«O desafio que me poderia fazer voltar era o de ser selecionador»

«O desafio que me poderia fazer voltar era o de ser selecionador»

BASQUETEBOL17.12.202301:55

PARTE 1 - Sporting e FC Porto discutem, este domingo (15h), a liderança da Liga e A BOLA conversou com Luís Magalhães, treinador campeão pelos dois. Sente-se bem na reforma e em Portugal só um desafio o faria regressar, mas diz que não com esta federação. Esta é uma primeira parte da longa entrevista do mais titulado técnico do basquetebol português, que, bem ao seu estilo, não poupa palavras e críticas

-Deixou de ser treinador do Sporting há cerca de 18 meses, já tem saudades para voltar ao ativo ou a reforma está-lhe a saber bem? 

— Está-me a saber bem. São 40 anos de carreira e com experiências várias, no basquetebol português, num nível elevado numa liga profissional e tudo mais, e depois no estrangeiro. Ter regressado só foi possível por uma questão de ser o Sporting, das pressões familiares que existiram para isso e das pessoas que estavam no clube também terem manifestado bastante interesse porque, realmente, a motivação era muito pouca. Para quem já andou a um determinado nível, regressar e encontrar as coisas num grau mais baixo é sempre complicado de gerir as emoções.

O Sporting tinha-me convidado para continuar e eu disse que não estava interessado trabalhar mais em Portugal.

— E desde então ainda ninguém o convidou para um clube? 

— Não porque acho que fui claro. O Sporting tinha-me convidado para continuar e eu disse que não estava interessado trabalhar mais em Portugal. Se, eventualmente, surgisse um convite para o estrangeiro que achasse interessante pensaria duas vezes, mas estou a sentir-me muito bem na situação em que me encontro.

— Era o que lhe ia perguntar a seguir: e se lhe surgisse um desafio tentador, era caso para pensar?

— Pensar pode-se sempre. Nunca podemos dizer desta água não beberei. Era uma questão de analisar. Mas agora é tempo de família, de estar disponível para ela e até para nós. As pessoas não têm noção de que para se estar a um determinado nível e para poder ganhar tem que haver um sacrifício grande. Não há família, horas vagas, folgas, não há coisa nenhuma e é muito complicado.

A conquista do campeonato de 2020/21 Fotografia Miguel Nunes/ASF

Em Portugal está fora de hipótese. Cá nem há desafio nenhum. Enquanto estiverem as pessoas que estão na federação, gente que conseguiu fazer um crime de lesa-pátria no basquete – no fundo são as mesmas pessoas que lá estão e continuam a dar tiros nos pés uns atrás dos outros -, não vale a pena.

— E esse bom desafio, neste caso situo em Portugal, é só podendo lutar para ser campeão? 

— Em Portugal está fora de hipótese. Cá nem há desafio nenhum. Enquanto estiverem as pessoas que estão na federação, gente que conseguiu fazer um crime de lesa-pátria no basquete – no fundo são as mesmas pessoas que lá estão e continuam a dar tiros nos pés uns atrás dos outros -, não vale a pena. Aliás, como quase toda a gente que se afastou. Houve uma série de pessoas de valor que se afastaram, ou foram afastadas, da modalidade. Era importante que alguém analisasse e soubesse o porquê dessa situação porque não é normal. 

—E esse desafio aliciante que o pode fazer regressar – e volto a colocar só em Portugal – pode não ser só na função de treinador: coordenador ou dirigente de um clube. Responsável pela formação…

— Qualquer que seja a função, conhecendo-me como conheço, iria ocupar muito tempo. Estaria lá de alma e coração e de forma superprofissional e isso retirava tempo à família e a mim próprio. Não vale a pena.

— Foi por isso que não continuou no Sporting apesar de ter deixado de ser treinador? Ou não existiu essa possibilidade com outras funções desse género? 

— Não existiu porque a ideia nunca foi continuar. A ideia foi sempre sair, ir descansar e dedicar tempo à família. Uma pessoa que é profissional, - o que penso que sou -, qualquer que seja a função temos de agarrá-la como deve ser. Não faz sentido estar a meio gás, estar e não estar… Por isso, neste momento, prefiro não estar em lado nenhum. No entanto, por exemplo, outro desafio que poderia ser interessante era o de selecionador nacional. Mas nunca com esta federação, onde não existe meritocracia, currículos… Não existe nada. É amigos e yes mens, assim nem vale a pena estar a pensar nisso. 

Pedro Nuno Monteiro. à esquerda, atual treinador do Sporting, quando era jogador de Luís Magalhães no FC Porto Fotografia ASF

— Quando se foi embora do Sporting, e já vamos na segunda época, a liderança do basquetebol no clube, aos vários níveis, ficou bem entregue: treinadores, dirigentes, formação, para o caminho que um dia poderá ter imaginado que seria bom. 

— Nem sequer me preocupei com isso. Tive alguma influência na ideia do Pedro Nuno [Monteiro] para o Sporting e parece-me ser, claramente, um dos melhores treinadores portugueses no ativo. Tenho ideia que está a fazer um bom trabalho. Agora, em relação a outro nível de situações, não estou por dentro. 

—Este domingo irá haver um Sporting-FC Porto para a Liga Betclic, vai assistir?

— Vou, fui convidado e informado que, no intervalo, haverá uma homenagem ao antigos campeões nacionais e aceitei o convite.

«Fico zangado a ver o Neemias nos Celtics»

17 dezembro 2023, 08:32

«Fico zangado a ver o Neemias nos Celtics»

PARTE 2 - Na longa entrevista que deu a A BOLA Luís Magalhães conta que não percebe porque o poste português não joga mais nos Celtics pois já provou ter valor, mas entende que, se calhar, o treinador é a pessoa da equipa de Boston que tem menos estatuto

— Continua a acompanhar e assistir aos jogos do campeonato? 

— Não, não nunca mais fui a nenhum pavilhão, só a Alvalade assistir a um ou dois jogos. Mas vou seguindo, mais ou menos de longe, pela internet ou televisão. 

Penso que ambos estão bem servidos, quer o Fernando Sá como o Pedro Nuno são técnicos de uma nova geração, mas que não é assim tão nova

— Como é que vê o FC Porto e o Sporting esta época?

— Quer uma como a outra são diferentes neste momento. Ambos trocaram de treinador e estão na segunda época nos clubes. Por isso começa a aparecer algum trabalho, com os jogadores e clubes a adaptarem-se ao treinador e às suas ideias. Penso que ambos estão bem servidos, quer o Fernando Sá como o Pedro Nuno são técnicos de uma nova geração, mas que não é assim tão nova. São clubes que conseguem ter orçamentos que, para Portugal, são interessantes, só que não tão grandes como o do Benfica, e que lhes permite andarem no topo da classificação e eventualmente a lutar por títulos. Mas sendo candidatos não são favoritos porque realmente o Benfica tem um orçamento e condições que estes não conseguem ter.

Luís Magalhães teve uma passagem gloriosa no FC Porto e só numa temporada ganhou todos os títulos Fotografia ASF

— Tem oito títulos de campeão e tanto ganhou pelo FC Porto e pelo Sporting. Pessoal e profissionalmente quais foram as diferenças entre os dois? 

— Quando cheguei ao FC Porto vinha de três temporadas consecutivas a ser campeão na Portugal Telecom e na anterior o clube havia ficado em 9.º lugar, nem sequer ao play-off passara. Foi interessante fazer uma equipa e na altura foi-me dada alguma carta branca para a construir. Fizemos um grupo agradável que não só ganhou o campeonato como fez a única época que, quer eu como o FC Porto, conseguimos limpa. Vencemos todas as competições. No museu do clube existe uma referência a isso. Só voltei consegui-lo em Angola [1.ª de Agosto] em mais dois ou três anos. 

Portanto, vir do 9.º lugar, persuadir as pessoas a mudar algumas coisas… Foi difícil, não é fácil convencer algumas pessoas e dirigentes no FC Porto a mudar, mas conseguimos. Na altura com o Fernando Gomes, atual presidente da federação de futebol, mais o Fernando Assunção. Pessoas do basquetebol, o que não acontece neste momento. Não sei se ainda são as mesmas, mas são pessoas que nunca conheci no basquetebol. Se calhar é por isso que nunca mais ganharam título nenhum. Mas foi um título que me deu um certo gozo.

Nessa época tive de comprar 12 pares de sapatilhas porque os jogadores não as tinham para jogar.

— E o do Sporting?

— É um sentimento diferente mas também muito interessante. Foi construir uma equipa do zero, ir adquirir jogadores que estavam em formações secundárias, só os americanos é que fomos buscar ao campeão, e convencer todos que era possível vencer. Nessa época tive de comprar 12 pares de sapatilhas porque os jogadores não as tinham para jogar. O basquete estava tão mal e os basquetebolistas recebiam tão pouco – a modalidade tinha dado um grande trambolhão - que quando começamos a treinar eu, e depois o clube, fizemos empréstimos para os atletas poderem viver porque a época terminava e eles deixavam de receber. Houve muitos problemas a esse nível, mas conseguimos formar uma equipa com esses basquetebolistas e a convencê-los a treinar e darem o máximo porque podia acontecer alguma coisa interessante. Foi uma grande guerra com muitas batalhas ganhas que também me deu muito gozo.

— Essa foi a temporada [2019/20] da pandemia. Ficou-lhe sempre no ar a ideia que poderia ter ganho mais um título?

— Sim, estava convencido que sim. Éramos claramente a equipa mais forte, mais consistente, íamos à frente do campeonato e na época seguinte vencemos a Taça e por aí fora. Os próprios jogadores estavam convencidos disso e ficaram bastante tristes por terem parado o campeonato, tinham a certeza de que iam vencer.