A maior festa do futebol nacional

OPINIÃO20.10.202206:30

A Taça deverá ser espaço de coesão nacional. O futebol profissional desperta apetites negociais que dão impressão de esquecimentos graves

E M 1938/1939 nasceu a Taça de Portugal (sucedendo ao Campeonato de Portugal criado em 1921/1922) e o primeiro vencedor foi a Associação Académica de Coimbra que derrotou o Sport Lisboa e Benfica por 4-3, num jogo disputado no Estádio das Salésias - que foi inaugurado em 29 de Janeiro de 1928, posteriormente designado Estádio José Manuel Soares para homenagear uma das maiores lendas belenenses, o jogador Pepe, falecido jovem.
E uma decisão com mais de 80 anos continua a perpetuar uma das competições mais importantes do nosso futebol, com caráter específico, porque é uma prova a eliminar, em sorteio aberto, embora só a partir da terceira eliminatória entrem os clubes da liga principal. Trata-se de uma competição onde nunca há certezas e tudo pode acontecer, entre clubes das principais Ligas juntamente com clubes do Campeonato de Portugal e das competições Distritais. Ao longo dos tempos foram surgindo alterações, por vezes por falta de condições de alguns campos, o que obriga a deslocações que quebram a mística dessa Taça. Por isso, deveria haver um plano conjunto entre o Governo, Autarquias e a FPF, juntando apoios de empresas e patrocinadores, para permitir que cada local tenha a possibilidade de o sorteio nomear localidades que, de outra forma, nunca conseguirão estar perto dos ídolos que as televisões revelam e, simultaneamente, ter esperança num resultado improvável mas possível. Assim se criam momentos da história do futebol que enriquecem o património de alguns clubes e tradições. Os chamados clubes mais pequenos têm a possibilidade de se tornarem enormes, numa oportunidade difícil, possível e motivante. Em termos de dinamização comercial, é área a não descurar. Por esse motivo, é triste verificar que, por incúria das entidades oficiais e não só, em vez de vários clubes jogarem nos seus campos passam a jogar fora de casa, o que subverte a tradição. Um plano para dotar o país de instalações desportivas com dignidade, além da festa, permitiria um crescimento local, envolvente, construindo ofertas desportivas que também são essenciais para combater o sedentarismo crescente, que se enraíza imparável e com custos acrescidos por descuido do poder central. Nestes momentos, várias gerações conseguem diálogos que reforçam a coesão da nossa nacionalidade, a partir dos pequenos locais com tradições para evitar a desmemorização. A Taça de Portugal deverá sempre ser um espaço de convivência e de coesão nacional. O futebol profissional desperta apetites negociais que, por vezes, dão impressão de esquecimentos graves. Atualmente, começam a surgir com maior velocidade e verbas muito mais altas investimentos de clubes estrangeiros poderosos, que começam a adquirir participações no capital social das SAD nacionais que, se não forem devidamente controladas, podem criar problemas complexos, como já ocorreu em clubes nacionais com resultados empobrecedores e até com abandonos lamentáveis, destruindo um universo de aglutinação dos vizinhos. O capital não tem fronteiras e, por isso mesmo, pode ter influência nas decisões e futuro do nosso futebol e da nossa vida. Razão e reflexão são imprescindíveis, porque as minas de ouro por vezes podem transformar-se em desertos destrutivos… Para que o nosso futebol e o desporto em geral evoluam, é preciso pedagogia televisiva e jornalística, pois cidadania mais informada permite melhores decisões. Apesar de haver lideranças que não cultivam o diálogo, cada vez mais ele é imprescindível, para unir e criar bases para futuro sustentável. Manter opiniões diferentes é enriquecedor, mas respeitando sempre todas as opiniões, sabendo escolher as melhores e que maiores benefícios aportem a cada região. Todos nós conseguimos ir buscar à nossa memória lendas, mitos e factos que nos orgulham. O futebol das grandes competições, das lideranças com grande visibilidade mediática, muitas vezes só aborda a espuma das ondas por desconhecimento e desvalorização do trabalho de base. O clubismo é essencial para se fazer cada vez melhor e atrair mais gente para colaborar em iniciativas que os clubes e as regiões possam fazer, para manter diálogos indispensáveis. Os talentos que a globalização transforma em novos ídolos, com cláusulas de rescisão além do razoável, em função das carências que muitos preferem não ver, nascem nos campos de terra, com bolas muito usadas, num tempo/espaço onde a genialidade natural surge não por imposição, mas por destino e arte. E dessa forma, nas diferenças, reforçam-se amizades e revelam-se craques, com memória e humildade. Assim se prestigia a terra onde se nasceu ou onde se vive. Por isso, tentar criar em jovens que se iniciam a ambição desenfreada e o elogio fácil, mesmo de familiares ou de treinadores, deve dar espaço à construção da amizade e ao prazer de praticar desporto, dando o melhor possível e aceitando os resultados, porque efémeros… e para a semana haverá mais. São estes alguns dos temas que a Taça de Portugal nos faz repensar. Claro que nas concentrações mediatizadas, há grupos com mais intervenção social e televisiva que nem sempre levam em consideração o eventual mal que causam ao jogo. Mas isso é com eles… por isso, adoro a festa do futebol que a Taça de Portugal permite, do Norte às ilhas, sendo assunto global em todo o país: é um sentir nosso que nunca se pode perder.
Independentemente da nossa Taça, há clubes poderosos onde lóbis fazem alianças e exigências para afastar craques que lhe causem sombra, ou mesmo, noutras latitudes, perseguição a jornalistas em determinados países, para ostentar o luxo mas escondendo as misérias que não podem ser toleradas. Por isso, porque cada região conhece melhor as suas necessidades e potencialidades, o secretário de Estado da Juventude e do Desporto tem de conhecer o país real, as suas necessidades, defendendo a liberdade de escolha e nunca uma nacionalização que favorece apenas os grandes centros, em especial a capital. Distribuição de verbas, com cadernos de encargos, com resultados efetivos em função de um desenvolvimento coletivo, e nunca afastar os clubes com espaços desportivos mais abandonados, quando a solução é simples: investir, melhorar e manter a qualidade das instalações desportivas, como área de encontro dos associados num espaço comunitário. Só quem vive nas regiões, tem o conhecimento do que pode e deve fazer. Nada pior do que promessas por cumprir, caindo no esquecimento.
Imaginar uma bola a desafiar-nos é um excelente começo. Lamentamos que muitas estruturas eleitas para o desenvolvimento sustentado do desporto não consigam promover com empenho o futebol não profissional, o feminino, o jovem, também noutras modalidades que tenham interessados em praticar.
Como treinador, o campeão nacional em título e que venceu a dobradinha, no património azul e branco é o treinador com maior percentagem de vitórias nos jogos da Taça de Portugal, o que comprova a atenção dada a essa competição; em 33 jogos, Sérgio só perdeu 2 e em fases adiantadas da competição, nunca em jogos só a uma mão. Os azuis e brancos encaram a Taça de Portugal com a máxima dignidade, o que se deteta na própria escolha do plantel.
No próximo jogo da Liga, no estádio do Dragão, no jogo FC Porto e Benfica foi lançado o desafio a todo o estádio para aplaudir e dedicar ao Bibota (o goleador Fernando Gomes) aos 9 minutos, a justa homenagem merecida, que o país sabe reconhecer: será sem dúvida um momento de grande emoção.
O treinador do Benfica deixou a importante mensagem de nunca subestimar adversários, pelo resultado mas também pela dignidade; de facto esteve prestes a ser eliminado e só conseguiu apuramento nas grandes penalidades. A Festa do Futebol nacional tem de ser muito acarinhada porque permite união ao país inteiro e momentos inesquecíveis. O Sporting, na última jornada europeia, teve dois momentos infelizes, duas expulsões e mesmo assim, o jogo acabou com 9 atletas de Alvalade, mas com a máxima dignidade. Alguns jogadores confundem intensidade com entradas violentas e por isso já se perderam jogos: menos egoísmo e mais profissionalismo. O SC Braga teve em Vitinha o goleador que se destacou mas a equipa não conseguiu manter a vitória: o Saint-Gilloise, a perder por 1-3 conseguiu, por demérito dos jogadores do SC Braga, o empate a 3. Noutro jogo, se há lance para fixar, temos a assistência de Diogo Costa para Galeno, como um hino ao futebol. A segunda parte, com outra música, maestro Otávio a marcar o ritmo e os companheiros a executar a pauta, deixou uma imagem inesquecível.
Na terceira eliminatória da Taça de Portugal foram apurados 10 clubes da Liga principal, 8 clubes da Liga 2, 6 clubes da Liga 3 e 8 clubes do Campeonato de Portugal. Por outro lado, foram eliminadas 8 clubes da Liga principal, 4 clubes da Liga 2, 9 clubes da Liga 3, 8 clubes do Campeonato de Portugal e 3 clubes das competições Distritais. O Benfica só conseguiu o apuramento nas grandes penalidades, com o Caldas. Rio Ave, Chaves, Marítimo, Boavista, Santa Clara, Portimonense, Paços de Ferreira e Sporting ficaram pelo caminho. O FC Porto manteve a sua dinâmica e intensidade, prestigiando o troféu. Para além da surpresa da eliminação do Sporting perante o Varzim, um destaque para o Vitória de Setúbal (Liga 3) que venceu o Paços de Ferreira, revivendo momentos que lhe eram habituais. Afinal os tomba-gigantes  aparecem sempre, em dias de inspiração e imprevisibilidade.
O treinador do Anadia felicitou com fair play a vitória dos portistas mas não deixou de valorizar a qualidade e entrega dos seus jogadores que estiveram perto de marcar, embora Cláudio Ramos muito seguro evitou os riscos. Sérgio Conceição, afirmou: «Não foi tudo perfeito, mas fizemos um jogo competente e sério, onde os jogadores com menos tempo de competição deram uma boa resposta (…) A confiança conquista-se diariamente. Há jogos que podem correr bem e outros que não. Tem de se trabalhar diariamente e nesse sentido tenho confiança em toda a gente. Os que iniciaram e entraram deram-me sinais muito positivos. Estamos contentes com o trabalho diário e o jogo é uma consequência disso.»
Para concluir, só com uma frase de Agustina Bessa-Luís: «O Porto não é para mim um lugar, é um sentimento.»