Boavista: retrato de uma crise anunciada
Axadrezados em alvoroço: Petit saiu e problemas financeiros adensam-se (IMAGO)

Boavista: retrato de uma crise anunciada

NACIONAL13.12.202308:00

Saída de Petit foi apenas um dos sintomas do momento tumultuoso que assola as panteras: problemas financeiros pairam como uma nuvem negra sobre o Bessa; dois meses de salários em atraso para a equipa principal e três para os funcionários; vaga de lesões expôs fragilidade do plantel e deitou por terra arranque fulgurante; continuidade de Vítor Murta à frente do clube é uma incógnita

Está instalada a crise no Boavista. Sem treinador, com graves problemas de foro financeiro, e com salários em atraso, os axadrezados atravessam uma fase negativa dentro e fora do campo.

A saída de Petit do comando técnico aconteceu apenas agora, após o desaire na Amadora (3-1), mas a demissão do treinador de 47 anos estava a ser equacionada há mais tempo. 

Divergências com o presidente Vítor Murta, a gestão de Bracali como diretor-desportivo, a falta de condições nos treinos, salários em atraso. São estes alguns dos fatores que levaram o antigo jogador das panteras a abandonar a posição que ocupava há mais de dois anos.

Apesar do peso natural que acarreta, a vertente desportiva não foi crucial na tomada de decisão de Petit. Embora atravesse uma série negativa para a Liga, na qual não vence há oito jornadas, o Boavista está relativamente confortável na tabela, na 10.ª posição, com 15 pontos somados. A crise no Bessa é mais profunda do que os resultados possam indicar.

Fruto de um início de época surpreendente, que chegou a catapultar as panteras para o topo da classificação, o Boavista foi capaz de ‘mascarar’ alguns problemas com boas exibições dentro do campo.

Desde a 6.ª jornada, porém, os resultados não têm sido positivos (dois empates e seis derrotas). Um dos pontos-chave que levou à quebra de produtividade da equipa foi a falta de profundidade do plantel, que subiu à tona com uma onda de lesões que não estava nos planos.

Boavista: eliminação da Taça deixa marcas e agrava onda de lesões

27 novembro 2023, 16:38

Boavista: eliminação da Taça deixa marcas e agrava onda de lesões

Além do desaire que ditou o afastamento da prova rainha, os axadrezados regressaram de Arouca com o lote de lesionados mais extenso; Bozenik, Agra e Abascal saíram com problemas físicos; Martim Tavares vai ser reavaliado e poderá ser baixa por mais tempo

Começando pela baliza, João Gonçalves tem sido dono e senhor das redes axadrezadas, tendo jogado todos os encontros das panteras. Apesar disso, as duas alternativas principais ao jovem de 23 anos estão lesionadas: César Dutra, experiente guardião brasileiro, sofreu uma  rotura do ligamento cruzado anterior do joelho direito, em agosto; e o mesmo aconteceu recentemente a Luís Pires, mas no joelho esquerdo.

Resta, portanto, o jovem Tomé Sousa. O guarda-redes de 16 anos, internacional pela Seleção no escalão sub-18, ainda espreita a estreia na equipa principal.

Na lateral direita, Pedro Malheiro, que deve rumar ao Benfica, foi baixa durante várias semanas e obrigou Petit a adaptar o extremo Salvador Agra à posição de defesa direito.

Do lado esquerdo, Augusto Dabó, jovem luso-guineense que se estreou pelo Boavista na temporada transata, continua de fora por lesão, desde a pré-época.

Petit também não se livrou de algumas dores de cabeça no eixo da defesa. Rodrigo Abascal, central uruguaio, saiu lesionado da visita a Arouca, para a Taça de Portugal, mas já regressou aos relvados. Já Bruno Onyemaechi falhou a receção ao Sporting, por ter saído tocado do duelo ante a UD Oliveirense, também para a prova rainha.

No meio-campo, Miguel Reisinho desfalca a equipa há um mês. Desde que disputou 77 minutos contra o Farense, a 12 de novembro, não mais voltou a jogar. O médio de 24 anos, que protagoniza uma boa temporada, com dois golos e duas assistências nas 13 partidas em que participou, vinha somando boas exibições no trio composto pelo próprio, pelo capitão Seba Pérez e pelo congolês Gaius Makouta.

Na frente de ataque, Luís Santos juntou-se, há poucos dias, ao lote de indisponíveis, depois de ter sofrido uma luxação no ombro esquerdo.

No meio da extensa lista de lesionados, é natural a aposta mais vincada em jovens da formação boavisteira, até pelas dificuldades em contratar e inscrever reforços. Além dos referidos Tomé Sousa e Augusto Dabó, fazem parte do plantel principal Tiago Morais, Martim Tavares, Tiago Machado, Cristiano Fitzgerald, Berna, Joel Silva e Marco Ribeiro.

Num estudo recente conduzido pelo CIES - Observatório do Futebol, o Boavista aparece destacado como o segundo emblema da Liga que dá maior percentagem de minutos a jovens formados no clube, apenas atrás do Benfica.

Relatório publicado pelo CIES a 22 de novembro de 2023 (Dados: CIES - Football Observatory)

Por esta altura, não é conhecido o estado de espírito do plantel, mas Petit era visto pelos jogadores como uma figura agregadora no meio da crise. Os salários em atraso, não só para os atletas como também para os funcionários do clube, aliados ao mau momento dentro das quatro linhas, agravam exponencialmente o moral da equipa, e adensam as dificuldades em inverter a situação.

Do lado administrativo, o presidente Vítor Murta, que recentemente abordou o mercado de transferências no «Podcast Axadrezado», ainda não se pronunciou sobre a saída de Petit, bem como dos salários em atraso. O líder das panteras confirmou, no programa, que a venda de Pedro Malheiro ao Benfica «está a ser discutida» e ainda revelou que Chidozie e Bozeník são cobiçados por vários clubes: «Temos muito dinheiro em ativos. Há muito tempo que não tínhamos um plantel tão valorizado. O Malheiro, o Bozenik, o Chidozie estão a ser apreciados e o mercado está em cima deles. Achamos que vão valorizar e que este pode ser o ano zero até em relação ao projeto-Gerárd», sublinhou.

Quanto à situação financeira dos boavisteiros, o dirigente frisou: «Não temos culpas das dívidas ao Mário Loja, da construção do estádio, do que devíamos ao Jaime Pacheco e aos campeões, ainda estamos a resolver isso tudo. O Gerárd (López) não pode chegar aqui, despejar um saco de dinheiro e resolver as coisas. Temos de passar por este deserto, de dificuldades financeiras, para depois respirar mais à frente.»

Os próximos passos de Gérard López continuam envoltos em mistério. Recorde-se que o investidor hispano-luxemburguês, que também é dono do Bordéus, é detentor de dois terços da SAD boavisteira, tendo reforçado a sua participação em julho deste ano. Antes de ter investido na SAD axadrezada, em 2020/21, o empresário de 51 anos já tinha sido o presidente de clubes como Lille, CD Lugo, e Fola Esch (Luxemburgo).

A provável saída de Pedro Malheiro no mercado de inverno pode aliviar as contas, mas significaria a perda de um dos maiores ativos das panteras. O lateral-direito era uma peça fundamental na manobra defensiva e ofensiva da equipa, sob o comando de Petit, e a alternativa, Salvador Agra, não é natural na posição.

Tudo somado, os próximos capítulos da crise do Boavista, ou da sua recuperação, continuam por desvendar.