A alternativa
Se o 3x4x3 de Schmidt não resultar hoje no Anoeta não é só uma tática que falha, é um problema estrutural que se coloca ao Benfica
Sempre ouvimos dizer que no futebol já está tudo inventado, mas o tempo trata de transformar essa máxima num mito. Basta andar com a fita para trás e pensar em verdadeiras obras que deveriam ter direitos de autor e muitas delas com base na falsidade: o falso 9, o falso lateral, o falso central. Talvez seja das poucas atividades onde o logro é objeto de elogio porque é uma forma criativa de enganar o oponente sem violar as mais elementares regras da ética.
Sendo Pep Guardiola o alquimista-mor do reino da bola, com a capacidade de reinventar-se mediante o tipo de jogadores que tem e com a astúcia de transformar futebolistas de classe média em verdadeiros visionários (Rodri), assistimos, no entanto, a uma diversidade de estilos que combatem uma certa ideia que chegou a vingar com a febre Barcelona: a de que só havia uma maneira correta de ganhar, dividindo os treinadores em duas classes - os puristas e os resultadistas.
Felizmente que Pep matou Guardiola e o Manchester City é muito diferente do Barça que ficou para a história como a melhor equipa que este desporto já teve. Atualmente vemos o técnico catalão aplaudir passes verticais, coisa que o faria levar as mãos à cabeça em Camp Nou; e explora todas as virtudes de um ponta de lança como Haaland que em tempos não muito distantes seria visto como uma peça de difícil encaixe no carrossel dinâmico esculpido pelo treinador catalão.
Por combinar uma série de boas ideias e influências que não se limitam a uma só escola, o novo guardiolismo parece ter hoje um tipo de seguidismo também diferente: é um convite a um caráter mais inventivo de todos os treinadores. Por exemplo, ver Roger Schmidt colocar Aursnes a lateral-esquerdo, mas que passa 70 por cento do tempo a jogar por dentro com o seu pé direito não é assim tão diferente do que João Cancelo fez no Manchester City com Pep. Como qualquer decisão, esta só resulta se tiver sucesso, mas ajuda se os próprios jogadores e o público já a conhecerem de outros palcos mais nobres. É uma espécie de caução.
Isto ficou mais ainda mais evidente com a recente mudança tática levada a cabo pelo treinador do Benfica, cujo tempo escasso de aplicabilidade impede uma análise honesta sobre as suas virtudes e defeitos. Mas não deixa de representar uma característica que muitos admitiam não existir no engenheiro de formação que lidera os encarnados há ano e meio: flexibilidade. O tempo dirá o quão forçada foi esta mudança (lesões, maus resultados, contratações que tardam em provar o que valem, se é que valem mesmo o que custaram), mas o jogo de hoje, no renovado Anoeta, diante da Real Sociedad, para a Champions, será um teste às novas ideias: se resultar, o 3x4x3 muito provavelmente deixará de ser transitório. Se não resultar, colocará um problema maior às águias: a noção de não haver plano B verdadeiramente fiável. No futebol, como na política ou noutros setores da sociedade, a ausência de alternativas corrói qualquer projeto que viva do presente por muito bom que tenha sido no passado.