tocar-se), como de negar (especialmente a videoarbitragem) o que é absolutamente inegável.
Claramente prejudicado, pois, pela videoarbitragem na noite de quarta-feira, o Benfica volta assim a poder lamentar-se de árbitros alemães, porque sempre virá certamente à memória das águias a atuação, meio desastrosa e muito contestada, do também alemão Felix Brych, árbitro da inesquecível final da Liga Europa, em Turim, que o Benfica perdeu, nas grandes penalidades, para o Sevilha, há oito anos.
Na Liga portuguesa, infelizmente, temos, como bem sabemos, assistido também a verdadeiros casos de estudo, e talvez já ninguém se lembre, mas foram alguns graves erros de arbitragem (alguns mesmo escandalosos!!!) que muito fizeram com que, na última época, o Farense se visse atirado para a Liga 2. Mas era o Farense, pois era!...  

P.S. 1: Está na cara que o Benfica vai continuar a viajar, neste último terço de época, pela sua terrível montanha-russa, ora com exibições muito satisfatórias, e até entusiasmantes, como a do 2.º tempo com o Ajax, ora com incompreensíveis apagões como o do 2.º tempo no Bessa. Será muito difícil acertar o passo, porque parece haver demasiados defeitos impregnados na equipa, e parecem demasiado destroçadas a confiança e a estabilidade emocional. O pior que pode suceder a uma equipa de futebol grande como a do Benfica é não conseguirmos saber o que esperar dela. E, na verdade, nunca se sabe bem o que esperar deste Benfica.

P.S. 2: Bom jogo de bola, ontem, em Roma, aberto e com espetáculo, que acabou, com justiça, 2-2 , mas que podia também ter terminado 4-4!... Eliminatória também, com inteira justiça, favorável ao FC Porto, claramente a melhor equipa, e, já agora, com um jovem guarda-redes, Diogo Costa, que é realmente um caso muito sério de qualidade e classe. Em Braga, fantástica a recuperação dos homens de Carvalhal frente à equipa que mais surpreendeu a Europa nos últimos tempos. E saboroso sucesso, mesmo nos penáltis!

P.S. 3: Os presidentes de Benfica e FC Porto voltaram, esta semana, a cumprimentar-se, como já tinha sucedido, creio, num dos FC Porto-Benfica que se jogaram em dezembro passado. Desta vez, os dois presidentes cumprimentaram-se num encontro promovido pela Liga, e um cumprimento é uma questão de educação. Ou o presidente do Benfica não vai às reuniões e faz a vontade a quem acha mal que cumprimente os seus homólogos, sejam eles quem forem, ou vai e cumpre, evidentemente, com as regras da boa educação, como voltou a cumprir. Um cumprimento não tem de ser mais do que isso, pode ser apenas uma questão de boa educação. Mas, já agora, é tempo de todos olharem para o futuro e perceberem, de uma vez por todas, que o futebol deve jogar-se apenas dentro do campo. Todos sabemos no que dá misturar-se alhos com bugalhos!..

P.S. 4: Dois anos de dramática pandemia foram insuficientes para demover um homem sinistro como Vladimir Putin das suas inaceitáveis ideias imperialistas. A Europa volta a confrontar-se com a guerra. E com um louco!