Antevisão da Volta a França 2024: Tour de um homem só?
Tadej Pogacar é o principal candidato à vitória na Volta a França 2024 (IMAGO)

Antevisão da Volta a França 2024: Tour de um homem só?

CICLISMO29.06.202402:00

Tadej Pogacar é o principal favorito à vitória na 111.ª da Volta a França, que parte este sábado de Florença. Jonas Vingegaard, vencedor das duas últimas edições, é a grande dúvida. Primoz Roglic e Remco Evenepoel estarão à espreita de oportunidade. João Almeida, a estrela lusa

Tadej Pogacar será o homem a bater neste Tour? Estará Vingegaard à altura de defender a camisola amarela? Haverá outros corredores que possam intrometer-se na luta pela vitória? E o que conseguirá João Almeida entre o trabalho de equipa e as aspirações individuais a um lugar de destaque na grande Volta francesa, que parte este sábado de Florença, em Itália?

Este é o resumo das principais expectativas, em especial dos portugueses adeptos do ciclismo, sobre a 11.ª edição da Grande Boucle, a mais importante competição da modalidade do mundo. O terceiro duelo consecutivo entre Pogacar e Vingegaard concentra as maiores atenções. O esloveno, de 25 anos, é o principal candidato a vestir o derradeiro maillot jeune em Nice, no dia 21 de junho, onde o evento terminará pela primeira vez na história fora de Paris, para não perturbar os Jogos Olímpicos que se iniciarão uma semana mais tarde na capital francesa.

Após duas derrotas consecutivas frente ao dinamarquês, que se sucederam a um par de sucessos de Pogacar, contrariando o prognóstico de uma hegemonia duradoura que então se lhe fez, o favoritismo daquele que é por muitos considerado o melhor corredor da atualidade está em forte alta, na sequência da vitória retumbante no Giro, em maio, onde demonstrou superioridade esmagadora.

Na quarta-feira, numa entrevista publicada no site da sua equipa, Tadej Pogacar declarava que estava ainda melhor forma do que no Giro, superando as suas expectativas e que, «para ser sincero» - palavras do esloveno -, nunca se sentira tão bem numa bicicleta como agora, às vésperas do Tour.

No entanto, na quinta-feira, antes da apresentação das formações em Florença, o esloveno revelou ter acusado positivo para covid há dez dias. Após a vitória esmagadora no Giro e de ter «relaxado e comido bem durante alguns dias», Pogacar seguiu para estágio em altitude com a sua equipa nos Alpes, em Isola 2000, primeiramente interrompido pelo falecimento do seu avô e depois por infeção por coronavírus. «Fiquei doente e senti-me muito cansado. Felizmente, a forma parece ter voltado a 100 por cento», declarou o corredor em conferência de imprensa na capital italiana do Renascimento.

«Fiquei meio em dúvida por causa disso, mas recuperei muito bem do covid, não foi assim tão grave. Honestamente, sinto-me bem», reforçou Pogi, que terá, ao seu serviço, uma equipa de luxo, o melhor lote de corredores para competir numa grande Volta que se poderia reunir na UAE Emirates, incluindo o português João Almeida.

A dúvida Vingegaard

De qualquer modo, poderá argumentar-se, com legitimidade, que os adversários de Tadej Pogacar na Volta a Itália não eram da igualha dos que terá em França, principalmente de Vingegaard, que, reforce-se, vergou-o a desaires inequívocos nas duas últimas edições. Todavia, sobre o líder da Visma-Lease a Bike recaem uma dúvida fundamental: estará em condições de lutar pela vitória com tão poderoso rival – e apenas referindo o que é apontado como o mais forte -, depois das graves lesões sofridas na queda na Volta ao País Basco, no início de abril, e do indispensável período de recuperação?

A aferir pelas declarações do corredor nórdico na quinta-feira, também estará incerto sobre a sua capacidade. «O que vier neste Tour é um extra», começou por dizer Vingegaard, que passou o último mês submetido a aturado programa de preparação, num estágio em altitude, em Tignes, nos Alpes. «Um dia pensava que conseguiria, no seguinte, já não. O meu sentimento era muito volátil, mas quero lutar», revela o corredor, de 27 anos.

«Estou satisfeito por estar aqui, para mim já é uma vitória. Espero alcançar o melhor resultado possível na classificação, mas, sinceramente, o acidente foi muito grave. A parte mais difícil foi voltar ao meu nível. Tive de fazer uma longa pausa para recuperar totalmente das lesões antes de retomar os treinos. Pude treinar normalmente e bem, mas é diferente. Tenho trabalhado bastante e a minha forma não está má. Fiz tudo que pude para estar pronto. Tenho os meus objetivos, e depois logo se verá… Mas não sei que consequência terão as duas semanas que passei numa cama de hospital», reconhece o vencedor do Tour em 2022 e 2023, para assumir ainda: «Sem a queda, sem dúvida, lutaria pela vitória final, mas este acidente mudou tudo!».

Nos últimos dias, Vingegaard sofreu ainda outro revés às suas ambições: a indisponibilidade, por doença (covid) de Sepp Kuss, companheiro de equipa que foi crucial para aqueles êxitos, com o seu apoio nas etapas de montanha.

Roglic e Evenepoel: os ‘outsiders’

Primoz Roglic será o líder da Red-Bull BORA-hansgrohe, renomeada equipa germânica na sequência da entrada da gigante austríaca das bebidas energéticas para acionista maioritária (51% do capital). O esloveno, vencedor de quatro grandes Voltas (Espanha em 2019, 2020 e 2021; e Itália em 2023) regressa à Grande Boucle com a ambição de conquistar a camisola amarela, e poderá vir a ser o principal adversário de Tadej Pogacar.

As incertezas que rodeiam o estado de forma de Jonas Vingegaard e as dúvidas sobre a capacidade de Remco Evenepoel na alta montanha podem elevar-lhe o estatuto de outsider a efetivo candidato. Quatro anos depois da profunda desilusão na crono-escalada na Planche des Belles Filles, quando perdeu o Tour no penúltimo dia para o então surpreendente jovem-prodígio Pogacar e depois de ter desistido nas duas últimas participações, Roglic ainda ambiciona vencer o Tour.

No entanto, aos 34 anos, o tempo está a esgotar-se para o antigo saltador de esqui. «É verdade, tenho 34 anos, mas ainda me sinto jovem e não me preocupo com isso. Troquei de equipa para ter a oportunidade de vencer o Tour, e agora há duas possibilidades: ganho ou não ganho. E no próximo ano haverá outro Tour. Só quero não me arrepender e fazer tudo o que me for possível», declara, sempre pragmático, Primoz Roglic, que vem de um triunfo no Critério do Dauphiné e terá ao seu lado o russo Aleksandr Vlasov e o australiano Jai Hindley, dois tenentes de grande nível nas montanhas.

«O Tour dura três semanas e temos de resistir do primeiro ao último dia. Já vai haver uma grande luta na 1.ª e 2.ª etapas, depois o colosso Galibier à 4.ª, o contrarrelógio e a etapa de gravilha. Será uma primeira semana louca. E coisas ainda mais difíceis virão», alerta Roglic.

O menos favorito do quarteto candidato à camisola amarela é Remco Evenepoel, que se estreia no Tour aos 24 anos. Líder da Soudal Quick-Step, formada para o apoiar de modo incondicional, Evenepoel diz que terá uma abordagem conservadora à corrida. «Vou tentar ficar o mais tranquilo possível a cada dia. Tenho de ser inteligentes, o Tour não dura uma semana, são três longas semanas. Tenho de me proteger o mais possível, ficar um pouco mais recatado na corrida, analisar como está esta a desenvolver-se. Acredito nos meus pontos fortes, nas minhas pernas e na minha equipa».

Após o Critério do Dauphiné, em que se não conseguiu lutar pelos primeiros lugares da geral - «como esperava» - o belga assegura ter trabalhado bem durante as semanas que se seguiram para se apresentar na melhor forma possível. «Trabalhei duro no estágio em altitude e em casa também. Fiz o trabalho que tinha de fazer após analisar o meu desempenho no Dauphiné», adianta Evenepoel, que não se reservou a revelar quem, na sua opinião, é o grande favorito à vitória no Tour. «Prevejo que Pogacar seja quase inatingível. O que mostrou no Giro foi impressionante, e sem que tivesse de se empenhar a fundo. Será o homem a bater neste Tour».

Os portugueses: a estrela e o duo da experiência

João Almeida é a estrela da companhia no contigente português na 111.ª edição da Volta a França. O corredor da UAE Emirates faz a estreia na prova, a sua sétima grande Volta em cinco anos de profissionalismo, após quatro Giros (incluindo um 3.º [2023] e um 4.º [2020] lugares à geral) e duas Vueltas (5.º em 2022), e estará integrando numa equipa de luxo, com o objetivo de ajudar Tadej Pogacar a vencer o terceiro Tour.

O português, de 25 anos, mostrou grande forma há duas semanas na Volta à Suíça (2.º na classificação geral atrás do companheiro de formação Adam Yates e vencedor de duas etapas), e em recente entrevista a A BOLA revelou-se confiante e motivado.

«Espero fazer uma boa corrida, estar com os homens da frente e também causar alguns estragos, tal como fiz na Volta à Catalunha. Além disso, alcançar a um bom lugar na classificação geral não está descartado, eu diria», declarou Almeida, que refutou haver plano B a Pogacar. «Não há, ainda nem falámos sobre isso, o nosso líder é o Pogacar, vamos com a ambição de vencer com ele, e se alguma coisa mudar será por azar, quedas, etc., que espero que não aconteça. O plano da equipa é muito claro: ajudar Tadej a vencer o Tour», esclareceu.

Nelson Oliveira vai correr a oitava Volta a França na sua carreira com dois objetivos que persegue desde sempre, um pessoal e o outro coletivo. O corredor, de 35 anos, foi selecionado pela sua equipa, a espanhola Movistar, para a corrida francesa pela terceira vez consecutiva e ambiciona o mesmo que na estreia: vencer uma etapa e contribuir, com o seu trabalho, para a vitória do seu líder na classificação geral, metas que o português ainda não alcançou na Grande Boucle.

«Como sou, como se costuma dizer, um homem de trabalho, irei tudo fazer para ajudar o nosso líder Enric Mas a atingir a melhor classificação possível. Digo ‘possível’, porque os dois primeiros lugares parecem já destinados (risos) [referindo-se a Tadej Pogacar e Jonas Vingegaard, os principais candidatos à vitória final], mas o pódio ou, pelo menos, o top-10 cremos serem alcançáveis, porque o Enric [Mas] encontra-se bem fisicamente», começou por explicar a A BOLA o corredor natural de Anadia.

À oitava tentativa, Oliveira reassume: «Espreitarei oportunidades de vencer uma etapa. É o meu oitavo Tour, mas ainda quero ganhar uma etapa. Um dia poderá ser o meu dia… Haverá 21 dias para o tentar, mas 200 corredores no pico de forma também com esse objetivo. É difícil, porém, não será impossível», declara Nelson Oliveira, que tem um terceiro lugar como melhor classificação em etapa do Tour, em 2016, em ano de estreia pela Movistar, na 13.ª tirada, um contrarrelógio individual em que foi superado apenas por Chris Froome (2.º e futuro vencedor da geral) e o neerlandês Tom Dumoulin.

O terceiro português nesta edição do Tour é outro corredor experiente, Rui Costa. Recém-coroado campeão nacional, fará a 12.ª participação na prova francesa - em que já venceu três etapas - e a 17.ª em grandes Voltas. O poveiro, que esta temporada se transferiu para a equipa norte-americana EF-Education-EasyPost, esteve quase quatro meses sem competir, a recuperar de fratura de omoplata sofrida numa queda na Volta ao Algarve, tendo regressado às corridas apenas no início de junho. «Perdi muitos dias de competição. Parto para o Tour com sensivelmente 15 dias de competição. Nos outros anos, tinha mais. Sem dúvida que era importante ter mais ritmo competitivo, mas também é certo que também arranco mais fresco», referiu o corredor, de 3 anos.

As 21 etapas

Data Etapa Percurso Distância
29 jun 1.ª Florença-Rimini 206 km
30 jun 2.ª Cesenatico-Bolonha 198,7 km
01 jul 3.ª Piacenza-Turim 230,5 km
02 jul 4.ª Pinerolo-Valloire 139,6 km
03 jul 5.ª Saint-Jean-de-Maurienne-Saint-Vulbas 177,4 km
04 jul 6.ª Mâcon-Dijon 163,5 km
05 jul 7.ª Nuits-Saint-Georges-Gevrey-Chambertin 25,3 km (CRI)
06 jul 8.ª Semur-en-Auxois-Colombey-les-Deux-Eglises 183,4 km
07 jul 9.ª Troyes-Troyes 199 km
08 jul Dia de descanso
09 jul 10.ª Orléans-Saint-Armand-Montrond 187,3 km
10 jul 11.ª Evaux-les-Bains-Le Lioran 211 km
11 jul 12.ª Aurillac-Villeneuve-sur-Lot 203,6 km
12 jul 13.ª Agen - Pau, 165,3 km
13 jul 14.ª Pau-Saint-Lary-Soulan (Pla d'Adet) 151,9 km
14 jul 15.ª Loudenvielle-Plateau de Beille 197,7 km
15 jul Dia de descanso
16 jul 16.ª Gruissan - Nîmes, 188,6 km
17 jul 17.ª Saint-Paul-Trois-Châteaux-Superdévoluy 177,8 km
18 jul 18.ª Gap-Barcelonnette 179,5 km
19 jul 19.ª Embrun-Isola 2000 144,6 km
20 jul 20.ª Nice-Col de la Couillole 132,8 km
21 jul 21.ª Mónaco-Nice 33,7 km (CRI)

Os candidatos

Nome: Jonas Vingegaard
Data de nascimento: 10 de dezembro de 1996 (27 anos)
Naturalidade: Hillerslev
Nacionalidade: Dinamarquesa
Equipa: Visma-Lease a Bike.
Vitórias: 34
Estreia no Tour: 2021.
Melhor classificação no Tour: 1.º (2023 e 2022)
Principal palmarés: Volta a França (2023 e 2022), Tirreno Adriático (2024), Critério do Dauphiné (2023), 2.º na Vuelta (2023), 2.º no Tour (2021).

Nome: Tadej Pogacar
Data de nascimento: 21 de setembro de 1998 (25 anos)
Naturalidade: Komenda
Nacionalidade: Eslovena
Equipa: UAE Emirates
Vitórias: 77
Estreia no Tour: 2020.
Melhor classificação no Tour: 1.º (2022 e 2021)
Principal palmarés: Volta a França (2021 e 2020, Volta a Itália (2024), Liège-Bastogne-Liège (2024 e 2021), Volta à Catalunha (2024), Strade Bianche (2024 e 2022), Volta à Lombardia (2023, 2022 e 2021), Flèche Wallonne (2023), Amstel Gold Race (2023), Volta a Flandres (2023), Paris-Nice (2023), Tirreno-Adriático (2022 e 2021), 2.º no Tour (2023 e 2022), 3.º na Vuelta (2019).

Nome: Primoz Roglic.
Data de nascimento: 29 de outubro de 1989 (34 anos)
Naturalidade: Trbovlje
Nacionalidade: Eslovena
Equipa: Red Bull-BORA-hansgrohe
Vitórias: 84
Estreia no Tour: 2017
Melhor classificação no Tour: 2.º (2020)
Principal Palmarés: Volta a Itália (2023), Volta a Espanha (2021, 2020 e 2019), Critério do Dauphiné (2024 e 2022), Tirreno-Adriático (2023 e 2019), Paris-Nice (2022), Liège-Bastogne-Liège (2020), Volta à Romandia (2019 e 2018), campeão olímpico de contrarrelógio Tóquio-2020 (2021), 2.º no Tour (2020), 3.º na Vuelta (2023).


Nome: Remco Evenepoel.
Data de nascimento: 25 de janeiro de 2000 (24 anos)
Naturalidade: Aalst
Nacionalidade: Belga
Equipa: Soudal Quick-Step
Vitórias: 55
Estreia no Tour: 2024
Principal palmarés: Volta a Espanha (2022), Liège-Bastogne-Liège (2023 e 2022), Clássica de San Sebastian (2023, 2022 e 2019), campeão mundial de contrarrelógio (2023), campeão mundial de fundo (2022), campeão europeu de contrarrelógio (2019).

Os últimos 10 vencedores do Tour

AnoVencedor País
2023 Jonas Vingegaard Din
2022 Jonas Vingegaard Din
2021 Tadej Pogacar Slo
2020 Tadej Pogacar Slo
2019 Egan Bernal Col
2018 Geraint Thomas GB
2017 Chris Froome GB
2016 Chris Froome GB
2015 Chris Froome GB
2014 Vincenzo Nibali Ita

Melhores portugueses no Tour

Classificação geral:
Joaquim Agostinho: 3.º lugar (1978 e 79)
José Azevedo: 5.º lugar (2004); 6.º lugar (2002)

Vitórias em etapas
Joaquim Agostinho: 4 (1969: 5.ª e 14.ª; 1973: 16.ª b; 1979: 17.ª)
Acácio da Silva: 3 (1987: 3.ª;1988: 4.ª, 1989: 1.ª)
Rui Costa: 3 (2011: 8.ª; 2013: 16.ª e 19.ª)
Paulo Ferreira: 1 (1984: 5.ª)
Sérgio Paulinho: 1 (2010: 10.ª)