PARTE 2 - Na longa entrevista que deu a A BOLA Luís Magalhães conta que não percebe porque o poste português não joga mais nos Celtics pois já provou ter valor, mas entende que, se calhar, o treinador é a pessoa da equipa de Boston que tem menos estatuto
— Nas últimas três épocas Portugal passou a contar com o primeiro jogador a atuar na NBA, Neemias Queta. Para quem até assistiu a nove finais da Liga ao vivo, como viu essa estreia, a permanência e tentativa de crescimento dele?
— Um dos problemas da federação é que a partir dos sub-18 poucos miúdos têm capacidade para jogarem na primeira liga e eventualmente até na segunda. Por isso existe uma grande desmotivação e os miúdos vão-se embora porque acabaram com os campeonatos de sub-22 e sub-23. A federação está interessada mas nunca desenvolveu o basquete. Conseguimos ter miúdos a jogar dos 10 até aos 18 anos e depois mandá-los embora. Não há possibilidade dos miúdos terem mais quatro/cinco anos para andar a treinar e a ver se evoluem.
E o exemplo maior foi o Neemias. Acabou nos juniores e não jogava em lado algum. Felizmente que apareceu alguém que o mandou para os Estados Unidos e passadas três épocas da universidade entrou na NBA. Este é o maior exemplo que a federação poda olhar e ver: ‘Temos de fazer aqui alguma coisa’.
O Neemias tem hipótese de jogar, agarra essa oportunidade, em meia dúzia de minutos faz 7 pontos e 10 ressaltos e no encontro seguinte não joga. Não é normal, mesmo na NBA.
Se pudermos naquela bolsa de talentos que referi mandar alguns miúdos para os Estados Unidos é uma hipótese, todos os outros todos, alguns só explodem a partir dos 18 anos, acabaram com os escalões onde o poderiam fazer. Assim é difícil que tenham motivação para jogarem. O Neemias aparece dessa forma. Mesmo assim, quer a Ticha Penicheiro, pelo tempo que esteve e foi na WNBA, quer agora o Neemias, parece que a federação é muito poucochinho. Não aproveita minimamente as oportunidades. Penso que poderia fazer mais coisas, mas é muito limitada a esse nível.
— Dá-lhe gozo vê-lo jogar, ou estar à espera que entre em campo. Pensou alguma vez, será que um dia ainda irei ver um português na NBA?
— Claro que sim. E fico zangado, a falar sozinho às tantas da noite, por o treinador não o pôr. O miúdo tem muito jeito e não tem deixado ficar mal a equipa quando é lançado. As oportunidades são para se agarrar. O Neemias tem hipótese de jogar, agarra essa oportunidade, em meia dúzia de minutos faz 7 pontos e 10 ressaltos e no encontro seguinte não joga. Não é normal, mesmo na NBA. Não é normal em lado nenhum. E isso irrita-me. E vejo-me sozinho, porque são altas horas da madrugada, a falar sozinho para a televisão e a chamar nomes ao treinador porque acho que isso não se faz.
O treinador, provavelmente, é a pessoa nos Boston Celtics que te menos estatuto e compreendo isso, mas quem não tem coragem para estar nos lugares às vezes não devia lá estar.
— E se fosse treinador de uma equipa que tem grandes hipóteses de ser campeã, como são os Boston Celtics, por vezes também é difícil gerir aquele plantel porque existe um núcleo duro bastante produtivo e os jogos não são fáceis.
— Não tem haver com dar oportunidade por dar. O Neemias entra e produz. Se o faz tem que se experimentar outra vez. Ele continua a produzir e vai ganhando experiência dessa maneira. Agora se entra e produz e fica não sei quantos encontros sem jogar, não faz sentido nenhum. No basquete, como em qualquer coisa na vida, não é assim que se consegue melhorar as pessoas e fazer alguma coisa. Na noite passada estavam dois ou três jogadores grandes lesionados e o Neemias entrou e jogou ate fazer as seis faltas. Mas enquanto lá esteve fez não sei quanto desarmes de lançamento, tem aquela presença lá dento na área, que praticamente mais nenhum consegue e portante é um jogador diferenciado.
PARTE 1 - Sporting e FC Porto discutem, este domingo (15h), a liderança da Liga e A BOLA conversou com Luís Magalhães, treinador campeão pelos dois. Sente-se bem na reforma e em Portugal só um desafio o faria regressar, mas diz que não com esta federação. Esta é uma primeira parte da longa entrevista do mais titulado técnico do basquetebol português, que, bem ao seu estilo, não poupa palavras e críticas
Pela nossa conversa já percebeu que sou a favor da meritocracia. Chegou, teve oportunidade, mostrou que tem qualidade, teve mérito para merecer aqueles minutos, tem que voltar a merecer a seguir. Não pode ficar de fora não sei quantos jogos seguidos. Não faz sentido nenhum qualquer que seja a modalidade. São estatutos. O treinador, provavelmente, é a pessoa nos Boston Celtics que te menos estatuto e compreendo isso, mas quem não tem coragem para estar nos lugares às vezes não devia lá estar.