A moda dos penáltis ‘sacados’
As competições não regressaram e nota-se que esta época não será fácil para árbitros
AS competições ainda não regressaram e nota-se que esta não será, de novo, uma época fácil para os árbitros. Há um conjunto padronizado de comportamentos que fazem antever dificuldades elevadas para quem tem por função tomar decisões. Mas a arbitragem está habituada a esse tipo de escrutínio e pressão.
Os árbitros devem criar ferramentas para se abstraírem do que é acessório, mantendo o foco e concentração naquilo que é essencial.
A questão acaba por ser mais pragmática do que parece: há 17 leis de jogo e mão cheia de recomendações para cumprir. O que importa é que decidam em função disso, procurando manter lucidez, frieza e racionalidade analítica.
Cá fora, a proximidade excessiva à camisola leva os mais apaixonados a aderirem a modas que vão e vêm. Reparem: tivemos uma altura em que só se discutia quem dava mais ou menos cotoveladas, catalogando este de caceteiro e aquele de malicioso. Lembram-se? Depois passámos à fase dos tackles durinhos, em que A e B eram useiros e vezeiros. A seguir caímos na maré das intensidades e da falta de critério para lances percecionados, cá fora, como iguais. Mais tarde, regressámos à velha questão dos foras de jogo milimétricos, encarnando uma desavergonhada memória seletiva que não tem precedentes. Até tivemos, a determinada altura, a maré das cargas dos guarda-redes sobre avançados.
Agora a onda é a dos penáltis sacados pelos avançados. Vamos falar sobre isso abertamente?
Não me compete fazer juízos de valor sobre quem quer que seja. Não é esse o meu trabalho. O que tento fazer é análise técnica factual, independente e clara sobre este e outros temas que sejam mais controversos.
Muito bem. Neste tipo de lances, há três cenários possíveis: pontapé de penálti, nada (segue jogo) ou simulação.
1 - Para haver pontapé de penálti tem de haver uma iniciativa do defesa em relação ao avançado. Tem que haver infração de quem defende sobre quem ataca. Essa ação pode ser apenas imprudente (falta de cuidado/atenção ao abordar a jogada), negligente (não medir as consequências da sua abordagem) ou excessiva (uso de força bruta, acima do desejável). Se o defesa usar alguma dessas três formas para obstruir, derrubar ou perturbar a progressão do atacante, comete falta passível de castigo máximo. Ponto final, parágrafo.
2 - Para que o lance seja considerado legal/normal, ou seja, sem falta de parte a parte, o contacto entre defesa e adversário tem que ser fortuito, inevitável, acidental. Ou seja, ninguém foi imprudente, negligente ou excessivo. O choque/toque foi decorrente de uma tentativa legal de ambos chegarem ao lance.
3 - A simulação clássica é a que acontece quando um jogador cai sem sofrer toque de outro. Mas há mais: o atacante que promova, inicie ou antecipe deliberadamente um contacto físico, caindo depois, é quase sempre culpado de simular, mesmo que o contacto posterior até fosse inevitável. Se ele arrastar a ponta da bota na relva, se levar o pé/perna na direção do corpo do opositor, está a tentar ludibriar o árbitro. Está a criar uma falsa situação de causa/efeito, que não pode ser sancionada com pontapé de penálti, porque essa só ocorre quando a causa é o defesa iniciar o contacto e a consequência é o derrube/afastamento inevitável do adversário.
Assim, em teoria, parece fácil, mas em campo (com outra intensidade, velocidade e dinâmica), pode ser um pesadelo, que muitas vezes lança a dúvida a quem decide, lá dentro e até a quem analisa, em sala.
Há lances no limite, que são quase impossíveis de catalogar com honestidade. Aí vale a interpretação e bom senso de quem decide, que partir sempre da seguinte premissa: «Qual é a decisão que o futebol espera, neste lance?»