Renato Paiva: «Posso dizer que o futebol de formação estagnou no México»
Renato Paiva enumerou os principais problemas do futebol mexicano. Foto: IMAGO
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ENTREVISTA A BOLA Renato Paiva: «Posso dizer que o futebol de formação estagnou no México»

INTERNACIONAL26.04.202410:30

Numa altura em que os Estados Unidos começam a contrariar a hegemonia mexicana no futebol da Concacaf, o técnico indica quais as debilidades que identificou; reforça que os clubes têm condições monetária para comprar a um grande de Portugal e apontou os jogadores que devem ser seguidos com atenção

- Terminada a competição doméstica, o Toluca irá jogar a Leagues Cup. O objetivo central passa por destronar o Inter Miami e vencer competição?

- Estando no Toluca o objetivo é ganhar sempre. Primeiro vamos ter mais duas jornadas do campeonato e depois as provas domésticas param um mês para irmos à Leagues Cup, e se vamos para os Estados Unidos o objetivo passa por ganhar, ainda mais com uma rivalidade enorme que existe entre o México e o EUA, que se estende ao futebol. Está muito atual a questão da derrota contra os Estados Unidos para a Liga das Nações e pelo facto do México não lhes vencer, enquanto seleção, há nove jogos, o que faz com que esteja tudo em causa no futebol de cá. Apesar dos resultados na Concacaf Champions Cup serem mais benéficos para as equipas mexicanas, existe uma rivalidade fronteiriça entre os dois países e entre uma coisa que é histórica, é cultural o futebol no México e não é lá nos EUA. Isto está a revoltar muito as pessoas, este crescimento norte-americano no futebol, ao ponto de ultrapassar ou poder ultrapassar o México e isso também vai valer para nós. Outra coisa muito importante é o facto de quando as equipas mexicanas jogam nos Estados Unidos a comunidade local é tremenda. Eu quando estava no León sempre que havia uma paragem FIFA íamos fazer um jogo aos Estados Unidos e era uma loucura, de estádio cheio. Posto isto, existe esta responsabilidade, não só do Renato Paiva e do Toluca em ganhar esse título, mas também a responsabilidade de nós representarmos bem fora do país uma equipa mexicana.

- Chegado ao México por uma segunda vez, como é que olha para o futebol do país num plano macro? Consegue dar-nos algumas respostas que possam justificar, para quem está de fora, o fraco percurso no último mundial e até mesmo agora a derrota na final da Liga das Nações, num percurso até à final que foi um pouco atabalhoado? O campeonato mexicano está em crise?

- Não, o futebol mexicano não está em crise, é um campeonato muito competitivo e com muita qualidade. Se fores ver jogadas ou golos, ninguém joga para defender, para perder. Joga-se sempre em busca da baliza adversária e a qualidade dos intervenientes é muito grande. Porquê que é assim? Primeiro, porque existe muito dinheiro; ponto n.º dois, o muito dinheiro é muito bom num aspeto e muito mau noutro, pois os clubes preocupam-se mais em comprar que em formar, o que acaba, também, por deixar os jogadores mais cómodos. Tu vais ver o número de jogadores mexicanos a jogar na Europa não é muito e os que saem acabam por regressar passado pouco tempo. Eles quando vão para a Europa não é uma questão financeira, mas sim de experimentar um mercado diferente, pois, como se costuma dizer, a necessidade é a mãe de todas coisas e isso eles não têm. Para mim o principal problema tem que ver com a formação. O México não é um país formador e hoje fala-se, claro está, casa arrombada trancas na porta, de algo que já tinha dito quando passei pelo León, que é o facto de nós, em Portugal, termos começado a dar importância ao treinador de formação e à formação nos clubes. Aqui no México o treinador dos sub-16 é polícia, por exemplo, e vem treinar às 17 horas, depois de ter trabalhado de manhã, porque não é um profissional. Eu acho que o México devia olhar para o seu futebol de formação com muita atenção, e nós percebemos isso porque os nossos jovens mostram algumas lacunas na base dos princípios quer defensivos, quer ofensivos que deviam vir colmatadas de trás. Posso dizer que estagnou o futebol de formação no México. Vai ser difícil aparecerem. Curiosamente, os que estão a aparecer são os que estão nos Estados Unidos a jogar, filhos de famílias mexicanas, o que nos faz pensar no desenvolvimento do jogador jovem. Por fim, o terceiro problema é o facto de não existir subidas nem descidas de divisão. Quem ganha na segunda divisão fica lá sempre, quem fica em último na primeira igual, e a única penalidade é o facto de os dois ou três últimos pagarem uma multa, mas quem paga é o clube e não o jogador, então, ele mesmo jogando bem ou mal sabe que não tem de defender o seu lugar na primeira. Isto gera comodidade, na mesma forma, para quem joga em baixo sente que as portas estão fechadas, pois é muito raro um jogador da segunda divisão chegar à primeira divisão. Para mim são os três grandes problemas que depois resultam, no plano macro, na seleção mexicana, pois não existe dúvida nenhuma que eles estão a ser ultrapassados a uma grande velocidade.

Os Estados Unidos da América venceram o México (2-0) e conquistaram a Liga das Nações da Concacaf. Foto: USAMNT

- Não existindo descida de divisão, qual é a reação do adepto pelo insucesso desportivo do clube que apoia?

- Tu não gostas de ficar em último, mas, por outro lado, sabes que ficas na primeira divisão e está tudo bem. Tu vais-me dizer que na MLS, por exemplo, também não existem descidas de divisão, mas, como disse, este é apenas um dos fatores dos três mencionados. Eu acredito que se estivessem envolvidas as descidas e subidas de divisão, se calhar existiria mais insatisfação, por parte de todos. Recordo que as não descidas é uma medida recente, que a Liga e os donos dos clubes decidiram. Imagina este cenário, em que a Liga de Clubes decide que não existiam subidas nem descidas em Portugal e fica decidido, sem debate. Aqui, os donos dos clubes quiseram que não existisse descidas, por causa da COVID-19, porque iam perder dinheiro e assim mantém-se.

- E o mercado faz-se internamente? Não existe rivalidade na compra e venda de jogadores?

- Existe, claro. O clube coloca um jogador a um preço mais alto se for para vencer a outro grupo e o mercado interno fica inflacionado pelo limite de estrangeiros. No México, só podes ter nove jogadores de fora e sete em campo, o que faz com que o preço do jogador mexicano dispare. Posso-te dizer que o América pagou entre 15 e 18 milhões pelo lateral do Pachuca, só para teres uma ideia dos valores que se praticam. Eu fico com uma das histórias mais bonitas da minha carreira de quando estive aqui pela primeira vez. No León, nós fizemos o nosso primeiro jogo treino com uma equipa chamada Leones Negros, da 2.ª divisão, e, na altura, nós estávamos a precisar de um central canhoto que tinha de ser mexicano. Nesse jogo, os nossos olhos ficaram aguçados num central dessa equipa, que cumpria os requisitos que te disse, que tinha uma morfologia diferente do mexicano, mais alto, esguio, muito bom a sair com a bola, entre outras características. Eu disse ao diretor desportivo para ficar de olho nesse miúdo, por ter algumas coisas que me agradaram, mas nós vamos continuar a acompanhá-lo na segunda liga. Passado umas três semanas, o nosso central canhoto lesiona-se com gravidade e como não podíamos ir buscar um central estrangeiro, fomos buscar o miúdo e ele, atualmente, é um dos titulares do León, está-nos eternamente agradecido e a família dele também, porque abrimos uma porta a um jogador que estava na segunda divisão e que foi, para teres uma ideia, notícia por ser uma exceção, o que me gerou alguma surpresa, confesso.Exatamente por este tipo de situação, em que o jogador mexicano é muito inflacionado é que eu tenho o departamento de scouting a varrer, salvo seja, esse escalão porque acho que posso encontrar ali coisas que nos ajudem.

- E como é que se chama esse central?

- Chama-se Paul Béllon.

Paul Béllon contabiliza 50 jogos e quatro golos ao serviço do Club León. Foto: IMAGO

- O Alexis Vega - recentemente foi dito por si que esteve próximo de rumar ao FC Porto e Benfica - é o jogador mais bem preparado do Toluca para dar o salto para o futebol europeu? Já agora, qual o melhor talento que tem no seu clube, ou mesmo na liga, que devemos ter debaixo de olho?

- Do Toluca não vou dizer porque senão vou ficar sem eles [risos]. Mas tenho dois ou três jogadores, além do Alexis, que podem estar na órbita europeia e um deles eu acredito que vai ser um dos jogadores de referência na sua posição, quando ele acabar por dar o salto para a Europa. Sobre o Alexis… eu no passado estava a colaborar com o scouting do Benfica e havia esse interesse no mercado mexicano. Era um jovem que despertou muito interesse e muito cedo, primeiro do Benfica e depois, ele próprio confirmou-me, do FC Porto, que esteve quase a chegar a vias de facto. Repito- outra vez- ele ganhava imenso dinheiro e pediam exorbitâncias pelo passe, portanto, era um miúdo com um potencial inacreditável, mas acabou por ser o Chivas a contratá-lo e ele ficou cá. Curiosamente, quando eu joguei com ele- na altura no Chivas- brinquei com ele e perguntei-lhe: o que é que andas aqui a fazer? Porquê que não vais para a Europa? Ao que ele me respondeu que estava bem no México, recebe muito dinheiro, próximo da família, e por cá ficou. Agora, aqui há jogadores de enorme qualidade. Se olharmos para o América, o clube tem muitos jogadores que podem entrar na Europa, o Monterrey igual, o Cruz Azul tem um ou outro jogador que pode, o próprio Pumas tem o Salvio, que passou no Benfica.Eu gosto muito, por exemplo, do Álvaro Fidalgo, o oito do América. Era um miúdo do Real Madrid B, que veio para o América quando o Santiago Solari era o treinador e, para mim é dos jogadores mais completos de cá. Continuo sem entender o porquê de não ter saído ainda- a não ser porque ganha muito dinheiro e joga num clube grande como o América-, mas, de facto, está preparadíssimo para jogar numa primeira divisão na Europa. O Henry Martin, o Berterame- que é o avançado do Monterrey-, enfim, existe um conjunto de jogadores que só vendo, porque o campeonato mexicano não tem muita expressão fora. Vendo os jogos apercebes-te que existe aqui muita qualidade para dar o salto para a Europa.

- Olhando para os jogadores estrageiros que vão para o México, muitos decidem ir antes do final da carreira. A competitividade local é um fator que desperta o interesse desses jogadores?

- Sinceramente, para o estrangeiro é a questão monetária. Posso dizer que se o jogador olhar só para o dinheiro, não é difícil para o Toluca ir buscar alguém a um grande de Portugal. Atenção: isto se olharmos só para o dinheiro, reforço. O fator monetário faz com que o jogador queira vir para cá. Depois vêm os projetos. Estamos a falar de um Sérgio Canales, que vem para o Monterrey porque é um grande do México, vem para ganhar títulos, vai ser titular indiscutível e vai ganhar muito dinheiro - porque eu sei que está a ganhar. É juntar o útil ao agradável. O Gignac é um caso igual, mas lembro-me que o Thauvin esteve aqui e não funcionou no Tigres. O próprio Volpi vem do São Paulo para o campeonato mexicano… Quando tu sentes o interesse do campeonato mexicano, sejas jogador ou treinador, e começas a investigar ficas surpreendido porque joga-se bem, os jogadores são bons, as relvas e os estádios são bons, o público acompanha e ainda temos bons ordenados, então pensam que se calhar vamos começar a ir para o México. A própria MLS está aqui ao lado.Neste conjunto de situações, ninguém vem aqui para a reforma, chegam é para melhorar a sua vida futebolística e financeira, obviamente.

- Olhando para MLS, o campeonato mexicano ainda não consegue competir para atrair o jogador médio da América do Sul ou da América Central?

- Muito ao contrário, paga-se muito mais no México que na MLS. É incomparável. Claro que não estamos a meter o Messi, o Busquets ou o Luis Suaréz neste saco, agora, na generalidade dos Estados Unidos é incomparável para baixo o que lá se paga para o México.O que pode haver é o facto de o país ser os Estados Unidos, ser mais atrativo de viver, etc... Quando cheguei aqui eles próprios dizem que quando vão lá fora são conhecidos pelo narcotráfico e por Cancún. Isto de forma exagerada, mas são eles que o dizem, então as pessoas também olham para a segurança, mas quem estuda as coisas e se tiveres o interesse de um bom clube mexicano e de um bom clube da MLS, eles vêm para cá.

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