A boa vaga nórdica

OPINIÃO20.01.202305:30

Aprecio o profissionalismo e a seriedade dos jogadores nórdicos. No histórico encarnado temos brilhantes exemplos...

A época de contratações, além de ter dias (isto é, mercados), tem ondas. Detendo-me no Benfica, na última década, já houve a primazia da vaga sul-americana, subdividida em brasileira e argentina, a mais tímida maré europeia, ora latina, ora alemã, ora do leste, e, mais esparsamente, a fonte do mercado interno. Tudo entremeado com juras (e algum sucesso nos últimos anos) da formação. Agora, o Benfica vira-se para o mercado escandinavo. Primeiro, pescando na Dinamarca o defesa Bah e o já imprescindível e polivalente norueguês Aursnes. Este mês, com mais um norueguês de nome Schjederup vindo da Dinamarca e, ao invés, um dinamarquês de nome Tengstedt acabado de chegar da Noruega.

Aprecio o profissionalismo, a seriedade, a sobriedade dos jogadores nórdicos. Não têm uma relação muito amistosa com a lógica do quase, de que falo aqui ao lado. Para eles, ou é sim ou não, nada de mais ou menos. No histórico encarnado, temos brilhantes exemplos da escola escandinava: Stromberg, Manniche, Magnusson, Thern, Schwarz. Tenho em boa conta estas duas contratações para lugares que precisam de concorrência entre diferentes e não de soma entre iguais.

Apenas um reparo pessoal: apesar da memória desgastada pelo correr dos anos de vida,  dou comigo a fixar, com mais ou menos facilidade, nomes científicos de árvores, mas confesso que tenho de inventar umas mnemónicas para três dos quatro nórdicos contratados (a excepção é o abençoado nome monossilábico Bah!). É claro que temos sempre a opção dos nomes próprios Fredrik, Andreas e, um pouco mais difícil, Casper. Depois de Aursnes nos ter ensinado a pronunciar o seu difícil apelido, temos agora Schjederup que me faz lembrar um xarope para a tosse e Tengstedt que associo a um anti-inflamatório. Uma farmácia que, acredito, vai aviar uma boa prescrição!

Embora neste mercado ainda possa ainda haver novidades, acho que se vem optando por uma boa política de contratações: ajustada à economia do clube, sem alaridos, criteriosa, sem encher o quadro de excedentários e sem endinheirar comissionistas a troco de (quase) nada. Li, com agrado, que a contratação de Tengstedt foi negociada directamente pelos clubes. Ou seja, sem intermediários e sem o habitual eufemismo custos de aquisição (na venda e… na compra!), próprios de mercados onde a comissão é omnipresente e  insaciável.
 

FOLHA SECA
O esplendor do ‘quase’

No futebol é quase tudo quase. Entre o quase e o tudo vai a distância entre o sonho e a realidade.  Aquele ponta-de-lança é quase perfeito. Faz belas jogadas que dão quase em golo. É mesmo especialista em oportunidades-quase-golos. A trave e os postes são a bitola perfeita dos quase golos. Por quase nada se bate (ou não) um qualquer recorde. Há várias expressões goleiras do quase.

Um exemplo: pentear a bola que, no caso do careca, é uma impossibilidade e no, caso do cabeludo, pode ser por um cabelo. Há jogadores que quase são transferidos. Ou que quase são titulares. Há clubes que quase conseguem adquirir o passe de jogadores, não fora quase não terem dinheiro. Há craques que passaram ao lado de uma quase grande carreira. Agora com as linhas virtuais, há foras-de-jogo quase dentro-de-jogo, o que nos faz duvidar dos quase frames. Ah, e o VAR?

Também está cheio de quase variáveis nas mãos, nos braços, na intencionalidade e na intensidade. Há os jogadores quase expulsos, mas que os árbitros quase fingem não ver (vide Galeno, há dias). Há também os estádios quase cheios, embora, em bom rigor, na nossa Liga melhor seria dizer que a maioria deles está quase vazia. Até o enquanto for matematicamente possível é uma maneira simpática de dizer que é quase impossível.
Elogiemos porém o império do quase. É que sem ele, o futebol era quase sem interesse. Este jogo universal precisa do esplendor dos quase. Ou seja, da incerteza, da improbabilidade, da fortuna, do azar, do acaso, do momento, da inspiração, do erro. Mas não da batota.
 

JOGOS FLORAIS

Selecção? Fui, não a primeira escolha, mas a sua única escolha

José Mourinho
Treinador da Roma

Egotismo no seu deslumbramento. Deixando de lado, o insólito da declaração ter sido proferida em Itália, numa conferencia sobre um jogo da Roma, bem como a aparente contradição com o que disse o presidente da FPF na apresentação do novo seleccionador, Mourinho conclui o seu trajecto trinitário de treinador auto-intitulando-se especial, primeiro e único. Só lhe falta ser imortal. O egotismo em todo o seu deslumbramento.


FAVAS CONTADAS — 36

Questionários-confessionários, com 36 perguntas e bolinhas por preencher para candidatos a governantes. Simplesmente patético. Como se o carácter nelas se esgotasse. Se a moda pega, ainda vamos ter o mesmo “mecanismo” (sic) para dirigentes desportivos. Chegarão 36 perguntas? E para os árbitros?
 

FOTOSSÍNTESE
Semântica

“Andámos sempre atrás do resultado, mas conseguimos responder bem…”, assim se pronunciou Gonçalo Ramos na entrevista rápida após o dérbi de domingo. Aproveitando para felicitar o ponta-de-lança pelo virtuosismo do seu desempenho e pelos golos obtidos, realço o valor semântico da frase citada. Finalmente, há alguém que não papagueou a frase tonta “correr atrás do prejuízo”. Correr atrás de um desejado resultado, assim está bem e é lógico no Benfica, ou dito de outro modo, correr contra o prejuízo e não atrás dele.