A voz e a vez dos treinadores

OPINIÃO09.12.202002:00

O treinador do Liverpool, Jurgen Klopp, alertou para os riscos de lesões a manter-se o ritmo de competições, e que as equipas ficarão muito reduzidas até ao final da época.
O futebol e os jogadores em particular não podem ser sujeitos a esforços contínuos tão intensos, de risco elevado. Nada se pode sobrepor à saúde dos atletas. Nuno Espírito Santo, treinador do Wolverhampton, destacou a necessidade de alterar métodos para aprovação do calendário futebolístico. Nuno juntou-se a Klopp e muitos outros para forçar na liga inglesa a mudança de calendarização das competições, envolvendo treinadores, exigindo ser ouvidos e influenciar a decisão. Os treinadores deveriam partilhar ideias, definir conclusões e nomear um representante para defender a posição nos fóruns decisivos: afinal quem entende de futebol?
Em Portugal, os treinadores, como intervenientes qualificados para contribuírem para o desenvolvimento do futebol, foram perdendo a voz e também estão a perder a vez. Quando o castelo de cartas se começar a desmoronar, assistiremos a argumentos oportunistas. Exemplo para refletir: as palavras do treinador do Famalicão, João Pedro Sousa, no final do jogo com o Sporting!

A última jornada

Os resultados trouxeram prendas, surpresas e sustos. A época natalícia é sempre especial e imprevisível. Aconteceram resultados impensados, golos com fartura, alterações e aproximações na classificação. Sporting empatou a dois em Famalicão com um final épico em campo e surreal no túnel para os balneários. FC Porto entrou possante, marcou cedo e quando se pensava em goleada o jogo terminou com 4-3 perante o Tondela, no Dragão. Sérgio Conceição traçou diagnóstico e terapia: concentração máxima, humildade constante e respeito por todos os adversários. O Belenenses SAD, numa das melhores exibições esta época, venceu o Braga. O Benfica, no último segundo, marca o golo da vitória depois de ter estado a perder desde o minuto 24. Pepa, treinador do Paços de Ferreira, afirmou com dignidade que perderam o jogo porque o quiseram ganhar (exemplo de como se deve encarar o futebol). Muitos golos, embora sete tenham ocorrido no Dragão, num campeonato disputado, com cargas competitivas muito diferentes, numa fase de crescimento da contestação às arbitragens e VAR, em função da falta de discussão dos aspetos imperfeitos que têm de ser analisados e corrigidos. A arbitragem não pode continuar a ser o foco principal para conflitos permanentes. Presidentes de clubes devem medir as palavras e contribuir, da forma certa e no local exato, para aperfeiçoar o que é urgente (usar linguagem de adepto emotivo não é o melhor caminho). O último minuto da jornada foi decisivo: Sporting marcou golo que VAR anulou, FC Porto viu um remate à barra da sua baliza e Benfica voltou a vencer no último suspiro. Quando a carga competitiva se tornar igual para todos, pode ser que o nosso futebol se revele ainda melhor.

Justiça futebolizada?

São os jogadores e os treinadores os responsáveis pela excelência do jogo em campo. Apesar de serem os protagonistas, que o talento lhes confere como direito, voltamos a assistir a fase de inquietação, de casos de provocações que se renovam. A lentidão da justiça é um obstáculo que prejudica a sociedade. Será tão complexo torná-la mais ágil, mais prestigiada e sem se deixar desvalorizar com eventuais ligações que acabam por lançar um fumo que perturba a racionalidade e inflama adeptos? Aproveitar esta fase complexa para fazer pedagogia seria atitude inteligente!
O futebol nacional carece de um pacto de entendimento que impeça a repetição de contratações estranhas, de clubes que desistem e de financiamentos só ao alcance de grandes especialistas. Urge tornar claro, fundamentar decisões que não alimentem dúvidas inquietantes. A transparência é prática que se deseja comum. Claro que surgirão sempre erros e falhas (dentro e fora do campo),mas enfrentados com imparcialidade. O clima de conflitualidade entre clubes tem de ser punido para que o futebol saia prestigiado. Basta de guerrilhas incontroláveis e que se eternizam sem sentido; o presente e o futuro têm de ser diferentes, melhores e mais justos. Valorizar o futebol é tarefa inadiável. Não podemos tolerar adversários da verdade desportiva. Os treinadores e a própria ANTF têm a obrigação de dar contributo indispensável, mas sempre independente.

Negócio insaciável

Por vezes, surgem ondas de circulação monetária que crescem sem controlo. Além do merchandising, das transmissões televisivas, das apostas desportivas e das contratações de jogadores, são inúmeras as possibilidades de investimento. O capital circula veloz e impede conhecimento de identificação, dificultando o combate à corrupção. A China e o EUA serão certamente mercados crescentes do futebol, que evoluem rapidamente. Num tempo em que tudo acontece no imediato, o futebol precisa de eliminar perdas de tempo para não dispersar a atenção, não se tornar monótono, nem pouco competitivo. Com a invasão do Covid-19, as consequências tornaram-se imensas, quer para os jogadores quer para os clubes. Instalou-se uma crise generalizada na qual a componente económica sofreu grande abalo. O que ficou patente foi a impreparação e falta de capacidade inovadora para encontrar soluções viáveis. As tutelas internacionais começaram por impor exigências, foram alterando sucessivamente e as soluções acabaram diferentes, em função das decisões de cada país. Ter um plano de urgência é uma lição que se deseja que tenha sido aprendida.


‘Golden Foot’ 2020

Trata-se de mais um prémio para distinguir o jogador de futebol do ano, que se tenha destacado pelas conquistas desportivas e pela sua personalidade. O prémio só pode ser vencido uma vez. Nesta 18.ª edição, o vencedor foi o português Cristiano Ronaldo. Na lista dos 10 candidatos ao título, escolhidos por um painel de jornalistas internacionais com base nos critérios definidos (ter pelo menos 28 anos de idade e ainda jogar futebol) para além CR7, constavam Messi, Lewandowski, Salah, Giorgio Chiellini, Neymar, Sergio Ramos, Sergio Aguero, Gerard Piqué e Arturo Vidal.
A votação online é aberta ao público. O vencedor do Golden Foot tem direito a deixar uma marca permanente das suas pegadas no designado Passeio dos Campeões, no Principado do Mónaco. A partir de 2009, ocorre também um leilão que acompanha a atribuição do prémio, durante a noite de gala, para angariar fundos para combater a SIDA.

REMATE FINAL

Para Valdano, todas as evoluções táticas vão-se exagerando no tempo e ficando retóricas. Os jogadores e os contextos mudam e chega-se ao limite do domínio sem destino. A posse da bola sem progressão enreda-se, anula-se e deixa de ser proposta inovadora e eficaz. «Um tiki-taka de nova geração que nos recorda que, na tremenda luta pelo espaço em que se tornou o futebol, o espaço mais importante continua a ser o das balizas.» Assim se avança continuamente. Sempre valorizando o contributo da técnica, distinguindo-a da habilidade. O aperfeiçoamento com inteligência desequilibra o adversário, num tempo em que surgem, cada vez mais, jogadores formatados numa produção em série. Por isso, os artistas são essenciais. O futebol fica sem resposta quando a bola desvaloriza o jogo, movimentando-se mais lenta e tornando-se rotina. As crises são indispensáveis porque atraem a imaginação, a genialidade e criam novos desafios. A bola só segue quem bem a entende.