HISTÓRIAS DO CLÁSSICO Salvo da II divisão, FC Porto ganhou ao Benfica e foi campeão (e campeão voltou a ser com sangue a correr pelo rosto de Águas)
Por mais uma viagem pelas estórias mais escondidas da história pode descobrir-se o que é que aconteceu o presidente do FC Porto que pode ter levado Florbela Espanca ao suicídio depois de tirar a sua equipa do quando o Benfica já lhe ganhava por 6-0; por que é que houve quem dissesse que os jogadores portistas estava bêbados após o descalabro que benfiquistas lhes causaram; e como é que empate na Luz se tornou numa grande vitória (e o treinador foi despedido por bater ao tesoureiro…)
Durante as quatro edições do Campeonato da I Liga, o FC Porto (apesar de campeão na sua primeira edição) não conseguiu uma única vitória em Lisboa perante o Benfica – e pior: vergado a derrota por 5-1 saiu uma vez das Amoreiras, vergado a derrota por 6-0 saiu das Amoreiras de outra vez.
Passando o Campeonato da I Liga a denominar-se Campeonato Nacional da I Divisão em 1938/1939 (quem o ganhou foi o FC Porto mas… do estádio do Benfica voltou a sair amachucado a 4-1) – e só na temporada seguinte é que os portistas quebraram enfim o que já parecia enguiço vencendo por 3-2 (e não fora essa vitória ter-lhe-ia o título fugido para o Sporting, no desempate por goal-average).
Sim, esse título de 1939/40 é um dos títulos com mais história (e mais estórias…) que o FC Porto tem – por ter sido resgatado à II Divisão no culminar de processo que se abrira com uma outra pesada derrota nas Amoreiras na época anterior.
Graças a golo anulado (em alta polémica) ao Benfica no último minuto da última jornada da primeira edição do campeonato em nova denominação: Nacional da I Divisão – foi o FC Porto quem o conquistou. Como era, então, de norma - fechando-se o campeonato, abria-se a Taça de Portugal (que, nessa época deixara de ser Campeonato de Portugal) e, na primeira mão das meias-finais, os benfiquistas largaram o Estádio do Lima abalados pelo placard a 6-0.
PRESIDENTE DO FC PORTO LEVOU FLORBELA ESPANTA AO SUICÍDIO (QUE NÃO SE PODIA DIZER)
Presidente do FC Porto era, então, Ângelo César Machado. Formado em Direito por Coimbra, como seu professor por lá apanhara António de Oliveira Salazar. Além de advogado, em fama se embrulhara, num ápice, como dramaturgo e poeta. Em Charneca em Flor, Florbela Espanca dedicou-lhe um dos seus poemas - e, não muito depois, Portugal agitou-se com a morte dela.
Como causa do óbito de Florbela indicou-se «edema pulmonar». Não, não foi. Notícias de suicídios, a Censura já as proibia – «com exceção dos cometidos por criminosos ou como tal apresentados». Dava jeito e, amiúde, era falácia – falácia foi, por exemplo, quando Manuel Tomé, preso durante greve de ferroviários morreu da tortura no Aljube e pelos jornais correu a «informação» de que se enforcara na cela: «arrependido de conspirar contra o bem-estar da Nação». Não foi obviamente, era propaganda - e a propaganda ao Estado Novo (e ao culto de Salazar) já Ângelo César Machado a fazia pelas páginas do Diário da Manhã (o jornal do regime a que, às vezes, rebeldes, tipógrafos deixavam cair o til...) – e Agustina Bessa Luís haveria de descobrir que a razão de Florbela se ter matado fora a «paixão condenada» por Ângelo César.
ATÉ POR DERROTA SE CHEGARA A PAGAR…
A Ângelo César, o FC Porto entregou-lhe a presidência por 1938. Tomando como missão sublinhada «retirar o clube da angústia financeira», a sua direção reformou o «sistema da santa»: modelo de estímulos que se copiara Salgueiros. 20 escudos chegara a pagar-se por «derrota curta», a tal colocou ponto final, avisando: «Cada jogador passa a ter 100 escudos por vitória, 50 por empate é que pode nem ser sempre.» Vendiam-se, então, fatos de linho e seda a partir de 150 escudos – e 100 escudos arrecadou cada portista pelos 6-1 ao Benfica para Taça (1000 coubera a cada um de «bónus especial» pelo título garantido nos polémicos 3-3 contra os benfiquistas para o Nacional da I Divisão).
TIROU O FC PORTO DO JOGO COM O BENFICA (QUANDO JÁ PERDIA POR 6-0 (QUEIXANDO-SE DE «BOMBINHAS» ATÉ…)
Disputando-se a segunda mão nas Amoreiras (a 18 de junho de 1939). Quando, aos 63 minutos, António Palhinhas expulsou Reboredo, o FC Porto já perdia por 6-0 – e Ângelo César ordenou agreste que toda a equipa saísse também, apanhando-se-lhe a caramunha, pelo caminho: «Foi indecente o tratamento, até bombinhas de carnaval se atiraram ao nosso guarda-redes quando ele tinha de se fazer à defesa e bateram-nos, bateram muito, com maldade...»
O abandono levou a que o FC Porto perdesse 15 contos da receita que lhe caberia. Mas mais: a FPF aplicou 30 dias de suspensão a António Santos e a Francisco Reboredo - e ao seu presidente, instaurou-lhe inquérito disciplinar.
EXPULSÕES, AGRESSÕES E ATÉ NAVALHADA!
Com o processo em curso, abriu-se (como também era tradição) a época com os Campeonatos Regionais (que, tal como sucedia com os Campeonatos da Liga apuravam para os Campeonatos Nacionais) – e jogo (por outubro de 1939) com o Académico do Porto deu em burburinho – com lesões, expulsões, agressões e até uma navalhadas!
Aos 18 minutos de jogo o portista Vítor Guilhar agrediu Raul e o árbitro expulsou ambos. De seguida, o portista António Santos, ao ser desarmado por Eliseu, ripostou e, por entre novo escarcéu, foi Pinga para a rua. No reatamento, o portista Pocas agrediu Marques e o academista teve de abandonar o terreno.
O portista Carlos Pereira foi expulso e o FC Porto punido com uma grande penalidade que Soares dos Reis defendeu. À meia-hora, o portista Lopes Carneiro teve de abandonar o campo em braços, magoado. De seguida, foi o juiz para fora das quatro linhas com a cabeça a escorrer sangue, vítima de um díscolo das bancadas, sendo substituído pelo seu juiz de linha – que, aos 43 minutos, determinou o jogo «terminado» ao aperceber-se de que os portistas só tinham cinco homens em campo, concedendo, assim, a vitória ao Académico. E mantendo-se os confrontos em sectores vários do estádio, o academista Lemos acabou ferido à navalhada numa perna.
PROTESTO GANHO, PROTESTO PERDIDO (E O RISCO DA II DIVISÃO)
Como os regulamentos não consideravam, então, que equipa em «flagrantíssima inferioridade numérica» devesse ser declarada vencida, o FC Porto protestou o jogo, alegando em «erro técnico» – e, sem grande surpresa, a AFP mandou repeti-lo. Ganhando-o por 1-0, os portistas voltaram ao primeiro posto, mas, perdendo com o Leixões — se lhe fossem retirados os pontos da vitória sobre o Académico (que recorrera para a FPF da decisão da AFP) cairia para terceiro lugar.
LEIXÕES RECUSOU O TÍTULO COMO «BENESSE» (E A SOLUÇÂO FOI O ALARGAMENTO)
Ao saber que a FPF deferiu o protesto, espantosa (ou talvez não) foi a reação de Edmundo Ferreira, presidente do Leixões: «Repudiamos a benesse. O meu clube não aceita um título que não ganhou! O Leixões não quer ser campeão por favor ou por bambúrrio. Não lhe assenta bem um título usurpado a outrem. Acho que foi infeliz a decisão da FPF! O FC Porto não merecia semelhante castigo, apenas para ser beneficiado um terceiro...»
Para que o FC Porto não tivesse de ir disputar o Campeonato Nacional, a FPF lançou, sorrateira, o alargamento da I Divisão – e a razão foi, sobretudo, não querer perder as receitas que os portistas gerariam (na época anterior ajoeiraram mais de 312 contos, recorde nacional de bilheteira) – e a primeira atitude da direção do clube foi «contestar o campeonato alargado», ameaçando boicotá-lo se o Académico do Porto o disputasse. Mas o dinheiro que também perderiam (e, pior que isso, os riscos de suspensão de atividade a que se sujeitariam) fizeram com que, de súbito, se «enterrasse o machado de guerra».
O PRESIDENTE FOI IRRADIADO MAS PINGA LIVROU-SE DE OITO MESES DE CASTIGO
Enviando para o Porto a taça e as medalhas referentes à conquista do primeiro Campeonato Nacional da I Divisão, a FPF não deixou, todavia, de propor ao seu Congresso a «irradiação» de Ângelo César Machado pelas declarações que fizera em defesa do FC Porto na questão do jogo anulado com o Académico do Porto e «ter instado a sua equipa a abandonar o campo, nas Amoreiras» – ratificando, contudo, amnistia ao castigo de 365 dias de suspensão a Pinga, acusado de ter agredido o árbitro Vale Ramos (na escaramuça do Lima).
ANTES DO TÍTULO CONFUSÕES NO FC PORTO, MULTAS E CASTIGOS
Esse campeonato da I Divisão (de 1939/40) abriram-nos os portistas com 11-0 ao V. Setúbal – e, no treino a seguir, Soares dos Reis e Carlos Nunes «envolveram-se em desordem». A Direção convocou-os para audição em processo disciplinar, o guarda-redes compareceu, o avançado não.
Soares dos Reis foi castigado com um mês de suspensão e 200 escudos de multa. Carlos Nunes foi «afastado de toda a atividade» - e, por ser capitão de equipa, multado em 750 escudos. Logo depois, castigado (em 50 escudos) foi Pinga por falta a um treino. Diferente foi o motivo do castigo aplicado a Lopes Carneiro: «desrespeito» a Miguel Siska, o seu treinador – sucedendo, então, o que se contou no jornal Sporting: «Se Lopes Carneiro devia acatar com respeito a decisão dos dirigentes do seu clube, preferiu enviar-lhes um recibo ofensivo das boas regras da disciplina pelos termos em que estava inscrito e zás!: suspensão dos direitos de jogador até à próxima Assembleia Geral». (A multa era cada vez mais uma «prática nacional». Às vezes insólita. Antes de morrer, João Luís de Moura, que depois de ter sido presidente do Belenenses e da FPF, subira a Governador Civil de Lisboa, esboçara «posturas» impedindo cegos de tocarem pelas ruas e pedintes de esmolarem à porta de igrejas e estádios. Também fora ideia sua, a que determinava que, para uso de isqueiro na via pública fosse preciso livrete idêntico ao porte de armas – que custava 50 escudos.)
A PRIMEIRA VITÓRIA DO FC PORTO NO CAMPO DO BENFICA
Por entre essas e outras turbulências, se chegou à última jornada desse Nacional da I Divisão (de 1939/1940). Com as Amoreiras de bancadas à pinha («e sportinguistas e benfiquistas unidos»), o FC Porto venceu por 3-2. Pinga fez dois golos, o croata Kordnya (que lá chegara meses antes com Petrak e Andrasik) fez um - e os dois do Benfica couberam Joaquim Teixeira.
Mais do que ter sido a primeira vitória do FC Porto em Lisboa (em jogos para o campeonato) – sem essa vitória o FC Porto não teria conseguido o primeiro bis da sua história, tendo como treinador Miguel (que ao naturalizar-se português deixara de ser Mihaly) Siska.
POR ENTRE A TRAVESSIA DE DESERTO, ATÉ SE DISSE QUE ESTAVAM BÊBADOS!
Após a façanha de Siska (que morreria, poucos anos depois, devido a «doença de pulmões») foram-se «estreitando», ano após ano, as «relações de amizade» entre os dois clubes – razão foi o Benfica que o FC Porto chamou para solenizar o jogo da inauguração do Estádio das Antas (a 28 de maio de 1952). Acabou em ainda mais picada «humilhação», com derrota por 8-2 e Virgílio Mendes, então seu capitão de equipa, a desfiar assim a memória da tarde de festa (com ponto de mágoa): «Estava um dia lindo, o estádio completamente cheio. Queríamos tanto oferecer vitória ao povo e… tudo terminou naquele descalabro… 8-2… 8-2… Começaram a dizer que tínhamos exagerado na comida, depois que estávamos bêbados… Mentiras e mais mentiras… Estava muito calor, fomos obrigados a estar de pé horas e horas, à torreira do sol, a ouvir discursos e mais discursos intermináveis. Isso mexeu connosco, com o Benfica não, pois a equipa foi diretamente para o jogo já depois de todas as cerimónias. E mesmo assim, não foi um jogo igual aos outros. Parecia que estávamos enfeitiçados. O Benfica fez o primeiro golo, o segundo, o terceiro e… e, olhe, foi por ali fora até aos oito… 8-2… 8-2… Meu Deus. O embaraço era tal que, ao intervalo, o Barrigana fingiu uma lesão e já nem voltou à baliza!»
A EMOÇÃO DO PARALÍTICO NA ENXADADA PELO ESTÁDIO DA LUZ (QUE AINDA ERA DE CARNIDE)
Se o FC Porto chamou o Benfica à inauguração das Antas, o Benfica chamou o FC Porto à inauguração da Luz. A 14 de junho de 1953, por entre foguetes em rajadas sem fim, coube a António Ribeiro dos Reis (como seu presidente da AG) a primeira «enxadada na terra dura» (ao som do clamor: Benfica! Benfica! Benfica!).
Seguiu-se-lhe, no simbolismo, do ato Joaquim Bogalho, o seu presidente – e, se em muitos dos 8000 benfiquistas presentes em Carnide se apanharam lágrimas a correr por rostos em barda, nada foi tão «emotivo» como ver-se Adelino da Conceição Augusto a erguer-se, cambaleante, do seu «carro de paralítico» para também ele dar a sua enxadada. Por cada uma deixavam-se 10 escudos para a ajuda à construção – e assim se colheram 10 contos. Fez-se, depois, após almoço (para igual efeito), leilão que rendeu mais 25 contos – e entre os objetos postos à licitação estavam um fato e um vestido de senhora, uma máquina elétrica de barbear e uma calçadeira com emblema do Benfica, uma colcha de renda e uma renda para assento de automóvel, um farolim e um motor para moto e um pneu de automóvel, um adereço de cama e uma faca do mato, uma jarra do Brasil e uma peanha com uma águia, dois bilhetes de lotaria e cinco postais ilustrado…
ANTES DE VIR PERDER COM O BENFICA, TROUXE O FC PORTO CIMENTO PARA O BENFICA
Nos muitos mais leilões que se arrastaram semanas a fio, da Feira Popular à sede do Jardim do Regedor, juntaram-se 3000 contos. E, organizando-se, também, a «campanha do cimento» - a ela aderiu a equipa do FC Porto – que à partida para jogo do campeonato (a 9 de maio de 1954) trouxera, consigo, do Porto o seu «comboio do cimento». O desafio disputou-se no Estádio Nacional – e os portistas (que tinham, então, Cândido de Oliveira como seu treinador) perderam por 2-1. Pelo Benfica marcaram Rosário e Caiado, pelo FC Porto marcou Pedroto (a dois minutos do fim).
A inauguração do Estádio (ainda chamado de Carnide) fez-se a 1 de Dezembro de 1954. Nessa tarde, o destino virou-se de pernas para ar – e quem ganhou o jogo de futebol com que se fechou a cerimónia (que rendeu 1300 contos em bilhetes) foi o FC Porto. Por 3-1. O primeiro golo coube a um benfiquista, o Jacinto mas na... própria baliza (e o primeiro do Benfica foi de Palmeiro Antunes).
NA LUZ COMEÇOU O FC PORTO A SER CAMPEÃO COM YUSTRICH (DE MAUS FÍGADOS)
Também não se saíram mal os portistas na primeira vez em que jogaram na Luz para o campeonato. Foi a 9 de maio de 1954 – e empataram 2-2. Aos 67 minutos venciam por 2-0, graças a golos de Porcel e Teixeira – e o Benfica evitou a derrota com golos de Gato (aos 69 minutos) e de José Águas (aos 85). E não, não estava longe de se ver o FC Porto no fim da via-sacra que se abrira após dos dois campeonatos de Miguel Siska. Campeão voltou a ser na temporada de 1955/1956 com Yustrich – e foi na Luz que começou a sê-lo…
Yustrich chamava-se Dorival Knippel. Fora guarda-redes no Brasil (e a alcunha ganhara-o por Yustrich se chamar um guarda-redes argentino que passara pelo Rio) e, antes de Cesário Bonito o contratar, andava por Minas Gerais a vender automóveis (por ter perdido braço de ferro com os jogadores do Atlético Mineiro que não lhe suportaram mais os «maus fígados» e atiraram ao seu presidente o ultimato: Ou ele ou nós!). De luvas recebeu 150 contos de luvas, ficou com 15 contos de ordenado mensal e a garantia de um prémio especial de 100 contos, se se sagrasse campeão.
Entrando nas Antas, logo mostrou a sua pele: «Uma ocasião, apanhei vários jogadores meus em Belo Horizonte, jogando baralho. Na mesa estavam mais de três contos de réis. Meti o dinheiro ao bolso, virei a mesa e acabei o jogo. E se pegasse qualquer jogador a beber cerveja, com o que eu dizia, com o que eu fazia ele até a vomitava. É o que vou fazer aqui também...»
NO CRUZEIRO PARA LISBOA, A PENA DE VIRGÍLIO: «O BENFICA FOI FELIZ!»
Com dois pontos de vantagem sobre o Benfica chegou o FC Porto à 21ª jornada (desse campeonato de 1955/1956) – e para o «jogo do título» organizou-se, a bordo do Uíge, um «cruzeiro a Lisboa» para 800 pessoas, «com variedades e comida de primeira», os bilhetes variavam entre 1000 e 400 escudos. A primeira página de A BOLA considerava que o empate deixara os portistas quase campeões mas Virgílio não se satisfez: «Poderíamos ter chegado ao final do primeiro tempo a vencer por 3-0, mas o Benfica foi feliz!»
Teixeira pusera no placard 0-1 à meia-hora de jogo – e Costa Pereira não achou que precisasse de soltar-se de si a responsabilização: «Convenci-me de que o Artur já estava batido e, por essa razão, saí ao encontro da bola para dificultar a ação do Jaburu e o Teixeira foi muito esperto a atirar, em bom jeito, a bola para a baliza e, por isso, julgo que não tive culpa».
COM ÁGUAS DE ROSTO EM SANGUE (DEPOIS DE OUTRAS DORES)
O empate surgiu ao minuto 76 através da argúcia de José Águas (que estivera até ao último minuto em dúvida) na recarga a remate de Calado que Pinho defendera para a sua frente: «Enquanto estive frio, ainda me ressenti das dores, mas logo que aqueci até me esqueci de que estava lesionado, doía». A confissão a Rui Martins fê-la, no balneário, vendo-se-lhe o rosto coberto de sangue: «Acorri a um lance de bola pelo ar, muito difícil, saltei com o Monteiro da Costa e fiquei neste estado. Acredito que ele não teve a mais pequena intenção de me magoar. Estas coisas só não acontecem a quem não joga futebol…»
A Miguel Arcanjo, central do FC Porto, apanhara-se-lhe, entretanto, o clamor (com toque a gracejo): «Uma vez mais, tenho de fazer um aceno de simpatia ao Águas – pela lealdade que colocou em todos os lances que comigo discutiu. O golo é que não lhe posso perdoar, foi de bom malandro, eu não estava lá e ele aproveitou-o bem…»
Que o empate do FC Porto pareceu vitória – vira-se, à saída do campo, ao Arcanjo. A felicidade tornara-o, segundo o repórter de A BOLA, «vítima de comoção» e, por isso, tivera de ser amparado, a caminho do balneário, por alguns dos companheiros.
«FUI BEM EXPULSO MAS O ÂNGELO NÃO DEVIA TER FICADO NO CAMPO»
Lá, no balneário, Hernâni recriminou-se: «Só posso considerar justa a minha expulsão, em face da atitude impensada que tomei…» Desatara, irado, a protestar com Evaristo Silva falta apontada a Pedroto – e o árbitro pô-lo na rua. Furioso ficara Yustrich – que saltando do banco em protesto nem se apercebeu de Hernâni já à sua ilharga, abalroou-o, pisou-o: «Felizmente que aquele quarto de hora com 10, por minha culpa, não prejudicou muito a equipa. Porém, essa minha atitude impensada foi a consequência da violência do Ângelo que, desse modo, não deveria ter ficado em campo, também».
Ao Ângelo, nos vestiários, apenas se ouviu, despachada, a justificação: «Desculpe, desculpe… Não posso falar… Não posso falar…» - falar, falava, mas (por murmúrios) a Angelino Fontes, o massagista que o tratava, queixando-se ora dos joelhos, ora do cotovelo.
Foi então que Jacinto, defesa benfiquista jogou ao ataque (no seu remoque): «A equipa do FC Porto não é a maravilha que se diz para aí. Tivéssemos nós alinhado sem jogadores doentes e com todos os efetivos e veriam.» E antes já Águas fora, todavia, por outra via: «Tantas bolas… tantas bolas… e só um golo! Então o Ângelo teve mesmo uma ocasião soberana… Que azar o dele e o nosso também, assim…»
YUSTRICH PEDIU AUTOMÓVEL DE LUXO, DERAM-LHO…
Por esse empate na Luz, cada jogador do FC Porto recebeu 1500 escudos de prémio (como se fosse, afinal, vitória) – e, após soterrar, 15 dias depois, o Barreirense (em 10-1) e de Otto Glória ter deitado a toalha ao tapete ao empatar nas Salésias, Yustrich exigiu renegociação de contrato – e garantiu, assim, 40 contos por mês! E se fosse campeão tinham de lhe dar também um automóvel no valor de 170 contos…
Campeão e vencedor da Taça de Portugal, o FC Porto ofereceu ao Benfica a missão de disputar a Taça Latina – e partiu em digressão pelo Brasil e a Venezuela que lhe rendeu 1000 contos. E foi por lá que perdeu Yustrich – ou melhor: Yustrich se deitou a perder…
Em Caracas, Dorival envolveu-se em discussão com Zagalo de Lima, o tesoureiro portista, chamando-lhe... «cavalo» e «outras coisas piores». Segurando-o pelos colarinhos da camisa de seda, disparou, furibundo: «Se fosse mais homem atirava-o pela janela abaixo.» Descabelara-se porque o tesoureiro lhe recusara logo ali os 250 contos de luvas pelo contrato para a época seguinte – e metido em várias outras tropelias foi despedido…