Na hora da goleada, Coimbra tem mais encanto
Equipa de sub-12 do União de Coimbra (D.R.)

Na hora da goleada, Coimbra tem mais encanto

NACIONAL10.06.202412:00

União 1919, histórico da cidade dos estudantes, dá lição sem paralelo em Portugal no futebol de formação: tira um jogador quando as suas equipas estão a ganhar por 5-0; Iniciativa é para manter, mesmo que isso signifique perder campeonatos

Golos são sinónimo de festa, euforia, felicidade. Na dose certa, dão vitórias e embalam para títulos. Mas nem sempre é assim. Na realidade dos escalões jovens, os golos fazem sonhar mas também podem ser um pesadelo, quando a desigualdade ameaça a sua principal missão, como revela Márcio Serra, coordenador de formação do União 1919, nome por que é designado, desde os últimos anos, o histórico União de Coimbra.

«Sempre houve discrepância de resultados nestas fases iniciais, tem sido visível e vamos deixando andar. O clube já sofreu mais de 10, já deu mais de 10, e isso não serve a formação, porque a ideia é que os atletas sintam que evoluem e se superam», disse o responsável, apontando para mais de uma centena de jogos com desigualdade superior à dezena de golos.

Márcio Serra é coordenador da formação do União 1919 (D.R.)

Por isso, à falta de regulamentação, o União 1919 arregaçou as mangas e decidiu assumir as despesas de um marcador demasiado vantajoso para as suas equipas, nos jogos de futebol 7 e 9: «A ganhar por 5-0, retiramos um jogador, por 10-0 outro. Ganhar por 10 ou 20 não vale a ninguém. Queremos manter a metodologia e ao mesmo tempo dar a oportunidade ao adversário, que só de marcar um golo festeja e cria objetivos.»

Equipa sub-12 do União 1919 (Foto: União 1919/Facebook)

A iniciativa «Menos por Mais» não belisca as ambições do grupo de trabalho. «Trouxe um espírito de entreajuda maior, há uma maior atitude, e o adversário cria mais oportunidades», sublinhou, falando numa boa recetividade. «Temos uma equipa em que esta iniciativa tem sido mais vezes aplicada, os sub-12 (2012), infantis. A iniciativa teve bastante recetividade por parte dos pais, para quem também é difícil pô-los para cima. Todos eles apoiam, um destes pais é que partilhou o artigo da Marta comigo. Achamos que estamos no rumo certo», sublinhou.

A propósito do episódio de uma goleada por 41-1 vindo de Espanha, foi taxativo: «Tiveram a frustração de sofrer 41 golos. Vai chegar a um ponto em que vai haver um abandono da modalidade e fim da vontade de fazer desporto, ninguém quer estar sempre a perder. Perder faz parte, mas o mais difícil é a gestão de expectativas e de frustração.»

Combater a 'campeonite'

E quanto aos adversários? As reações são diversas em relação ao método adotado, de subtrair jogadores. «Já tivemos situações em que não sabiam o que estávamos a fazer e acharam uma ofensa. Passámos a divulgar a iniciativa, acharam interessante. Já houve pessoas a aplaudir, já houve indiferença. Queremos também combater a campeonite, porque também já nos perguntaram como faríamos na iminência de sermos campeões em virtude do número de golos: sim, manteríamos a iniciativa», garantiu.

Houve um jogo em que o árbitro alertou o nosso treinador para o facto de estarmos a jogar com menos um, enviámos uma mensagem ao Conselho de Arbitragem da AF Coimbra a explicar a situação e deram-nos os parabéns

O reconhecimento, para já, é feito na sombra. «Depois de um jogo em que o árbitro alertou o nosso treinador para o facto de estarmos a jogar com menos um, enviámos uma mensagem ao Conselho de Arbitragem da AF Coimbra a explicar a situação e houve reconhecimento interno. Não foi de forma pública, mas deram-nos os parabéns. Algumas pessoas têm-no feito, vamos continuar. Resultados não valem tudo, não servem de nada, é urgente fazer-se algo», defendeu o mesmo responsável.

Este trilho, para já, é feito sem companhia. «Ainda estamos sozinhos na caminhada, que eu saiba. Não é a fórmula secreta que vai mudar a formação, mas era importante que quem tenha autoridade faça alguma coisa. Só 1 por cento chega às ligas profissionais, as associações e as federações têm de preocupar-se com os outros 99, e não estão», notou, pedindo mais incentivos. «Criou-se o cartão branco, não chega, porque se chega a banalizar, entregar cartão porque se apertou a sapatilha…», observou.

«Apresentámos a ideia à Associação de Futebol de Coimbra, para colocarem nos próximos regulamentos, mas com os campeonatos a decorrer não poderiam fazer. O nosso objetivo não é promover o União de Coimbra, é combater a deformação das equipas, dos resultados, dos atletas. Só chegando à FPF e Associações distritais é mais fácil de acolher. É uma questão de ética. Até então, todos olhamos para o ar, ninguém gosta, os atletas sofrem, os pais sofrem, mas ninguém faz nada.»

«É urgente fazer-se algo, sendo o futebol o desporto rei, atletas passam mais tempo connosco, cabe-nos a nós ajudá-los a superar as adversidades», reforçou.

Sublinhe-se que esta é apenas mais uma luta do clube, que também já lançou outras iniciativas com vista a contribuir por um desporto melhor, incluindo a intitulada «Juntos podemos mudar», na qual saiu em defesa da arbitragem. O respeito pelo papel dos árbitros também ficou à vista na homenagem ao juiz Pinto Nunes, quando pedurou o apito.