Luís Freire deixou de treinar a 5 de novembro, data em que foi oficializada a saída do Rio Ave e em entrevista A BOLA falou sobre a saída de Vila do Conde e os objetivos que ficaram por alcançar. As saudades do campo, essas, já as sente. Diz.
Já há saudades do campo?
Há sempre saudades do campo. Já estou há 13 anos seguidos a treinar constantemente. Raramente fiz pausa e foi sempre muito intensivo. Neste momento estou mais dedicado à minha família, aos meus amigos, e também a fazer uma reflexão do trabalho que foi efetuado, nos últimos anos, não só neste último ano. Foi um trajeto sempre muito intenso.
No momento da saída, o Rio Ave emitiu um comunicado em que para além de te desejar felicidades, dizia que estiveste lá três anos e meio e que marcaste a história do clube. Três anos e meio, num clube é algo não muito comum, mas quando a bola não entra, tudo muda?
Quem me dera no próximo clube estar três anos e meio. Quase nenhum treinador está três anos e meio em clube nenhum e isso é o reconhecimento do bom trabalho que fizemos e da boa relação que criámos. Nós dentro do clube, relacionámo-nos muito bem, tanto com o primeiro presidente, o António Campos, como com a segunda presidente, a doutora Alexandrina. Portanto, tivemos uma relação muito próxima, de grande união com o staff, desde o team manager, aos departamentos médicos, e eu no Rio Ave tive vários, assim como com os jogadores. Tivemos um grande grupo de jogadores, com os capitães muito próximos, numa relação muito familiar dentro do clube, onde foi preciso ultrapassar muitos obstáculos, unirmo-nos e muita solidariedade em momentos muito difíceis do clube. Eu apanhei o clube na Liga 2 e deixámo-lo melhor do que o encontrámos. As coisas pararam por opção do Rio Ave. Eu estive sempre disponível, para continuar a trabalhar. Penso que atingimos ali coisas muito importantes. Fiz quase 130 jogos, 129 jogos em três anos e meio de trabalho. Se eu conseguir repetir o que fiz no Rio Ave em mais clubes, só serei valorizado por isso. Saio do Rio Ave com uma grande relação pessoal com as pessoas, e com grandes conquistas que fizemos lá dentro. E claro que a bola entrou muitas vezes, senão não estava lá três anos e meio.
Se eu conseguir repetir o que fiz no Rio Ave em mais clubes, só serei valorizado por isso.
Antes de começar esta época, na última entrevista que deste n’ A BOLA, deixaste claro todo o otimismo com que encaravas estava época para o Rio Ave, mas também ciente que terias dificuldades pela frente. Depois, seis jogos sem vencer e deixa tudo de fazer sentido?
O clube passou por uma grande transformação, nos últimos três anos. Passou de clube a SAD. Teve dois presidentes e uma administração de SAD. Uma Liga 2, depois uma transformação, um impedimento de inscrição de jogadores durante 16 meses, uma reformulação de um plantel em janeiro e depois tivemos de fazer outro plantel em junho, último. Quando se mudam 20 jogadores não são só opções do treinador, mas sim ideias do novo projeto que o Rio Ave tem. Tudo muda com a constituição de um plantel já muito virado para a valorização dos jogadores. Eu estive no Rio Ave três anos, com uma base muito sólida de jogadores como Vítor Gomes, Ukra, Guga, Aderlan Santos, Jonathan Santos, Costinha, Joca…. Portanto, com jogadores muito fortes a nível de personalidade e que representavam muito bem os valores do clube. O próprio clube passou a ser SAD e a avaliação do trabalho nunca será tão pessoal, porque temos um investidor que está no estrangeiro. Nos três anos anteriores que estivemos no Rio Ave criámos uma relação muito forte com quem tomava a última decisão, e isso ajudou em momentos difíceis. Por exemplo, no ano transato, nós na segunda volta toda perdemos um jogo. Em 17, perdemos um. Mas, na primeira volta estávamos quase em último. E se não houvesse confiança por parte da presidente, na altura, em manter o treinador, se calhar o Rio Ave não tinha sido uma época de sucesso. Teria sido uma época de insucesso para o clube e para o treinador. Assim foi uma época de sucesso para toda a gente. Este ano ficou pela 10ª jornada. Nem duas derrotas tivemos e agora temos assistido a clubes que perdem três, quatro e cinco vezes. E são decisões que não passam por mim. Eu sei uma coisa, com o António Campos nós estivemos a oito pontos do primeiro lugar e fomos campeões e no final, toda a gente festejou. Com a doutora Alexandrina tivemos muitas dificuldades que foram reconhecidas. Liderei projetos no Rio Ave sem poder inscrever jogadores, com ordenados em atraso e tivemos de fazer das tripas de coração para manter o clube. E, claro, quando eu fico no Rio Ave, espero que as pessoas que querem ficar com este treinador o deixem mostrar trabalho mais tempo e não só nos dez primeiros jogos. Não só nos quatro jogos contra grandes fora. Mesmo este ano, nós tínhamos uma relação boa com os diretores, o João Amaral e o Pedro Albergaria, mas há decisões que os ultrapassam e a última palavra é de quem decide. Da minha parte, fica um título ganho, duas permanências conquistadas e deixo o clube muito melhor do que o encontrei. Nós estávamos num caminho e as coisas demoram o seu tempo. Eu tenho a certeza de que nós, até ao fim do campeonato, íamos atingir os objetivos. Podia ter saído do Rio Aves várias vezes, mas nunca virei as costas ao clube. Não abandonei o clube em momentos difíceis. Fui sempre leal ao clube e às pessoas, e não quebrei a minha palavra. Claro que queríamos acabar a época. Fizemos um bom trabalho e acho que isso ficou à vista de toda a gente.
O que é que custa mais, a ausência de possibilidade de continuar até o fim ou sofrer 4 golos em Braga e 5 golos na Luz?
Eu penso que nós... Por exemplo, em Braga foi um jogo completamente atípico. O Matheus fez 4 ou 5 defesas de elevado grau de dificuldade. Podíamos discutir os jogos... Na Luz não conseguimos disputar o jogo tal como outras equipas que já levaram sete ou quatro. A reação às derrotas foi sempre boa, não perdemos o segundo jogo. Se houvesse uma derrota por números elevados e a seguir mais uma, e outra… Nós estávamos a reagir, mas não é fácil reagir quando estás a jogar constantemente contra grandes equipas. Mas, nós também ganhámos e pontuámos com os chamados grandes.
Como é que é acompanhar agora a Liga sentado no sofá, jornada após jornada?
Dá-nos capacidade de análise das equipas, por fora. Estivemos muitos anos no Rio Ave e sempre quisemos ser uma equipa a praticar um futebol ofensivo e queremos é evoluir. Já jogámos em vários sistemas e estamos a estudar a melhor forma de voltar, de poder apresentar bom futebol e depois atingir os objetivos para onde formos.
Nacional e Rio Ave, dois clubes diferentes, mas em ambos subiste, em ambos tiveste desafios tremendos.
Sim, são períodos diferentes. No Nacional tinha 34 anos quando subi à Liga. No Rio Ave tinha 36, saí com 39, tinha o Nível 2 e agora tenho o Nível 4 de treinador. Entrei solteiro e saio casado (Risos) Houve uma evolução muito grande durante este tempo. Tenho mais de 100 jogos na primeira Liga aos 39 anos, feitos agora. Tenho quase 400 jogos na carreira, tenho 200 vitórias na carreira, portanto já há muito jogo feito dentro do campo. Tenho experiência, estou mais maduro como treinador, mais capaz de gerir sucesso e insucesso, mais capaz de trabalhar em vários contextos com várias pessoas, com várias filosofias de trabalho. Já joguei para subir, para ser campeão, para permanecer, em SAD’s e em clubes. Já tenho várias vivências diferentes.
Treinador já tem saudades de treinar e nesta entrevista n' A BOLA admite os objetivos que redefiniu para o futuro até porque está determinado em conseguir uma nova equipa para treinar.