Incrível como em apenas três anos o Benfica desfez um plantel e construiu outro
Rafa é um dos poucos que se mantêm do plantel do Benfica da época 2020/2021. Foto: Rui Raimundo/ASF

Incrível como em apenas três anos o Benfica desfez um plantel e construiu outro

FUTEBOL25.10.202323:28

Nenhum dos outros grandes em Portugal sofreu sangria tão profunda em apenas três anos como a que sofreu a águia que até mudou de treinador

Fez em setembro exatamente três anos (apenas três anos, caro leitor) que o Benfica jogou em Famalicão a primeira jornada do campeonato 2020/2021 e, por sinal, goleou por 5-1. Era o primeiro ano da pandemia, que muito afetou, como nos recordamos, o futebol em todo o mundo. As águias levaram então 20 jogadores para o relvado dos famalicenses, 11 no campo e 9 no banco, para um jogo, recorde-se, sem público devido, precisamente, à Covid-19. 

Desses 20 jogadores, sabe quantos restam hoje na Luz? Um. Apenas um. Rafa Silva

Foi uma sangria e tanto em apenas três anos e na Luz já nem o treinador é o mesmo que era em 2020. 

Sporting, vencedor daquele campeonato, e FC Porto conservam não apenas os treinadores como mais jogadores. E bem sabemos como em qualquer organização é essencial a estabilidade e alguma continuidade para o trabalho criar raiz, cultura, química e, de certo modo, mística. Ou alguém tem dúvidas sobre a importância num balneário da experiência e do tempo de casa?... 

Sem comentários, vejamos apenas factos. 

Daquela 1.ª jornada, em Famalicão, apenas Rafa resiste no Benfica dos 20 jogadores que Jorge Jesus levou então para o jogo. Além de Rafa, do plantel de 2020/2021 mantêm-se hoje na Luz Morato e Chiquinho, mais Otamendi (que chegou ao Benfica no final de setembro de 2020, envolvido na operação que levou à saída de Rúben Dias para o Manchester City). Quatro jogadores no total. 

Na mesma 1.ª jornada, em setembro de 2020, o FC Porto recebeu e bateu o SC Braga, por 3-1. Dos 20 jogadores da ficha de jogo, ainda sobram seis (Pepe, Diogo Costa, João Mário, Zaidu, Taremi e Evanilson), e mantém-se como se sabe, o treinador Sérgio Conceição. Mas a conta aumenta quando falamos do plantel dessa época para o atual: 12 jogadores estão ainda hoje no balneário do Dragão - Diogo Costa, Cláudio Ramos, Pepe, Marcano, Zaidu, João Mário, Grujic, Taremi, Evanilson e Toni Martínez, mais os entretanto regressados Romário Baró e Francisco Conceição

Já o Sporting jogou essa 1.ª jornada apenas em outubro (3-1 ao Gil Vicente) e da mesma ficha de jogo com 20 atletas conserva ainda hoje oito jogadores (Adán, Neto, Coates, Pedro Gonçalves, Nuno Santos, Gonçalo Inácio, Daniel Bragança e Eduardo Quaresma). Mas do plantel de 2020/2021 mantêm-se igualmente Dario Essugo e Paulinho, que os leões recrutaram a meio daquela temporada. Em Alvalade, também o treinador é o mesmo, Rúben Amorim, campeão, aliás, naquela temporada! 

O tão reduzido número de jogadores (com novo treinador) que após três anos permanecem no Benfica ajudará certamente a explicar parte das dificuldades na construção da equipa. Desfazer, quase por completo, um plantel e criar um novo em tão pouco tempo tem um preço. E o preço, normalmente, é o da instabilidade. 

Numa equipa de futebol, mudar demasiado é, por hábito, sinónimo de dificuldade e nada é mais difícil do que construir uma equipa sem base ou com base mínima de jogadores que permaneçam ano após ano. 

Sérgio Conceição e Pepe em abril de 2023. Foto: Eduardo Oliveira/ASF

Pior ainda é a falta de referências. No FC Porto, Pepe e Marcano (ambos a cumprir a nona época de azul e branco somadas as duas passagens pelo clube) têm tempo de casa, experiência, passado e idade suficiente para lhes conferir autoridade sobre os mais novos. 

Rúben Amorim e Adán num treino do Sporting em 2021. Foto: Rui Raimundo/ASF

No Sporting, Ádan, Coates ou Neto (mas principalmente Coates, que cumpre também a nona época no clube) podem assumir esse papel. 

Na Luz, a principal referência (Otamendi, o mais experiente, mais titulado, mais líder) tem três anos de casa e, sobretudo, já viu mudar praticamente todo o plantel. Também ao mais alto nível não faltam exemplos de dificuldade sempre que uma equipa sofre mudanças. 

Esta época, bastou ao Manchester City perder Ryad Mahrez, Ilkay Gundogan ou Kevin De Bruyne (este por lesão) para a equipa de Pep Guardiola parecer já não funcionar da mesma maneira, apesar de todo a qualidade que tem. 

O mesmo se passa, queira-se ou não, com o Liverpool, que perdeu Firmino, Fabinho e Henderson

Ou mesmo com o Real Madrid (apesar de todo o impacto criado pelo reforço Jude Bellingham) que reaprende a jogar sem Benzema, ou ainda com o Barcelona, que continua a tentar afinar uma máquina que não pode, inevitavelmente, estar oleada como ainda estava mesmo há relativamente pouco tempo, quando mantinha pilares como Piqué, Busquets, Messi, Luis Suárez ou Jordi Alba, para referir apenas jogadores que há três ou quatro anos ainda vestiam a camisola azul grená.

Parece inacreditável, pois, como o Benfica mudou, afinal, tanto em tão pouco tempo. Repare-se no onze do Benfica em Famalicão, onde venceu por 5-1 naquela 1.ª jornada, em setembro de 2020, fez agora, apenas, três anos: Vlachodimos; André Almeida, Rúben Dias, Jan Vertonghen e Grimaldo; Taarabt e Gabriel; Luca Waldschmidt, Rafa e Everton Cebolinha; Darwin Núñez. No banco, sentaram-se então: Helton Leite, Diogo Gonçalves, Ferro, Nuno Tavares, Julian Weigl, Pizzi, Pedrinho, Seferovic e Carlos Vinícius. 

Na última época, o Benfica ainda se construiu com base na experiência, tempo de casa e cultura de clube de jogadores como Vlachodimos, Grimaldo ou Gonçalo Ramos. Mas este ano ainda perdeu mais essas referências. O rei (como campeão nacional) pode não ir nu, mas vai ter mais dificuldade em vestir a mesma roupagem!