«Ronaldo poderia ser basquetebolista de topo»
Vasco Curado, 45 anos, treinador português da equipa de basquetebol do Al Nassr (D. R.)

«Ronaldo poderia ser basquetebolista de topo»

MODALIDADES20.10.202317:21

Conheça o português Vasco Curado, o treinador da equipa de basquetebol dos sauditas do Al Nassr

Era uma vez um português que rumou ao Al Nassr em 2023 e desde criança era apaixonado por uma bola. Com estas três pistas é grande a tentação de identificar o protagonista desta história sem hesitações. Certo é que nem tudo o que parece é. Nas linhas que se seguem surgirá o nome de Cristiano Ronaldo — a resposta mais natural se formos desafiados a mencionar um compatriota ao serviço do clube saudita que o craque colocou no mapa — mas o ator principal desta aventura em Riade é... Vasco Curado.

Quem? A pergunta é compreensível e merece resposta pronta. Trata-se do treinador da equipa de basquetebol do Al Nassr, que, em setembro, aos 45 anos, chegou à capital da Arábia Saudita com o entusiasmo de quem encontrou um oásis na carreira. «Os responsáveis do clube contactaram-me perto do final da época passada. Estavam atentos ao trabalho que fiz nos tunisinos do Club Africain e conversámos. Sei que recolheram muitas informações junto das pessoas com quem trabalhei na Tunísia e pelos vistos ficaram agradados com o que ouviram. Foi relativamente fácil chegar a acordo», contou Vasco Curado, a A BOLA, o mote para enquadrar a temporada que se inicia oficialmente este mês: «Temos três norte-americanos e todos os outros são sauditas. No grupo de jogadores locais apenas dois são profissionais. Todos os outros têm diversas profissões, casos de militares, professores... O que coloca alguns problemas na presença deles nos treinos. A mentalidade também é algo que tenho de trabalhar e melhorar aos poucos. Coisas simples como a pontualidade e a atenção a todos os detalhes que nós, profissionais, temos como adquiridas, não são assim tão lineares aqui.»

O orçamento está muito longe dos valores praticados no futebol. Não me queixo, porque estou aqui com todo o gosto e tenho melhores condições do que na Tunísia, mas são valores normais

Lebron James perto

Ao ritmo do petróleo que jorra no país que é o segundo maior produtor mundial, o futebol saudita criou condições para seduzir estrelas planetárias pagas a peso de ouro... negro. E como é no basquetebol? «O orçamento está muito longe dos valores praticados no futebol. Não me queixo, porque estou aqui com todo o gosto e tenho melhores condições do que na Tunísia, mas são valores normais. Nada de estratosférico, nem pensar», garantiu, atento aos sinais que pairam acentuados por uma incrível memória recente de um dos melhores basquetebolistas da história ali tão perto: «Um dia depois de ter chegado a Riade, o meu adjunto tunisino, mas na Arábia Saudita há 15 anos, disse-me que o LeBron James tinha vindo a Riade numa ação promocional e que ia participar num campo de treinos com rapazes e raparigas sauditas. Foi uma enorme surpresa verificar que era mesmo verdade. Há rumores de que o governo saudita pretende seguir uma estratégia de crescimento no basquetebol tal como aconteceu com o futebol, mas são só rumores.»

Trinta e sete dias mais velho que Cristiano Ronaldo, ambos com 38 anos, a estrela do Los Angeles Lakers prepara-se para iniciar a 21.ª época na NBA. O craque português, esse, deixou os grandes palcos europeus para experimentar as mil e uma noites das arábias. «Se me associam a Ronaldo por sermos compatriotas? Sim, é automático. Os sauditas são bastante simpáticos com os estrangeiros. São amáveis e a maioria fala inglês, quando percebem que somos estrangeiros têm curiosidade em saber de onde somos e o que fazemos», referiu ainda com desejo por realizar: «Infelizmente, nunca falei com Ronaldo. Mas brevemente, de certeza, terei a oportunidade de o conhecer a ele e aos outros portugueses do Al Nassr. Se já o vi em campo ao vivo? Desde que o Cristiano veio para o clube passou a ser muito difícil conseguir bilhetes, mesmo para quem trabalha no Al Nassr. O interesse no futebol é enorme. Apenas assisti ao vivo a um jogo. Quando estão a treinar há até áreas do centro de treinos que não podemos pisar.»

Creio que o Cristiano Ronaldo reúne condições para ser atleta de diversas modalidades. As suas capacidades físicas, ética de trabalho e mentalidade são a base para qualquer desportista de elite

Pronto para voar

Com a capacidade de impulsão que sempre evidenciou, Ronaldo poderia ter trocado a fixação nas balizas pelos cestos? Basta lembrar que já foi visto a faturar de cabeça junto às nuvens — a planar como se fosse Michael Jordan — a 2,93 metros (19/2/2013, no Real Madrid, ante o Manchester United), a 2,56 m (18/12/2019, na Juventus, frente à Sampdoria) e a 2,42 m (6/6/2016, na Selecção, diante de Gales). «Creio que o Cristiano Ronaldo reúne condições para ser atleta de diversas modalidades. As suas capacidades físicas, ética de trabalho e mentalidade são a base para qualquer desportista de elite. Por isso, numa outra realidade, se o Ronaldo se tivesse dedicado a uma outra modalidade em vez do futebol, por exemplo o basquetebol, provavelmente seria também um atleta de topo», elogiou, seguro do que falava.

A influência do meu pai foi muito grande, graças a ele apaixonei-me por este jogo fantástico. Ia com ele a alguns treinos e tentava ir ao máximo de jogos quando ele treinou o Benfica e o Estrelas da Avenida

Capaz de passar despercebido, ao contrário de CR7, Vasco Curado termina com a descrição na primeira pessoa de um dia em Riade: «É simples. Moro perto das instalações do clube, não perco tempo em deslocações. Quase todos os dias temos dois treinos e estou essencialmente focado no trabalho. Quando temos folga procuro visitar o centro de Riade, uma cidade bastante grande e com um trânsito complicado. Tem muita oferta de centros comerciais, zonas de restaurantes, cafés, museus... Há muita oferta de entretenimento.»

Vasco Curado (2.º à esq.) com jogadores e elementos do staff do Al Nassr

Genes de campeão

Filho de José Curado, que liderou o Benfica na conquista de três títulos de campeão nacional de basquetebol na década de 80, Vasco Curado é o primeiro a reconhecer a importância do pai na opção pela carreira de treinador. «A influência do meu pai foi muito grande, graças a ele apaixonei-me por este jogo fantástico. Ia com ele a alguns treinos e tentava ir ao máximo de jogos quando ele treinou o Benfica e o Estrelas da Avenida», recordou, agradecido: «Foi um percurso natural, ele nunca tentou influenciar-me para ser jogador ou treinador. Só me dizia para dar sempre o máximo e ser responsável. Aliás, quando percebeu que eu queria ser profissional procurou avisar-me de que era uma opção bastante exigente e que devia estar preparado para inúmeras dificuldades.»

Joguei em todos os escalões até aos 18 anos. Mas a partir dos 15/16 ficou claro que o talento e as capacidades físicas não seriam suficientes para me destacar

No Sport Algés e Dafundo descobriu, então, uma paixão que dura até hoje. «Comecei a jogar basquetebol aos sete anos, no Sport Algés e Dafundo, e aí fui também praticante de natação e judo. Morava perto, em Linda-a- Velha... Esse foi o clube no qual o meu pai também começou a jogar e depois a treinar. Curiosamente, os meus pais conheceram-se no Algés, pois a minha mãe também jogou lá basquetebol», atirou, entusiasmado: «É um clube com tradição, cultura e mística muito especiais. Alguns dos melhores treinadores do nosso basquetebol começaram ou passaram pelo Algés.» 

Até chegar ao Al Nassr, o caminho foi longo mas percorrido sempre com uma bola a saltar e um cesto por perto. «Joguei em todos os escalões até aos 18 anos. Mas a partir dos 15/16 ficou claro que o talento e as capacidades físicas não seriam suficientes para me destacar. Aos 18 anos, com a entrada na universidade e com uma mudança de residência, deixei de jogar. No entanto, a paixão pelo jogo foi sempre muito forte e, aos 22 anos, decidi fazer o curso de nível 1 de treinador. Um dos formadores do curso, o professor Fernando Jóia, convidou-me para ser seu adjunto na equipa de sub-18 do Algés e aí comecei a minha carreira», enunciou, já senhor de extenso currículo: «Treinei Algés, Queluz, Física de Torres Vedras, Galitos do Barreiro, Club Africain, Stade Nabeulien e Rades, estes três últimos na Tunísia. Depois, nos egípcios do Al Ahly e na seleção da Tunísia fui adjunto de Mário Palma, a mesma posição que ocupei em equipas técnicas lideradas por Fernando Jóia, André Martins, Ricardo Vasconcelos, José Araújo e Manolo Povea.»

Há sete anos, «finalmente», concretizou sonho: «Em 2016 consegui ser treinador profissional, quando Mário Palma me convidou para o ajudar no Club Africain, ao serviço do qual conquistámos o campeonato tunisino.»

Sobre Neemias Queta

Neemias Queta brilha nos Celtics

A chegada de um português à NBA, no caso Neemias Queta, mereceu palavras de elogio de Vasco Curado. «É absolutamente fantástico o percurso do Neemias Queta. Fruto de uma grande capacidade de trabalho e de uma extraordinária força mental. É um exemplo para todos nós. Espero que esta época tenha minutos a sério nos Celtics e não na G League. Já provou que o nível dele está muito acima da G League. Muitas vezes o sucesso dos jogadores na NBA está mais relacionado com o encaixe na estrutura e organização da equipa do que com a qualidade individual. Espero que seja a época da afirmação clara do Neemias como jogador de rotação na NBA», disse.

Ídolos de sempre

Michael Jordan, estrela eterna

De Michael Jordan a LeBron James, ídolos do passado e do presente. «O meu jogador favorito sempre foi o Michael Jordan e continua a ser. O LeBron James tem uma carreira incrível, estar 20 anos consecutivos sempre como um dos melhores jogadores da NBA é algo que nunca aconteceu. Evoluiu muito a partir do segundo ano em Miami e tem uma leitura de jogo e capacidade estratégica bastante acima do normal. É difícil comparar eras, mas creio que estes dois jogadores estão ligeiramente acima de todos os outros grandes jogadores», referiu.