O lento despertar da normalidade (artigo de José Manuel Delgado)

CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO O lento despertar da normalidade (artigo de José Manuel Delgado)

NACIONAL13.04.202013:13

Mais difícil do que decretar uma quarentena, é determinar o momento em que esta pode ser suspensa, mais a mais quando se enfrenta um vírus para o qual ainda não há vacina.

Um pouco por todo o lado este é o debate que está na ordem do dia, prevalecendo, até ver, as instruções ditadas pelas autoridades sanitárias.

A Espanha, por exemplo, o país com mais mortes por milhão de habitantes (368) decidiu-se pelo fim da chamada ‘hibernação’ e a partir de hoje os trabalhadores das fábricas e da construção já podem regressar às suas profissões. O Governo de Madrid, através do ministério da Saúde, publico um extenso manual de boas práticas, suscetíveis de minimizar os riscos de quem anda nos transportes públicos ou partilha espaços (e ferramentas) no trabalho. Mas, no que respeita ao futebol, foi decidido indeferir um pedido da Real Sociedad para retornar aos treinos, de forma condicionada.

Enquanto na Alemanha vários clubes estão a treinar há já uma semana. Por cá o Nacional da Madeira deu o primeiro passo e regressou ao trabalho, na Choupana. Lendo as declarações a A BOLA e à BOLA TV do médico do clube, João Pedro Mendonça, que é também presidente da Associação Nacional de Médicos de Futebol, constata-se que foi elaborado um protocolo exaustivo e responsável, capaz de limitar os riscos e colocá-los, quiçá, abaixo de uma ida ao supermercado ou à farmácia. Cada caso é um caso, cada clube saberá das condições de que dispõe, mas aquilo que nos chega da Madeira parece simbolizar um bem vindo passo rumo à normalidade possível. Estaremos, ainda, muito longe do tipo de treino que prenuncia o regresso da competição, e nenhum setor da sociedade deve levantar a guarda neste esforço comum contra a Covid-19. Mas há ‘baby steps’ que são bem vindos.    

Na edição em papel de hoje de A BOLA, o Mário Rui Ventura falou com Rafael Veloso, 26, produto da formação do Sporting que depois de experiências na Noruega e na Islândia defende agora as redes do 07 Vestur, das Ilhas Faroe, país pouco atingido pelo novo coronavírus (100 casos e nenhum óbito). As fronteiras estão fechadas, suspenderam as competições, mas ao fim de duas semanas de quarentena os jogadores regressaram aos treinos, embora de forma altamente condicionada. Rafael Veloso conta que cada um vai equipado de casa e nunca passa pelo balneário, o que limita muito a possibilidade de contágio.

A propósito de equipado de casa, lembrei-me de uma história com trinta e muitos anos, passada no Benfica, que passo a contar.

Sven-Goran Eriksson era muito rigoroso com os horários e estabeleceu como regra que cada minuto de atraso era punido com 100 escudos de multa, que revertiam para uma ‘caixa dos jogadores’ ciosamente gerida pelo Sheu-Han, que nunca admitia justificações: «Tiveste um furo? Azar»; «Foste levar o teu filho à urgência de Santa Maria? Azar»; «Houve um acidente e cortaram a Ponte? Azar!». O dinheiro recolhido era usado para pagar o tradicional jantar de despedida da época e para ações de ordem social (lembro-me de uma época em que serviu para custear uma intervenção cirúrgica de um jovem sem meios). Bom, para encurtar a história, é bom que diga que havia grandes contribuintes (olá João Alves, olá Fernando Chalana…) e outros, onde me incluía juntamente com o Nené e o Sheu, que nunca se atrasavam. Um dia, num treino à tarde no campo 2, cinco minutos antes do início já estava quase toda a gente no relvado. Faltava eu e por não ser normal, havia uma certa curiosidade e, sobretudo, a antecipação do gozo que ia dar verem-me a pagar 100 escudos por minuto.

A dois minutos da hora de Eriksson dar início aos trabalhos, a chegada do meu carro foi recebida com um forte aplauso, com toda a gente a fazer contas ao tempo que ia demorar a equipar-me e a percorrer o túnel que ligava a cabina ao campo. Mas tiveram azar. Eu tinha um compromisso, e pedi ao Zé Luís, o nosso querido roupeiro, que descanse em paz, equipamento para levar para casa. Quando saí de casa, já equipado a rigor, botas e tudo, passei pelo local onde devia assinar uma coisa com hora marcada, despachei o serviço e rumei à Luz. Como disse, dois minutos antes da hora estacionei, passei a pista de atletismo e dirigi-me ao relvado, onde cheguei um minuto antes da hora. Queriam apanhar-me? Azar…