Norberto Mourão e o doping de Luís Costa: «Foi um diurético, não o beneficiou»
Norberto Mourão (Reuters)

ENTREVISTA A BOLA Norberto Mourão e o doping de Luís Costa: «Foi um diurético, não o beneficiou»

Nesta segunda parte da entrevista ao paracanoísta português, olhamos para a sua participação nos Jogos Paralímpicos em Paris, sem esquecer os tão polémicos casos de doping

Norberto Mourão, paracanoísta português medalhado em Tóquio, chegou a Paris 2024, com um «natural» receio, face a algumas críticas da desorganização e condições dadas aos atletas nos Jogos Olímpicos.

«Na canoagem, nós já estamos habituados a condições piores, principalmente na alimentação. A minha primeira refeição em Paris foi uma posta de salmão, que estava muito boa e não senti nenhum problema», argumentou em conversa com A BOLA.

O mesmo se pode dizer quanto à falta de organização, que não mereceu qualquer razão de queixa. «Os autocarros saíam às horas certas e funcionou tudo muito bem na Aldeia Paralímpica», acrescentou o atleta, que apenas teve contacto com o polémico Rio Sena de passagem, até porque competiu sempre em águas paradas.

Luís Costa? Acredito que tenha sido algum suplemento contaminado e que ele está inocente

Ainda mais polémico nestes Paralímpicos foi a questão do doping que envolveu Simone Fragoso, que se ia competir em powerlifting, e do ciclista Luís Costa, que chegou mesmo a conquistar a medalha de bronze, na final da prova de ciclismo de estrada da classe H5. «A situação da Simone Fragoso só foi falada no primeiro dia e depois à noite tivemos uma reunião onde foi explicada a situação e ela foi logo expulsa da aldeia. Nós acabámos por ultrapassar tudo muito bem. Porque, se não estou em erro, no dia a seguir à notícia foi o dia em que nós alcançámos mais medalhas. O Miguel Monteiro conseguiu a medalha de ouro, tal como a Cristina Gonçalves, e o Diogo Cancela alcançou a medalha de bronze», contou Norberto Mourão, que, naturalmente, teve um contacto direto com tudo o que aconteceu.

«Quando cheguei lá, falámos, com as brincadeiras do costume, porque ela é uma pessoa muito animada. Depois, nunca mais a vi, como também não voltei a ver o seu treinador. Ela eventualmente queria mais do que aquilo que conseguia e acabou com a carreira», acrescentou .Já o caso de Luís Costa, para Norberto Mourão, foi bem diferente. «Foi um diurético, para a tensão alta, que é proibido, mas que não lhe dá benefício nenhum. Acredito que tenha sido algum suplemento contaminado e que está inocente.»

Eu não falhei, os outros é que foram melhores do que eu

Quanto à competição em si, Norberto ficou em quarto lugar, na final de paracanoagem (categoria  VL2), encerrando assim a participação portuguesa, que teve sete medalhas, com um Diploma Olímpico. «Foi uma marca extraordinária numa pista em que as condições não estavam favoráveis para fazer bons tempos. Sabia que ia ser muito difícil chegar às medalhas. Antes da final senti um apoio brutal. Quando disseram o nome dos atletas, foi bom ouvir mais barulho quando disseram o meu nome. Ter a família e o meu filho na bancada deu-me ainda mais força», recordou antes de partir rumo à meta.

«Arranquei a prova da minha forma habitual, porque sou sempre o mais rápido do mundo a arrancar, mas as minhas características são de quebrar um pouco mais no final. Cheguei aos 198 batimentos, fui mesmo ao limite, não havia mesmo mais nada para dar. Eu não falhei, os outros é que foram melhores que eu. Em Tóquio, disse que possivelmente seria a minha única possibilidade de atingir uma medalha. O nível e a idade vão avançando.»

O ouro foi entregue ao paracanoísta brasileiro Fernando Rufino, que no passado sofreu uma perda parcial do movimento das pernas.«O recorde paralímpico estava nos 53 segundos e agora fixou-se nos 50, por um paracanoísta que não devia lá estar… Esperemos que haja coragem e que o façam ir para a classe acima [VL3, para atletas com amputação unilateral e bilateral de membro inferior.]»

Norberto tinha, de facto, prometido uma medalha ao filho, mas, falhada a conquista, recorda como já fez Gustavo feliz este ano: «Eu tinha-lhe dito que ia lá buscar a medalha… foi por pouco, mas também quando foi o Campeonato Europeu, disse-lhe que ia à Hungria buscar a medalha dourada e trouxe-a.»

O apoio dos portugueses num país onde reina… o futebol

Mas a grande força de Norberto em Paris não foi só a família. «Nunca nos faltou apoio dos portugueses, até porque as pessoas sabem que normalmente os atletas paralímpicos trazem mais medalhas do que os olímpicos».

A receção calorosa no regresso a Lisboa foi apenas mais um exemplo: «Assim que saímos do sítio onde vamos levantar as bagagens, vimos as pessoas todas em festa, a chamar pelos nossos nomes e a gritar com cartazes. Foi uma receção extraordinária. Ao nível daquela que tivemos quando viemos de Tóquio.»

Ainda assim, há um claro recado para quem ainda dá pouco valor às modalidades e ao desporto adaptado. «Nós estamos num país em que só se vê futebol e todas as outras modalidades, à exceção de uma ou outra de pavilhão… É só como se existíssemos de quatro em quatro anos», lamentou, dando conta de um exemplo muito específico: «Ninguém sabe nada de nós e pelo que passamos. As pessoas não sabem que eu treino de segunda a sábado e que faço muitas vezes três/quatro treinos por dia.»

E se Norberto Mourão tivesse o poder de mudar as coisas? «É importante começar a praticar desporto na primária. Quem está nos cargos políticos deve começar a pensar mais no desporto logo para os mais jovens, até porque sabemos que o desporto é saúde», argumentou.