Sindicato dos Jogadores «estupefacto» com perdão a treinador acusado de assédio sexual
Joaquim Evangelista é presidente do Sindicato dos Jogadores (Sérgio Miguel Santos/ASF)

Sindicato dos Jogadores «estupefacto» com perdão a treinador acusado de assédio sexual

NACIONAL21.10.202313:39

SJ contesta decisão do TAD, que classifica de «arrepiante» e diz que «não são factos suscetíveis de serem amnistiados»

O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) deu como anuladas as cinco infrações disciplinares muito graves aplicadas ao ex-treinador da equipa feminina do Famalicão, Miguel Afonso, ao abrigo da lei da amnistia aprovada no âmbito da Jornada Mundial da Juventude. Recorde-se que o treinador tinha sido castigado com 35 meses de suspensão e uma multa de 5100 euros por assédio sexual e discriminação.

«Delibera o Colégio Arbitral, por maioria: considerar aplicável a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, que estabelece o perdão de penas e amnistia de infrações, ao caso concreto e considerar abrangidas pela amnistia as infrações pelas quais o demandante foi condenado, as quais são declaradas extintas», lê-se no acórdão de 18 de outubro de 2023, e publicado pelo Jornal de Notícias na sexta-feira.

Segundo apurou A BOLA, entre os juízes do TAD, Maria de Fátima Ribeiro, indicada pela FPF, votou vencida. A Federação Portuguesa de Futebol já recorreu desta amnistia.

O Sindicato dos Jogadores entende que a decisão é «inaceitável», demonstra «insensibilidade» e « frustra a confiança nas decisões do TAD», diz um comunicado do organismo presidido por Joaquim Evangelista.

«Na sequência da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) conhecida esta sexta-feira relativamente ao levantamento da suspensão ao antigo treinador da equipa feminina do FC Famalicão, Miguel Afonso, arguido num caso de assédio sexual a jogadoras do plantel que orientava, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF) deseja comunicar o seguinte:

«O SJPF foi surpreendido com esta decisão e foi com a maior estupefação que constatou a ligeireza e insensibilidade demonstrada pelo TAD.

Trata-se de uma decisão juridicamente errada, cuja fundamentação é absolutamente inaceitável.

Esta interpretação da abrangência da amnistia papal que gera a maior intranquilidade no meio do desporto, sobretudo na vertente feminina, e frustra a confiança nas decisões do TAD.

Como é sabido, no processo disciplinar tramitado na FPF foi dada como provada a prática de atos gravíssimos pelo arguido Miguel Ângelo da Silva Afonso, atos esses que foram, aliás, confirmados pelo TAD na sua decisão de confirmação da decisão do Conselho de Disciplina da FPF.

Estamos a falar de factos, considerados provados pelo Tribunal Arbitral na sua decisão, que são passíveis de constituir ilícitos penais enquadráveis em crimes previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal, ou seja, crimes “contra a liberdade e a autodeterminação sexual”.

É óbvio que tais factos não são suscetíveis de serem amnistiados, porquanto, no que respeita às infrações disciplinares, para poderem estar abrangidas pela amnistia, não podem constituir, em simultâneo, ilícitos penais não amnistiados pela lei e cuja sanção aplicável seja superior à suspensão (cfr. a alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º e artigo 6.º da referida Lei).

Por outras palavras, quando os factos que levaram à aplicação da sanção disciplinar sejam passíveis de integrar um ilícito criminal não amnistiado, não pode esse ilícito disciplinar estar abrangido pela amnistia.

Ora, no elenco do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, que enumera os ilícitos penais não amnistiados, constam os crimes “contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal”.

A tese sufragada pelo TAD, de que para que se verificasse a exceção teria de existir um processo criminal, ou mesmo uma condenação, é um verdadeiro disparate. Como é óbvio, basta que, em abstrato, o tribunal possa qualificar os factos naquele tipo de crimes, o que o TAD estava em condições de fazer sem qualquer tipo de dificuldades.

A ligeireza com que o TAD deixa, assim, impune no mundo do desporto a prática de factos absolutamente intoleráveis, é arrepiante!

Resta ao Sindicato, para além de manifestar o mais vivo repúdio pela decisão em causa, apelar à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) para que recorra da mesma e não pactue com o branqueamento que ela encerra!

Finalmente, queremos deixar uma mensagem de confiança às jogadoras vítimas de assédio, garantindo que estaremos ao seu lado e tudo faremos para erradicar do futebol estas práticas.»

Notícia atualizada às 17h11