Exercícios desportivos e espirituais (artigo Vítor Rosa, 217)

Espaço Universidade Exercícios desportivos e espirituais (artigo Vítor Rosa, 217)

ESPAÇO UNIVERSIDADE14.01.202316:24

Frequentemente, a tradição espiritual separa o corpo e a mente, dando a cada um o seu próprio ponto de referência e lógica. No entanto, o papel primordial do corpo sempre foi uma realidade espiritual amplamente experimentada e conhecida pelo clero. Treinar, lutar, relaxar, mortificar, conhecer o melhor possível as mais pequenas reações do próprio corpo são indispensáveis para o tornar mais dócil possível à receção da vontade de Deus.

É, por isso, que os exercícios desportivos podem ser experimentados como um exercício espiritual, um meio de progredir na vida espiritual e na busca de Deus. E não apenas como metáfora para a dinâmica gerada pela fé. Os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola (1491-1556), padre jesuíta e fundador da Companhia de Jesus, deixam isto claro. As primeiras linhas dos Exercícios Espirituais desenvolvem uma comparação entre os exercícios corporais e espirituais. A primeira frase define o que se entende por “exercícios espirituais”: “Qualquer forma de examinar a própria consciência, meditar, contemplar, rezar vocal e mentalmente, e outras operações espirituais...”. Depois, Inácio faz uma comparação: “(…)caminhar, passear e correr são exercícios corporais, mas também são chamados exercícios espirituais qualquer forma de preparar e dispor a alma para afastar todos os apegos desordenados e, tendo-os afastado, procurar e encontrar a vontade divina na disposição da própria vida para a salvação da própria alma”. Na verdade, “propondo o seguimento de Jesus, os EE expõe-nos a ação de Deus e ao seu convite para que tenhamos uma vida plena de serviço gratuito. No fundo são uma ginástica espiritual, uma experiência pessoal de Deus que transforma a vida e liberta o coração de tudo o que o impede de ser livre e fazer a vontade de Deus” (cf. https://pontosj.pt/jesuitas/exercicios-espirituais).
 

No seu texto, Inácio reúne três verbos importantes: andar, passear e correr. A dimensão desportiva da corrida é óbvia: requer treino, aprendizagem, concentração para encontrar um ritmo, uma respiração, formas de fazer as coisas que serão encontradas nos exercícios espirituais; tanto como caminhar e passear são gestos bastante naturais que não requerem nenhuma preparação ou ambiente em particular. Há, contudo, dois pontos em comum nestes três verbos: eles expressam um movimento que tem um início, um fim e uma duração, e os três incluem uma repetição; não se pratica apenas uma vez, repete-se constantemente este movimento. Assim, a superação de si próprio, o desempenho desportivo, não está apenas presente na corrida, mas, desde o início, na repetição, na tenacidade, na regularidade, etc., essencial ao progresso espiritual e desportivo.

O objetivo dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola é sermos mais livres para melhor escolher. E a liberdade é expressa no corpo. O exercício, como se costuma dizer, é eminentemente libertador.

Sociólogo, Pós-Doutorado em Sociologia e em Ciências do Desporto, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática.