Foi ao cair do pano mas não caiu do céu: crónica do FC Porto-Arsenal

Foi ao cair do pano mas não caiu do céu: crónica do FC Porto-Arsenal

INTERNACIONAL21.02.202423:17

FC Porto transformou em pólvora seca o poder de fogo do Arsenal; Jogo preparado com mão de mestre; Uma noite europeia a sério...

Só o FC Porto acertou na baliza do adversário, portanto, só o FC Porto podia ganhar. E na forma como justificaram o momento de inspiração de Galeno, já no lavar dos cestos da partida - através de um plano tático gizado com mestria e cumprido com disciplina espartana - esteve o ganho dos dragões perante um opositor que entrou no reduto azul-e-branco com estatuto de favorito, vindo de duas vitórias, uma por uma manita, outra por meia-dúzia de golos. No Dragão, o Arsenal de Arteta, que em 25 jogos da Premier League tinha marcado 58 golos, não obrigou Diogo Costa a outra coisa que não fosse desfazer cruzamentos, registando, ao cabo de hora e meia, zero remates enquadrados com a baliza portuguesa. Parece impossível, não é?

Sérgio Conceição desenhou um plano tático para este jogo, a que Arteta não conseguiu dar resposta. E que plano foi esse? Muito simples de explicar, embora fosse de difícil execução, o que só eleva o mérito do treinador e dos jogadores portistas: em vez de fazer pressão alta, como é seu timbre, o FC Porto, mantendo sempre a equipa muito junta, começou a ação defensiva a meio-campo, não dando ao Arsenal espaço para respirar sempre que entrava na metade defendida por Diogo Costa. Por exemplo, Odegaard, a estrela da companhia londrina, tinha espaço para fazer de playmaker até ao meio-campo; a partir daí, Alan Varela ou Nico González não lhe davam um palmo de terreno, e sempre que o norueguês fazia mudanças de flanco, normalmente da direita para a esquerda, Martinelli era imeditamente abafado por João Mário e Francisco Conceição. Como, do outro lado, Bukayo Saka era menos aproveitado (e muitas vezes até esquecido), o FC Porto foi capaz de deter a montante as iniciativas atacantes dos gunners. O que não significa que tenha perdido o sentido de contra-ataque, através de um diamante formado por Francisco Conceição e Galeno, nas alas, que se posicionavam ligeiramente atrás de Evanilson e ligeiramente à frente de Pepê, assumido com a responsabilidade de quem sabia que não podia destapar-se muito e ser apanhado em contra-pé.

Quando, aos 21 minutos, Galeno teve um duplo falhanço a escassos metros da baliza de Raya, pensou-se que num jogo como aquele perder golos assim podia ser a morte do artista. Mas seria o extremo esquerdo, numa altura em que já estava a jogar a defesa desse mesmo lado, por lesão de Wendell, a tirar o coelho da cartola que levou o Dragão ao rubro e permite que o FC Porto entre no Emirates com um precioso golo de vantagem.

Champions atípica

Esta partida do Dragão teve alguns factos perfeitamente atípicos para jogos da Liga dos Campeões: um inusitado número de faltas (e faltinhas), 36;_uma posse de bola avassaladora da equipa perdedora, 62%; e uma vantagem em cantos para os gunners astronómica, dez a um. Ou seja, o arsenal do Arsenal vinha carregado de uma pólvora que o FC Porto teve a arte de secar, construindo a partir daí a fuga para a vitória.

O estofo europeu

O que terá representado, para os dragões, a vitória sobre o Arsenal, no contexto de uma época a nível nacional que Sérgio Conceição garante não estar perdida? Será possível aos dragões manter este elã, ou o FC Porto vintage que derrotou o Arsenal é só para consumo externo? O que se percebeu frente aos gunners é que há uma vertente camaleónica neste FC Porto - onde, finalmente, Varela está a assumir o protagonismo que dele se esperava - que lhe permite adaptar-se às circunstâncias do adversário e através dessa leitura ganhar vantagem. Na verdade, e é bom que o grupo às ordens de Conceição esteja ciente disto, nem tudo estava mal em Arouca, nem tudo está bem por terem ganho ao Arsenal. Mas a dupla personalidade deste FC Porto merece alguma reflexão...

Finalmente, uma palavra para Pepe que, tendo ao lado Otávio, um jogador rápido, embora inexperiente, e não tendo de ser sujeito a correrias, assinou uma partida cheia de personalidade.