REPORTAGEM A BOLA Sintrense: um histórico renovado que sonha derrubar o dragão
Em semana de Taça de Portugal, A BOLA visitou as instalações do Sintrense, adversário do FC Porto na 3.ª eliminatória. Um clube histórico, com mais de um século de vida, que passa por um processo de renovação e ambiciona 'voos mais altos'
Por entre a paisagem verdejante de Sintra, com o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros como cenário de fundo, situa-se o estádio do Sport União Sintrense. À primeira vista, as bilheteiras ‘à antiga’, com as janelas escuras numa parede branca, apelam à nostalgia e chamam a atenção de quem passa. Na fachada do recinto, um enferrujado símbolo do clube, com a data de fundação – 1911 – por baixo, dá as boas-vindas aos adeptos.
Por dentro do estádio, reinam as cores do emblema. O azul e o amarelo, característicos do Sintrense, são ‘ameaçados’ apenas pelo verde do relvado, que conta com 35 primaveras vividas. No entanto, nota-se que, apesar das marcas da história, é um clube em mudança. As bancadas, já com um tom esbatido e desgastadas pelo tempo, contrastam com as novas instalações (balneários, salas de reuniões, gabinetes e até os bancos de suplentes), que são fruto do investimento da SAD, que tomou posse em maio e que pretende continuar o processo de rejuvenescimento.
«Nós temos de acreditar. O acreditar faz parte»
É neste ambiente de renovação que o Sintrense se desloca até à Reboleira, terreno do Estrela da Amadora, que servirá como casa emprestada da formação do Campeonato de Portugal na partida diante do FC Porto (domingo, às 17 horas), para a 3.ª eliminatória da Taça de Portugal. Um autêntico ‘David contra Golias’, que não assusta o treinador da formação de Sintra, Pedro D’Oliveira, que, apesar de sublinhar a dificuldade da partida, admitiu que a surpresa está na cabeça de todos.
«Tem de estar. Se não estiver, estamos a enganar-nos a nós próprios. Temos de sentir que é palpável ter sucesso neste jogo. Se não, não íamos treinar durante a semana, não íamos estar, se calhar até às tantas da manhã, a preparar o que é um jogo contra o FC Porto. Nós temos de acreditar. O acreditar faz parte. É aproximar tudo o que é um sonho, do que é um objetivo, e no final logo veremos», disse a A BOLA o técnico, revelando, de seguida, que não alterou, em nada, a preparação da equipa: «A nossa missão foi não mudar nada. Se acreditamos que damos o máximo, que fazemos da maneira mais profissional possível, se mudássemos era mau sinal.»
«Nós acreditamos que se fizermos algo de muito diferente, estamos mais perto do insucesso. Acreditamos muito nisso. Estamos a trabalhar há quatro meses segundo uma ideia. O que é a parte tática, o que é o sistema de jogo, isso pode sempre variar, mas o que são as nossas dinâmicas no jogo, técnicas, táticas, físicas, psicológicas, socio-afetivas, têm de ser sempre as mesmas, porque é aquilo que acreditamos», continuou.
Quanto a Tomás Raínho (guarda-redes) e Rodrigo Luís (defesa-central), jovens jogadores de 23 anos, os sorrisos nos rostos tornam impossível de esconder o entusiasmo quando se fala no jogo. Apesar de terem consciência da dimensão da partida, não deitam a ‘toalha ao chão’.
«Se não acreditássemos não estávamos aqui a treinar no limite. Agora, sabemos que são 90 minutos e é contra uma equipa de um contexto muito acima do nosso. Mas milagres acontecem. Lógico que, dando percentagens, é talvez 5%, mas temos de, pelo menos, lutar por isso. E depois é bola para a frente e ver o que acontece», disse o guardião, que é o único elemento do Sintrense que esteve presente na última vez que ambos os clubes se defrontaram, em 2021, que terminou com uma vitória azul e branca, por 0-5.
«É um misto de emoções. Ficamos muito contentes por ser um grande, mas também queríamos ter uma expectativa de passar mais uma eliminatória e claro que, como é o FC Porto, fica mais difícil. Mas não é impossível e trabalhámos esta semana para tal. Vamos à procura de passar a eliminatória», referiu o central, que sublinhou a humildade e a união do grupo.
Para além da importância de disputar uma partida frente a um grande, este encontro afigura-se como uma oportunidade de o Sintrense realizar um importante encaixe financeiro, como contou Jorge Gurita, administrador da SAD: «Este jogo é aquilo que eu planeava, com que que eu sempre sonhei a partir do momento em que nós conseguimos passar a segunda eliminatória. Concretizou-se o sonho, o que é muito bom para nos dar uma certa ajuda, em termos financeiros, para o campeonato, como é lógico.»
«Quando entramos em campo, é sempre com um intuito: ganhar. Agora, não somos lunáticos, sabemos perfeitamente a diferença que existe entre uma equipa como o FC Porto e o Sintrense. Agora, não damos a derrota de bom agrado, vamos lutar para que as coisas corram bem», declarou o dirigente, admitindo, ainda, que, apesar da vontade da direção, o estádio do Sintrense não possui as condições necessárias, em termos de iluminação e capacidade, para receber uma partida desta dimensão.
A olhar para o topo
Sobre os objetivos da SAD, da qual o internacional português Nani é investidor, Jorge Gurita afirmou que a chegada à elite do futebol nacional é o principal foco da administração, revelando que a estratégia passa por uma aposta em jogadores jovens e por uma melhoria nas infraestruturas: «O nosso lema é ‘Rumo ao topo’. Nós entrámos aqui com a intenção de dar projeção a este clube, de levá-lo, passo a passo, a subir nos vários escalões do futebol português. E o nosso objetivo é irmos o mais longe possível e chegar o mais acima possível. Se vai demorar um ano, dois, três, quatro, cinco… é o tempo que for, mas o que queremos mesmo é chegar ao topo.»
E, aos poucos, as instalações do Sintrense vão sendo melhoradas. O balneário da equipa da casa, onde as cores do clube sobressaem, foi renovado, assim como o balneário da equipa de arbitragem, que ainda cheira a novo. A sala dos treinadores, com cadeiras e mesas novas e relva sintética no chão, mostra a preocupação em dar condições aos elementos do clube e serve de augúrio ao que está para vir.
Para já, o Sintrense disputa a série D do Campeonato de Portugal, ocupando a primeira posição, em igualdade pontual com o Louletano e o Lusitano de Évora. A promoção à Liga 3, pela primeira vez na história do clube, está no horizonte e é algo presente na cabeça dos jogadores.
«O nosso objetivo é a subida à Liga 3. Lógico que sabemos que é complicado. Eu estou há bastante tempo sempre em contexto de ‘ah, é para subir, é para subir’ e sabemos que não é assim tão fácil. Agora, temos uma boa equipa, acho que temos todas as peças, todo o contexto, a SAD também ajuda muito nisso, de lutarmos. Acho que é muito possível subirmos à Liga 3», constatou Tomás Raínho.
«Quando viemos para cá, foi-nos logo dito que o objetivo era a subida de divisão. Começar bem o campeonato penso que é o mais difícil e conseguimos, com uma vitória no Fabril [0-1]. Estamos a dar continuidade e estamos com expectativas relativamente normais. Sabemos o que é que podemos dar e o que é que temos de fazer. É lutar pelos três pontos em cada jogo. Empatámos algumas vezes, mas o nosso objetivo é sempre ganhar», afirmou Rodrigo Luís.
Já o técnico, é mais cauteloso nas palavras: «Eu tenho sempre dificuldade em dizer que o objetivo é a promoção nestes campeonatos, porque a diferença competitiva, individual e coletiva, não é assim tão grande. Na primeira liga, os candidatos são sempre os mesmos e isso tem a ver com o nível estrutural e financeiro. Aqui é difícil, se jogarmos contra a equipa menos competente do campeonato ou contra a equipa mais competente, não vamos conseguir ver essas diferenças todas.»
«Não podemos esconder que é um projeto muito ambicioso. Tudo o que é estrutura, tem uma ideia, nós temos a mesma ideia e os jogadores também. Na pior das hipóteses, aquilo com que nos comprometemos é que, no final do ano, os jogadores vão estar mais valorizados, a equipa técnica vai estar mais valorizada, a direção e o projeto vão estar mais valorizados. Acreditamos que os adeptos vão estar mais por dentro, que a direção vai estar mais preparada, que os jogadores vão querer muito mais vir para o Sintrense no ano que vem do que este ano e esse é o nosso principal objetivo», garantiu.
«Os jogadores fazem esforços que o público em geral não tem noção»
Sendo um plantel semiprofissional, o treinador admitiu algumas dificuldades, mas vincou que a exigência está sempre presente: «Os jogadores fazem esforços que o público em geral não tem noção. Há jogadores aqui que, durante meses, não têm folgas. Porque, à segunda-feira, se damos a folga, eles estão a trabalhar. Depois ainda têm filhos ou família, que têm de dar atenção e no dia a seguir têm de estar aqui, para treinar e dar o máximo. E nós cobramos esse máximo. Essa é a gestão mais difícil, é tentarmos controlar os fatores que não têm a ver com o treino e com o jogo.»
Aos 28 anos, Pedro D’Oliveira confessou que desde muito jovem já tinha o desejo de ser treinador, revelando que teve uma «parte racional bem apurada» que o fez perceber que não teria sucesso como jogador. Apesar da idade, garantiu que o futuro não é algo que esteja no pensamento e abordou, ainda, como gere um plantel com jogadores mais velhos que ele: «Não podemos pensar no futuro. Temos os nossos sonhos, mas, para tornar os nossos sonhos em objetivos, sinto que quanto mais [olharmos] para o agora, que é aquilo que conseguimos controlar, e menos para o futuro, que não sabemos se conseguimos controlar, mais perto estamos de atingir aquilo que sonhamos.»
«Muitas vezes é mais difícil liderar um miúdo cheio de ambição, que não percebe ainda os fatores que ele não controla e se preocupa muito com esses fatores, do que um jogador de 33 anos, que já viveu muitas vitórias e muitas derrotas e sabe quando e como é que tem de estar equilibrado. Nós tentamos ‘beber’ deles. Eu tenho aqui muitos jogadores que me têm dado muito enquanto treinador e têm dado muito ao grupo em termos de liderança. Temos de ser inteligentes e aproveitar isso», referiu.
Faça chuva ou faça sol, está sempre lá
Das bancadas, a formação sintrense pode contar com o apoio de Paulo Santos, conhecido adepto do clube, que, seja em casa seja fora, faça chuva ou faça sol, está sempre presente. Uma paixão que nasceu há várias décadas e que continua intensa: «Este amor surgiu há 35 anos. Com 13 anos, joguei aqui neste clube e foi um sentimento que ficou. Até estou arrepiado. Isto é mesmo um sentimento a sério. Tento fazer o meu melhor para ajudar todos os treinadores e jogadores que têm passado por este clube. Tenho criado grandes amizades e tento estar sempre presente quando é preciso, nas horas boas e, principalmente, nas horas más.»
Das várias viagens que já fez para apoiar o Sintrense, Paulo Santos destacou uma que fez aos Açores, sozinho: «Fui sozinho aos Açores. Não estava lá mais ninguém, porque às vezes vão pais de jogadores e famílias, mas não estava lá ninguém, e os açorianos estavam todos contentes de ver uma pessoa sozinha. Acabei por beber uns copos com eles e almoçar depois. Tenho corrido o país todo.»
Sobre as ambições que tem para o clube, não escondeu o sonho de chegar à primeira divisão, mas não a todo o custo: «Gostava de ver o Sintrense na primeira divisão. Agora, eu tenho a consciência, que temos de criar as estruturas todas, primeiro, e depois é que temos de chegar à base acima. Não vamos dar um passo maior que a perna, porque já vimos vários clubes que estiveram lá em cima e depois foram caindo para os distritais. Não quero isso para o meu clube. Quero passos dados com calma, como está a ser feito, para depois, quando chegarmos lá acima, na divisão que seja, cimentarmo-nos até chegarmos à primeira, que é o objetivo.»
Por fim, Paulo abordou o jogo frente ao FC Porto e admitiu um «sentimento agridoce», mostrando, no entanto, esperança na vitória: «É um sentimento agridoce. O meu prazer era que se jogasse aqui neste campo [Estádio do Sintrense]. É neste campo que merecia jogar o FC Porto. Mas sabemos que as televisões, e tudo à volta, mexe muito e o nosso campo não tem ainda as condições necessárias para esse tipo de eventos. Estão a ser construídas, com calma vão-se construir.»
«A expectativa é sempre ganhar. Este meu clube, entra sempre para ganhar. Sabemos que não vai ser fácil, mas é a bola lá dentro. Aqui, dentro do campo, 11 para 11, é que se joga à bola. Já aconteceu surpresas, porque não podemos ser uma surpresa?», concluiu.