Treinador explica porque abdicou de continuar no IFK Mariehamn, da Finlândia. Desejo e capacidade para treinar em Portugal.
Apesar dos resultados positivos, Bruno Romão bateu com a porta e abdicou de dois anos de contrato com o IFK Mariehamn. O treinador português conseguiu colocar o clube finlandês num impensável 7.º lugar, mas a sua exigência competitiva esbarrou na inflexibilidade da direção em relação a reforços, o que o levou a desistir do projeto. Agora, livre, espera por novos desafios, de preferência em Portugal.
- A que se deveu a saída precoce do IFK Mariehamn?
- Sabia que ia ser um desafio muito difícil. É um clube que nos últimos anos tem estado sempre no playoff de descida, ou muito perto dele. Fomos um bocadinho vítimas do nosso sucesso na primeira metade do campeonato, o que fez com que as pessoas, sobretudo a direção, ficassem um bocadinho, como se diz, nas nuvens, sem noção concreta da realidade, quando ela era, em orçamento, o mais baixo da liga, sendo um condicionalismo muito diferente dos outros clubes. No início de junho tive uma conversa com os responsáveis e disse que precisávamos de ir ao mercado, tínhamos de ser criativos e arranjar jogadores que pudéssemos, obviamente, suportar. Arranjei um para integrar no início de julho e como estávamos nas nuvens com o 7.º lugar, a resposta foi não. Um jogador a custo zero, fruto das minhas relações e acabei até, obviamente, por chatear um bocadinho essas relações. Houve uma reunião de direção muito recentemente que nos impediu de ir ao mercado e eu disse que se eu era um custo e um empecilho para não procurarmos ser competitivos, que utilizassem o meu salário para trazer jogadores e fazerem das tripas coração, para permanecerem.
- O trabalho estava a ser bastante apreciado pelos dirigentes...
- Sim, e estava a ter correspondência também em pontos. Apesar do trabalho ter um impacto muito bom, de o apreciarem e entenderem que conquistámos muitos pontos, a realidade é que isso não é suficiente no futebol profissional. Penso que deixei trabalho bem feito, mas eu não conseguiria fazer muito mais se a direção continuasse a dar passos no sentido de não sermos competitivos. Em 18 jogos fizemos 16 pontos, mais do que na época anterior se fez em 27, e com menos 30% de orçamento. Além do lançamento de jogadores que estavam parados nas épocas anteriores.
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- Porque é que ainda não treinou em Portugal?
- Acabo por ser quase como um globetrotter. Tive a felicidade de trabalhar em sítios espetaculares, não me posso queixar de nada. Gostaria de trabalhar em Portugal, sim, mas vai levar o tempo que levar. Eu acho que vai acontecer, estou muito aberto a isso, agora depende do que o mercado estiver à procura. Aquilo que eu quero agora é algo que me permita dar o próximo passo de forma mais estável e sustentada. Em Portugal ou no estrangeiro.
- E que projeto aceitaria em Portugal?
- Uma das coisas que a minha carreira mostra é que eu não tenho medo de desafios... e em qualquer parte do mundo. Isso é clarinho como a água. No início da transição para treinador principal aceitei dois complicados, que a maior parte dos treinadores, provavelmente, até nem aceitaria. Mas havia uma necessidade da minha parte de abraçar essas experiências, para crescer. E fruto daquilo que eu já passei, diferentes funções, etc., neste momento estou mais capaz, mais maduro e melhor preparado para tudo!
Mourinho abriu portas
Os treinadores que marcaram Bruno Romão. Domínio do jogo, com muita intensidade.
Bruno Romão tem como referência treinadores portugueses com percurso no estrangeiro, num caminho aberto por José Mourinho. «Há um conjunto de treinadores que, por motivos diferentes, acabam por me influenciar. Quer seja pela forma de estar, ideia de jogo, ou até mesmo pela coragem. Somos portugueses, o Mourinho abriu muitas portas e não podemos negar isso. E abriu-as pela coragem que teve, pela maneira como se mandou para a frente, como pôs as equipas a jogar, e entusiasmou. Acompanho bastante o percurso do Abel [Ferreira] e o do Pedro Martins, por relações pessoais e por gostar daquilo que eles propõem para o jogo. Também gosto muito das ideias do Paulo Fonseca», assinalou.
«Se olharmos para algumas tendências do futebol europeu, vou buscar um bocadinho de ideias a todo lado e o Pep Guardiola obviamente é um treinador que eu acompanho, assim como o De Zerbi, que tem feito uma carreira muito interessante e sempre com muitos desafios», disse ainda.
Como modelo de jogo, revelou como tenta montar as suas equipas: «Gosto que tenham intensidade e queiram dominar o jogo, com e sem bola. E que defendam longe da baliza e também que procurem ter a bola ligando bem de trás para a frente, mas que joguem, o mais possível, no meio-campo ofensivo, procurando verticalidade e identificando espaços livres. E que sejam alegres, em que os jogadores sintam prazer em jogar.»
Mudança de mentalidade e coragem de Villas-Boas
Mudança de mentalidade em Portugal reforça aposta em treinadores jovens. Coragem de Villas-Boas em apostar em Vítor Bruno.
O percurso de Bruno Romão como treinador principal tem sido feito no estrangeiro, onde os treinadores portugueses «são respeitados». A estreia foi no Egito, no Pharco, e a segunda experiência na Finlândia [IFK Mariehamn], em clubes «onde as pessoas me queriam e acreditaram em mim». «Em Portugal o mercado está muito competitivo. De alguma forma é positivo, porque todos nós temos de dar o nosso melhor, mas na parte que me toca, o mercado ainda não se abriu muito para mim. Espero que se abra», deseja. «Mas acho que as coisas estão a mudar. Na Liga e na Liga 2 há muitos treinadores jovens com qualidade. Acho que os clubes neste momento já apostam mais neles, há novos investidores, o que faz também com que o mercado mexa um bocadinho de forma diferente», acrescentou o treinador de 40 anos.
Por isso, foi com naturalidade que Bruno Romão validou a aposta de André Villas-Boas. em Vítor Bruno: «Acho que fazia sentido, sinceramente. O Vítor [Bruno] conhecia o contexto, o clube e a maior parte dos jogadores do plantel, além da equipa B. O FC Porto está numa fase de transição, em que financeiramente toda a gente sabe que há algumas limitações e sabem que ele é um técnico com capacidade. Houve coragem de Villas-Boas? Acho que sim. Mas agora também é importante ter a coragem de ficar com ele até ao final, porque esta época poderá ser muito boa, acima das expectativas, mas também poderá ser difícil...»