«Devíamos tratar com carinho a periodização tática»
Vítor Matos (Foto: IMAGO/Liverpool)

ENTREVISTA A BOLA «Devíamos tratar com carinho a periodização tática»

INTERNACIONAL04.01.202409:30

Discípulo de Vítor Frade, Vítor Matos pede que se valorize o que é genuinamente português e ganhou impacto e reconhecimento internacional

LIVERPOOL – Embora não seja uma preocupação ou sinta qualquer tipo de urgência, Vítor Matos sente-se preparado e com as ideias bem definidas para, a qualquer momento e se o contexto for favorável, tornar-se treinador principal. E para conhecermos melhor essas ideias nada melhor do que olhar para quem tanto o influenciou.

- É um fervoroso discípulo de Vítor Frade…

- Tive muitos professores fantásticos, mas houve dois que me marcaram muito. Um deles foi o professor Paulo Cunha e Silva, entretanto já falecido, uma daquelas pessoas que quando se contacta é-se capaz de ver toda a genialidade. A cadeira era ‘Introdução ao Pensamento Contemporâneo’ e ele dava as aulas a conversar. Pela forma como olhava para o que era o próprio pensamento contemporâneo, para os sistemas complexos… Falava da importância de termos um conhecimento não vertical ou horizontal, mas diagonal, porque assim seríamos capazes de criar uma maior transdisciplinaridade entre vários assuntos e ir buscar a diversas áreas coisas importantes para o nosso próprio conhecimento. Era fantástico. Foi alguém que me marcou bastante. O outro foi o professor Vítor Frade, por tudo aquilo que implica. Ainda hoje, sempre que vou a Portugal, tenho o prazer e a honra de irmos tomar um café ou almoçar. Foi meu professor e, quando entro no FC Porto, era, se o quisermos chamar assim, o responsável metodológico ou coordenador, em conjunto com o Luís Castro. Permitiu-me crescer na forma como olhar para o treino e para o jogo, foi sem dúvida incrível e muito importante para mim. Hoje é mais do que um professor, é um honra ser também um amigo. Às vezes, não gostamos de tratar das coisas que criamos com o devido carinho. A periodização tática, uma obra sua, é algo que é criado numa faculdade em Portugal e que tem expressão no país e no estrangeiro, e que temos de tratar com o carinho devido.

Luís Castro e Vítor Frade, na apresentação do livro «Curar o Jogar», da autoria do segundo, em Mafamude, Vila Nova de Gaia, a 30 de Maio de 2019 (FOTO: Vítor Garcez/ASF)

- Explicá-la melhor?

- Não sei, podemos encontrar livros e cursos que o fazem. Mas que seja uma coisa natural, porque há outras coisas ligadas ao futebol e que têm o seu espaço. Às vezes, a periodização tática, porque é nossa, torna-se um tabu sem necessidade disso. Deve fazer parte ainda mais integrante do pensamento futebolístico português até pela expressão global que tem.

- Como é que a periodização tática se aplica, por exemplo, ao ‘gegenpressing’?

- O ‘gegenpressing’ é uma ideia, uma forma de entender o jogo se quisermos. A periodização tática é uma metodologia de treino, uma forma que o treinador tem de ‘fabricar’ a sua ideia de jogo ou, se quisermos, de modelar o seu contexto no sentido da sua Ideia de Jogo. Portanto, o que é imprescindível é ter uma Ideia de Jogo, seja ela qual for. 

Vítor Frade dá aula no I Congresso Internacional de Periodização Tática na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, a 10 de junho de 2017 (Foto: EDUARDO OLIVEIRA/ASF)

- Um treinador pode ser a soma de varias ideias e estilos? Isso é possível?

- Um treinador pode ser aquilo que quiser. Agora para mim, tem de sentir e acreditar na sua ideia, na sua forma de entender o jogo. Isso para mim é o mais importante. Depois, claro, deve ser capaz de a operacionalizar, de a comunicar e, sobretudo, de convencer os seus jogadores.

- Faz sentido abdicar da ideia principal só porque se defronta uma equipa mais forte? Ou seja, fará sentido, por exemplo, uma equipa muito ofensiva, por defrontar um Liverpool, meter um autocarro atrás ou um autocarro de dois andares…

- Já aconteceu, muita gente já o fez. Mas também muita gente não o fez. Se me perguntar o que faria, acho que o importante é não perder dois jogos. Um é o jogo em si e o outro a forma como se queres jogar. Se estivemos um ano inteiro ou bastante tempo a desenvolver e a criar aquela cultura, aquela ideia, então por que razão vamos alterá-la? Há um conjunto de questões que se podem ajustar, podemos preocupar-nos mais ou menos com aquilo, mas isso não nos deve tirar aquilo que é nossa essência, o nosso ADN.

«Deram-me uma oportunidade única»

4 janeiro 2024, 08:00

«Deram-me uma oportunidade única»

Vítor Matos chegou ao Liverpool em 2019 para ser treinador de desenvolvimento e adjunto de Klopp; continua a absorver todas as 'master classes' do alemão; a história da camisola do Benfica que espelha a química entre os vários elementos da equipa técnica

- Disse a certa altura que a influência de José Mourinho é tão grande em Portugal que toda a gente quer ser treinador? O que é que o distingue a si e o distinguirá dos outros?

- Isso não sei, agora acredito que é sempre possível fazer algo especial. Adoro atacar, adoro pressionar para atacar, adoro dominar e ter a iniciativa do jogo. Adoro a possibilidade que o futebol te dá de poder criar emoções, de gerar paixão e de criar memórias únicas nos adeptos.

- Vejo que já há aí uma identidade de treinador principal?

- Já. Porque apesar de jovem, apesar de nunca ter jogado a um alto nível ou mesmo a um mais baixo, já estou há muitos anos no futebol. Há um conjunto de experiências que fui tendo, de coisas que fui aprendendo, a partir de pessoas com quem interagi, falei e tive o prazer, a oportunidade e a sorte de estar por perto, e que me permitiram aos poucos também saber por onde quero ir, por onde é claro para mim o caminho a percorrer. 

- Esqueçamos os contratos. Ligam-lhe amanhã para pegar numa equipa. Senta-se no banco e já sabe como vai jogar?

- Claro que sim. Era impossível ter a função que tenho no Liverpool se não soubesse.

- E a pergunta que se coloca, até porque já o assumiu, é se tem uma data para se aventurar a solo? 

- Não sei, não sei responder.

- Mas sente que é um caminho natural?

- Sim. Se me perguntasse há cinco anos se iria estar hoje no Liverpool dir-lhe-ia ‘acho que não, não sei, porquê?’. Aconteceu em função de muitas coisas, de oportunidade, sorte, de as coisas baterem certo nesse sentido e o que sinto é que quando surgir essa oportunidade também vai ser do mesmo género. Ou seja, não é algo em que penso todos os dias ou que me preocupa. Nem conseguiria também estar a fazer o que estou a fazer se existisse essa preocupação constante. Mas pode ser algo que vá acontecer se o contexto surgir, fizer sentido para mim, para a minha família e se for na altura certa também em termos profissionais.

- Já te fizeram alguma sondagem?

- Não, nunca tive nenhuma sondagem.

- O treinador otimista está mais perto do sucesso?

- Depende. Otimista, mas não com um positivismo extremo, porque isso também pode fazer com que se descure um conjunto de questões que se calhar deveriam preocupar. Mas um treinador positivo, que consiga ver, sobretudo nos maus momentos, o copo meio-cheio e não meio-vazio, pode ajudar em determinados momentos.