Sete medalhas que fizeram história em Paris
Quase todos desconhecidos ou 'underdogs' ajudaram a reescrever a história do desporto olímpico, em geral, e dos seus países em particular. E um deles em português
Centenas de pessoas esperavam o pugilista David Pina, que conquistou a primeira medalha olímpica da história de Cabo Verde, em Paris2024, em Lisboa. O atleta que conquistou o bronze na categoria 51 kg foi recebido em festa, com direito a batucadeiras, que o deixaram com os olhos a brilhar mal pegou na filha, que se apresentou com o mesmo penteado do pai, dois totós na cabeça. «Nem sei como explicar nem como agradecer ao povo cabo-verdiano em Portugal esta mega receção. Agradeço à embaixada de Cabo Verde por ter mobilizado as pessoas para estarem aqui. Estou muito contente», disse David Pina.
«Sei que a minha vida vai mudar. Só o facto de estar a ser recebido aqui desta forma é uma mudança enorme. Espero ter mais mudanças a nível económico e de estabilidade para poder treinar mais pelo meu país», revelou o atleta que teve de trabalhar na construção civil, durante 10 horas por dia, em Portugal para garantir que cumpriria o sonho de criança e, sobretudo, alimentar a família E foi aos jovens que dirigiu palavras de incentivo. «Lutem. As coisas podem ser difíceis, mas acontecem. A persistência, a perseverança e a dedicação são a chave para o sucesso. Lutem. O meu país nunca teve uma medalha. É dar um presente inédito ao meu país. Estou muito orgulhoso e espero dar mais presentes como este», concluiu o pugilista treinado pelo português Bruno Carvalho.
Milhares de pessoas na rua esperaram horas para ver Letsile Tebogo, que ofereceu ao Botsuana a primeira medalha de ouro olímpica batendo todos os favoritos nos 200m, ao correr a distância em 19,46 segundos. Emocionado dedicou a medalha à mãe que morreu em maio, cujas iniciais escreveu nos ténis com que correu, «Porque ela acreditou em mim e eu tinha muitas dúvidas sobre mim mesmo.»
Não satisfeito, ainda ajudou a conquistar a medalha de prata na estafeta 4x400m. Pela primeira vez o Botsuana teve duas medalhas numa edição dos Jogos e uma delas de ouro numa da provas mais importantes. O país tinha uma prata em Londres-2012 (Nijel Amos) e o bronze na estafeta 4x400 em Tóquio-2020.
Em Santa Lúcia, uma pequena ilha das Caraíbas, ninguém sabe quando vai acabar a festa. Desde que Julien Alfred, 23 anos, correu e venceu os 100m e ofereceu a primeira medalha aos 162 mil habitantes que viram, finalmente, a glória chegar após 10,72 segundos à sua terra, depois de tantos sucessos dos vizinhos Jamaica, Trinidad e Tobago, Bahamas ou Barbados. «Quando era criança estava sempre a correr, descalço, mas sempre a correr. Mal temos instalações adequadas. O estádio não está arranjado e espero que esta medalha de ouro ajude Santa Lúcia a construir um novo estádio, para o desporto crescer.»
Era na ginástica que Adriana Ruano Oliva sonhava chegar aos Jogos Olímpicos, o que deveria ter acontecido em Londres-2012, não fosse uma lesão. Ainda levou a bandeira da Guatemala aos Pan Americanos, mas teve de desistir e dedicou-se ao tiro. Em Paris, tornou-se a primeira mulher guatemalteca a ganhar o ouro. De Paris foi ao Vaticano benzer a medalha.
Na Dominica, pequena ilha do Caribe - não confundir com a República Dominicana- também há 70 mil locais em festa desde que Thea Lafond, conquistou a primeira medalha para a delegação de apenas quatro atletas depois de ter sido a única mulher a saltar acima dos 15 metros (15,02m) e conquistar o ouro no triplo salto.
Cindy Ngamba representou, em Paris 2024, 120 milhões de pessoas, tantas quantos são estimados o número de refugiados no Mundo. A pugilista, que vive no Reino Unidos desde os 11 anos, conquistou uma medalha pela primeira vez para a equipa olímpica dos refugiados, neste caso a de bronze.
Cindy nasceu nos Camarões, fugiu para Inglaterra com os pais mas até hoje não conseguiu a cidadania britânica. Assumiu-se como lésbica, o que dá prisão no seu país de origem, e por isso consiguiu asilo, mas tal ainda não lhe permite competir sob a bandeira do país que a acolheu há 15 anos.
Na Europa, a festa fez-se na Albânia, ainda que através de um atleta russo que representou os albaneses. Chermen Valiev ficou com a medalha de bronze nos 74kg da luta greco romana e esta tornou-se a primeira da história albanesa em Jogos Olímpicos.