Adeus, Catar

OPINIÃO22.12.202205:30

A saída de Fernando Santos é decisão triste e que prova a falta de memória para com o selecionador que mais títulos alcançou

E assim fomos chegando ao fim desta penosa caminhada, superando as críticas justas e os negócios injustos. O Mundial foi duro, teve muitos erros e uma dependência dos biliões que incomoda quem preserva a liberdade como valor máximo (nos estádios e fora deles). Mas já acabou e certamente que a vida manter-se-á na mesma como era antes do Mundial. Os direitos humanos voltam para o saco do esquecimento e os negócios de alguns magnatas deve ter corrido muito bem. A imagem de modernidade e tolerância manteve-se nas transmissões televisivas, mas nunca a realidade, crua e nua. Chegamos aos momentos finais, lamentando que Portugal não tenha chegado mais longe, por vaidades de alguns. Os dois jogos finais ocorreram dentro da normalidade desta competição. Todos tentaram fazer o melhor, inclusivamente os árbitros, embora tenhamos assistido a arbitragens vergonhosas: afinal não foi por falta de classe que os portugueses não integraram este mundial, mas certamente por outras estratégias. Saibamos superar as críticas constantes na nossa Liga, melhorando procedimentos e maior proximidade e cooperação: tolerância, respeito e esforço de competência e imagem de imparcialidade.
Para atribuição do último lugar do pódio (3.º), a Croácia de Modric, Perisic e de uma equipa coesa começou a circular com velocidade e mantendo posse. Marrocos, uma das maiores surpresas da prova, acusou o esforço sempre num ritmo intenso. A Croácia marcou cedo, aos 7’, num livre estudado que superou a organização defensiva de Marrocos. Porém, como equipa de fibra, Marrocos empatou. A experiência da Croácia permitiu controlar, com Modric a marcar o golo da vitória (2-1), igualando a classificação do Mundial em 1998. Marrocos saiu prestigiado, pelo ritmo, pela liderança do treinador, pelas dinâmicas e pela excelência da qualidade do jogo e dos seus jogadores. O jogo final que decidiu o título de Campeão Mundial de 2022 envolveu França e Argentina. Duas fantásticas equipas, com valores individuais de grande nível e coletivos muito eficazes, competentes e experientes. Contudo, o jogo nunca atingiu grande qualidade, foi muito duro e com equipa de arbitragem sem coerência nas decisões. A Argentina, sempre com excessiva dureza, circulou a bola, dominou o jogo e marcou dois golos. Porém, nos últimos minutos, Mbappé marcou dois golos excelentes, o jogo foi para prolongamento. Aconteceu uma fase idêntica em que a Argentina voltou a marcar e Mbappé conseguiu um hat trick. Assim, foi necessário recorrer às grandes penalidades: Argentina concretizou 4 e a França somente 2. Com a entrega dos troféus na sessão de encerramento, finalmente se concluiu o Mundial que esteve sempre no centro de várias polémicas: começou mal na escolha, continuou sem humanidade, construiu estádios fantásticos, mas manteve a questão dos direitos humanos em plano sem relevância, com a anuência do presidente da FIFA. Um especto para refletir: tivemos um jogador da nossa Seleção que se admirou do elevado número de árbitros do mesmo país a partir dos jogos mais decisivos. De facto, quem os escolheu e não convocou nenhum nacional, deve ter feito essa escolha com base em critérios que deveriam ser públicos. E além de três ou quatro excelentes arbitragens, alguns dos nossos árbitros poderiam ter estado nesse Mundial porque todos vimos os mesmos erros em continuidade e inaceitáveis. Adeus ao Catar e que nunca mais se façam experiências desse teor, porquanto penalizaram as Ligas europeias. Temos algum receio de lesões, na medida em que o nosso campeonato já cumpriu aproximadamente um terço da prova e agora falta recuperar para entrar em velocidade de cruzeiro. A própria Taça da Liga foi sendo disputada com organização, mas também sem o brilho que a torna importante.


JOGOS DE PODER 

G IANNI INFANTINO, o atual presidente da FIFA, tem feito afirmações pouco felizes sobre o futebol, desvalorizando-o sistematicamente em função dos negócios. Fica a ideia de um negociante de novas provas e novas ideias como se o jogo fosse um mercado global. Convém não esquecer que o futebol não é nem nunca pode ser uma das áreas do negócio, mas pelo contrário, o futebol é que cria negócios à sua volta sem perder a liderança total (as experiências passadas foram um alerta que inclusivamente condenou dirigentes a penas de prisão). Por outro lado, as declarações do presidente da FIFA são várias vezes infelizes e deixam uma imagem: perseguir ondas novas e maiores, em função das constantes alterações que preocupam todos os que entendem essa herança ancestral - o futebol. Aprisionar o jogo em função dos mais poderosos e continuar a promover alterações competitivas com a ideia de globalizar, mas que acabam a defender elites, são passos para o precipício. O futebol merece uma liderança, que o coloque no topo da pirâmide de onde nunca pode sair. Continuamos a defender que é urgente substituir o atual presidente, e os países nórdicos já manifestaram oposição a essa continuidade.  A Europa, invadida por donos de clube com origem na Ásia e não só, com muito poder económico, mas também secretismos na sua origem, deixam muitas dúvidas e receios. E neste contexto, o presidente da Liga espanhola decidiu ameaçar a FIFA, caso insista em alargar o Mundial de Clubes para 32 equipas. É urgente travar essa corrente de crescimento imparável que pode mudar completamente o jogo como o conhecemos.  Para isso, La Liga está a analisar as decisões jurídicas mais adequadas para impedir esse alargamento do Mundial de Clubes, que a FIFA pretende implantar em 2025, de quatro em quatro anos. Outra das decisões que a FIFA pretende impor é o alargamento do número de seleções nacionais para 48, em 2026, com 12 grupos de 4 equipas ou 16 grupos de 3 equipas. Com este presidente, fica a ideia que a FIFA deixa de proteger o futebol e assim vai potenciar o desequilíbrio entre o futebol nacional e internacional: os lucros como objetivo final. Por outro lado, como é possível, sem consultar as Ligas, sem decisão coletiva, que a FIFA tenha decidido o Mundial de Clubes, para fevereiro de 1 a 11 de 2023, em Marrocos? É evidente, basta voltar a ouvir os elogios ao Catar e a banalização de questões humanitárias, a necessidade de analisar o avanço com medidas que podem, inclusive, merecer investigação em relação ao tratamento dos direitos humanos e, em caso de análise cuidada, poderá surgir a necessidade de caminhar para a substituição do atual presidente da FIFA, pelo facto de só contemplar um pequeno universo de clubes, quando a sua maioria não participa nas competições internacionais. Não faltam eventuais profissionais de futebol, com conhecimento, qualidade e prestígio para uma FIFA melhor.


FUTEBOL PORTUGUÊS 

A Taça da Liga, desvalorizada pelas transmissões televisivas internacionais, continuou pelo empenho dos clubes e da Liga. No jogo do FC Porto com o Vizela, a primeira parte começou e no primeiro minuto, com golo de Martínez. Na segunda parte, o jogo desequilibrou e os azuis e brancos dilataram a vitória mantendo a sua raça de Ser Porto. Os vencedores dos grupos seguiram para os quartos de final. O Sporting goleou o SC Braga com 5 golos na primeira parte e apurou-se para meias-finais e, também apurados, ficaram o Académico de Viseu, o FC Porto e o vencedor do jogo Moreirense-Arouca. A eliminação do Benfica foi surpresa, mas com mérito do Moreirense. As meias-finais realizam-se em 24 de janeiro de 2023 e a final no dia 28 desse mês. O recomeço das competições nacionais, em função da pausa do Mundial, certamente vai ter consequências que deverão merecer análise cuidada.
Após o acompanhamento do Mundial que recentemente acabou, talvez seja um momento próprio para pensarmos no que é ser adepto e como contribuir para a qualificação do futebol a todos os níveis, com transparência e solidez. Temos um universo vasto de jovens talentos, de dirigentes que podem servir de modelo, a FPF e Liga Portuguesas de Futebol Profissional com um entendimento essencial, os árbitros e a disciplina em sintonia em termos de metodologia, a entenderem-se no mesmo rumo, para que o futebol português consiga conquistar a posição que merece. Depois do que vimos a nível global, poderemos com velocidade de cruzeiro atingir um patamar de excelência que mereça a admiração das instituições e dos países. Treinadores qualificados em centenas de clubes são mais um do nosso património e com admiração generalizada, pela excelência do trabalho desenvolvido. Não precisamos de canalizar a atenção para um número restrito de talentos porquanto, desde as idades mais jovens, há especialistas que vão acompanhando os jovens com scouting reconhecido internacionalmente. Basta entendermo-nos, sem vedetismos que desperdiçam e separam, mas pensando: o que posso fazer para ajudar o futebol português a evoluir cada vez mais? Certamente não faltarão resultados e mudanças de comportamento que aproximem os adeptos e evitem conflitos.
Na escolha para próximo selecionador nacional, tenham cuidado em analisar a personalidade, a capacidade de relacionamento, as perspetivas e metas a alcançar, assim como o funcionamento da estrutura. A saída de Fernando Santos da FPF, mesmo para quem o criticava negativamente (há sempre em todos os países os críticos constantes) é uma decisão triste e que prova a falta de memória do selecionador que mais títulos e bons resultados alcançou. Por isso, talvez seja a altura de cada jogador, ao integrar a Seleção, assumir um compromisso formal da sua postura e empenho. A escolha do novo selecionador é uma decisão muito importante e que deverá surgir de análise profunda em função de processos, metas e caminhos a seguir. Há várias alternativas e gente que conhece muito bem do que a casa precisa.


REMATE FINAL

Zlatan Ibrahimovic afirmou: «… conto as coisas como realmente são. Toda a gente é cuidadosa acerca da sua imagem…  mas a imagem perfeita é ser-se genuíno (…) Toda gente quer ganhar, mas nem todos conseguem.»
Sérgio Conceição, na Gala dos Dragões de Ouro, afirmou: «O primeiro foi em 1998, no dia 27 de maio.

Dezanove anos depois tive o prazer de apertar a mão ao melhor dirigente do mundo e selar o nosso acordo verbal de que seria o próximo treinador do FC Porto. Uma coincidência que quero partilhar.» E com esta frase, recebe o quarto dragão de ouro: um como jogador e três como treinador.

Um forte abraço, com amizade, ao Fernando Santos pelo trabalho de qualidade desenvolvido ao longo dos tempos e pela sua forma humana de tratar os assuntos. Merece o nosso respeito! O tempo é sempre o melhor juiz.