CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO Primeiro estranha-se, depois entranha-se… (artigo de José Manuel Delgado)
Um pouco por todo o mundo o desporto está a aquecer motores, visando o regresso à competição, dentro de limites balizados pelas autoridades sanitárias. Mas também o desportista amador pode fazer jogging, andar de bicicleta ou atacar as ondas munido de uma prancha de surf.
Aliás, ainda hoje tive oportunidade de ver muitas dezenas de surfistas, na praia dos Pescadores da Ericeira, que por estes dias está a destronar, em praticantes, o Lisandro ou Ribeira D’Ilhas, a desconfinarem alegremente entre as ondas do Atlântico.
No que respeita à competição profissional, o treinador português José Morais, que lidera os sul-coreanos do Jeonbuk, já teve jogo de campeonato e constatou que, mal o árbitro apitou e a bola começou a rolar, o foco dos jogadores centrou-se no essencial – procurar marcar e não sofrer – e mais ninguém pensou nas circunstâncias especiais em que a partida se desenrolava.
Aliás, se há coisa interessante nesta distopia para onde a Covid-19 nos enviou, é constatar a tremenda capacidade de adaptação do ser humano, que do dia para a noite incorporou uma série de novos procedimentos, como se fossem a coisa mais normal do mundo. Com o desporto de competição, até que chegue a vacina libertadora, não acontecerá diferente do que vemos numa simples ida ao supermercado, de máscara posta, a dois metros do vizinho e à procura do gel desinfetante depois de pagar: habituamo-nos!
Aos jogos à porta fechada que vão marcar a nova normalidade, irá aplicar-se o slogan que Fernando Pessoa criou em 1927 para o lançamento da Coca-Cola em Portugal: «Primeiro estranha-se, depois entranha-se.» A não ser que apareça um Diretor Geral de Saúde, como aconteceu há quase um século - nessa altura era Ricardo Jorge o titular do cargo - a proibir a nova bebida. Mas, francamente, há um alinhamento em todas as latitudes e em todas as modalidades, quanto ao que fazer se algum jogador der positivo – vai para quarentena – que não compromete o resto da competição.
Estamos a seis dias do regresso da Bundesliga e a 20 do reinício da nossa I Liga, e tudo parece correr sobre carris. Que assim se mantenha, é o que desejo. Porque, confesso, tenho muitas saudades da coisa mais importante das coisas menos importantes da minha vida.