Adiar o fim de ciclo

OPINIÃO24.03.202205:30

Um país com melhor Desporto é um país mais desenvolvido. Que o novo Governo olhe para a pasta como elemento estrutural da sociedade

A Seleção Nacional encontra-se na muito desconfortável situação de pouco ter a ganhar e tudo a perder diante da Turquia, esta noite, no Estádio do Dragão, na meia-final do play-off de acesso ao Campeonato do Mundo de 2022. Se vencer, não fará mais que a sua obrigação, porque é melhor equipa que a atual 39.ª do ranking FIFA; se perder, é todo um ciclo que terminará, com a saída de Fernando Santos e, provavelmente, o adeus de jogadores como Pepe, José Fonte, João Moutinho e, quem sabe, do próprio Cristiano Ronaldo. Creio que nenhum adepto, nem mesmo o mais acometido pela clubite e que saliva contra as escolhas deste selecionador deseja ver o fim imediato deste capítulo. Porque seria, em bom rigor, um enorme desperdício e um crime lesa-futebol face à soma de tantos talentos disponíveis. Porque, à exceção dos centrais (onde não abunda, de facto, a quantidade), Portugal poderia fazer duas equipas altamente competitivas. Tomando como exemplo o onze provável para o jogo de hoje e colocando de lado os lesionados Renato Sanches,  Rúben Dias, Nélson Semedo e Rúben Neves e ainda o caso de Pepe, infetado com Covid, quantas seleções podem dar-se ao luxo de ter no banco ou fora dos convocados jogadores como Ricardo Pereira, Cédric, Raphael Guerreiro, Mário Rui, Palhinha, Vitinha, Sérgio Oliveira, João Mário, Matheus Nunes, Otávio, Gonçalo Guedes, Pedro Gonçalves, Trincão, Rafa, Gelson Martins, Ricardo Horta, João Félix, André Silva, Paulinho e Rafael Leão?
Acreditamos que os jogadores têm noção do tesouro que se pode perder no fundo do mar e serão eles, talvez mais do que o próprio Fernando Santos, a terem de resolver o problema. Não que tenham mais responsabilidade que o selecionador pela derrota com a Sérvia no Estádio da Luz que impediu a qualificação direta, mas porque num mata-mata nestas circunstâncias, sem tempo para treinar ou testar novas ideias, o trabalho de um treinador é mais o de um motivador e aquele que liga alguns interruptores para iluminar a sala onde os protagonistas terão de dançar o melhor que sabem.
Portugal não joga aquilo que poderia e deveria  jogar com o virtuosismo de Bernardo Silva e João Félix, a imprevisibilidade de Bruno Fernandes ou o apetite goleador de Diogo Jota e Cristiano Ronaldo. Mas este não é o tempo de análises e balanços, é o tempo de exigir que a Seleção cumpra a sua obrigação e esperar pelo vencedor do Itália-Macedónia do Norte. Se tudo correr dentro da lógica, assistiremos, na terça-feira, novamente no Dragão, a uma final entre os dois últimos campeões da Europa, com algum favoritismo para Portugal - pelo  valor, por atuar em casa e porque frente aos grandes adversários a Seleção tem menos tendência para errar porque eleva os seus níveis de concentração. Tivessem os sérvios as camisolas de França vestidas e provavelmente aquele golo de Mitrovic, num dos cantos mais mal defendidos de que tenho memória, não teria entrado e não estaríamos agora neste limbo totalmente escusado.

S OUBEMOS ontem que o Desporto estará mais próximo do primeiro-ministro, António Costa. Continuará com uma secretaria de Estado mas deixará a tutela da Educação e ficará sob a égide da ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que também será ministra adjunta. Só o tempo dirá o que significa esta alteração orgânica num executivo que promete ser reformador. Mais importante que o nome do novo secretário de Estado, será decisivo que se encare o Desporto, de uma vez por todas, como uma área estrutural da sociedade. Portugal é um dos países mais sedentários da Europa e isso tem custos a longo prazo (até para o Sistema Nacional de Saúde). Mas que o XXIII Governo perceba, também, que o Desporto tem muitas camadas (amador, associativo, olímpico) e não pode ser captado politicamente pela mesma lente. O Desporto profissional, em concreto o futebol, que move paixões e movimenta centenas de milhões por ano, precisa de algumas mudanças talvez só possíveis através da via legislativa. Que haja coragem, visão e preconceitos de lado: o futebol que temos, para o bem ou para o mal, é aquele que deixamos que exista.