«Acredito que um dia estarei a treinar na Liga dos Campeões»
Tiago Margarido, treinador do Nacional, em entrevista ao jornal A BOLA
Aos 34 anos, na época de estreia nos escalões profissionais, Tiago Margarido está a colocar o Nacional nos lugares cimeiros da Liga 2. Em conversa com A BOLA, o jovem técnico fala dos objetivos para a temporada, da influência de José Mourinho na escolha da carreira, e também da ambição com que encara o trajeto pessoal
- No dia em que foi apresentado falou do desejo de uma época «mais tranquila» para o Nacional. Dentro de portas, na cabeça do Tiago, existia a expectativa de estar nos lugares cimeiros, nesta altura?
Acreditamos bastante no nosso trabalho, no que fazemos. Tínhamos a plena convicção de que iriamos conseguir uma época mais tranquila do que a anterior, mas confesso que não pensava, nesta altura, andar nos três primeiros lugares. Acreditava que era possível andar nos seis primeiros lugares, mas não nos três primeiros.
- Qual tem sido o segredo, para superar as expectativas do Tiago?
Primeiro tivemos a preocupação de criar um bom grupo, de bons homens e bons profissionais. Felizmente conseguimos. É um grupo bastante trabalhador, que se foca muito nas tarefas, com bastante afinco. E o segredo tem sido o trabalho diário, o rigor. O sucesso que o Nacional tem conseguido deve-se ao grande grupo de trabalho que temos e a forma como os profissionais trabalham de forma afincada.
- Perante a posição atual, e com a Liga 2 a chegar a meio, já é altura de redefinir objetivos?
Neste momento o nosso foco é mesmo chegar aos 40 pontos. Depois, se eventualmente lá chegarmos, então sim, teremos de reformular os nossos objetivos. Mas até o conseguirmos, não pensamos em mais nada.
- Também está aí à porta o mês de janeiro. A situação classificativa muda a forma como o Nacional olha para a reabertura de mercado?
Sinceramente, não. Temos um plantel bastante homogéneo. Temos um plantel curto, é verdade, mas bastante homogéneo em termos de qualidade. Por isso a preocupação nem é propriamente a qualidade, mas acrescentar número, para termos duas opções para cada lugar. A nossa visão para o mercado será, única e exclusivamente, com o objetivo inicial.
- Ainda a propósito da apresentação: na altura colocou muito o foco na coesão defensiva, e até destacou os golos que o Nacional tinha sofrido em 2022/23. Curiosamente, agora o Nacional é o melhor ataque da Liga 2, mas não a melhor defesa, embora esteja entre as melhores…
Houve uma melhoria a esse nível, de golos sofridos. Estamos a sofrer menos do que na época passada. O meu foco, na apresentação, era reduzir os golos sofridos, pois isso ia fazer com que estivéssemos mais perto de ganhar. Ter agora o melhor ataque reflete a nossa filosofia. Queremos jogar um futebol atrativo, ofensivo, virado para a frente, também com o objetivo de valorizar ativos. E conseguir o envolvimento dos adeptos, fazer com que voltassem a acreditar na equipa, pois estavam um pouco afastados, nos últimos tempos. E, fundamentalmente, pretendíamos criar o hábito de vencer, ou fazer renascer esse hábito, que estava um pouco adormecido no clube. Para isso era preciso ter uma boa defesa e sofrer poucos golos, mas também ter um futebol atrativo para envolver os adeptos e criar cultura de vitória, ao mesmo que tentávamos valorizar jogadores. Essa filosofia vai ao encontro dos nossos objetivos.
- Entendo então que a ideia do Tiago era dar prioridade à estabilidade ao Nacional, e depois então conseguir que a equipa se libertasse. E fica a ideia que a equipa libertou-se muito rápido…
Quando iniciamos um projeto precisamos de estabilidade. Isso passava por estancar essa questão dos golos sofridos, para depois complexar o nosso modelo de jogo. Era estritamente necessário, na altura, começar a casa por baixo, e depois pensar no resto. Foi essa a mensagem passada. Primeiro o grupo agarrou-se aos resultados, passámos as duas primeiras eliminatórias da Taça da Liga, e isso fez com que a equipa ganhasse confiança. Agora a equipa está solta, descomplexada, com um futebol ofensivo que valoriza os seus ativos.
- Como é que olha para a classificação da Liga 2, nesta altura? Estão, na luta pela subida, as equipas que esperava que lá estivessem?
Na minha opinião há algumas equipas aquém do esperado. Santa Clara e Aves SAD não são surpresas, pois têm plantéis recheados de qualidade, mas a Liga 2 é pautada pelo equilíbrio. Algumas equipas estão aquém as expectativas, pois não faz sentido o declive pontual que já existe, tendo em conta a qualidade dos plantéis. Não me surpreende quem está na frente, estou surpreendido com algumas equipas aquém das expectativas.
- O Tiago tem apenas 34 anos. É o segundo mais novo dos escalões profissionais, atrás do Vasco Botelho da Costa (União de Leiria), por uns meses. Que peso tem essa idade? Como é que ela é encarada?
Na minha ótica, a idade não é decisiva. O que faz toda a diferença e a competência, e os jogadores não estão preocupados se o treinador tem 30, 40 ou 50 anos. O que os preocupa é se o treinador é competente o não, se os pode ajudar a alcançar os objetivos, ou não. Nunca senti na pele essa questão da idade. Nem para o bem, nem para o mal.
- Por vezes pode é motivar brincadeiras no grupo. O João Aurélio, capitão do Nacional, é (um ano) mais velho do que o Tiago. Isso é motivo de brincadeira?
Até ao momento nunca aconteceu. A pergunta tem toda a lógica, podia ser motivo de brincadeira, mas até ao momento não aconteceu.
- Há quatro anos era adjunto do Canelas. Esperava, num curto espaço de tempo, estar no Nacional, e a discutir os lugares cimeiros da Liga 2?
Sabia que ia acontecer. Agora se seria em 4 ou 10 anos… não conseguimos prever o futuro. Mas sabia que ia acontecer, pois desde muito novo preparo-me para a minha profissão, para ser cada vez melhor, e nessa altura já tinha a ambição de ser treinador principal e estar nas ligas profissionais. Acreditava muito que ia acontecer, nas não conseguiria prever o tempo que demoraria, até porque era uma questão de oportunidade. Mas acreditava muito que ia acontecer, assim como acredito noutras coisas, como acredito que um dia treinarei na Liga dos Campeões. Não sei quanto tempo demorarei a lá chegar, mas acredito que vai acontecer.
- Gosta de colocar essas fasquias, de traçar metas para orientar a carreira?
Como qualquer treinador, tenho a ambição de crescer na carreira, nacional e internacionalmente. Obviamente que marco metas para conseguir atingir, mas é impossível prever o espaço temporal para as alcançar. Isso tem muito a ver com oportunidades, e eu foco-me naquilo que controlo.
- Como o Tiago já referiu, começou a pensar muito cedo na carreira de treinador. Isso está associado a um livro sobre José Mourinho, que recebeu aos 13 anos, não foi?
Nessa altura o Mourinho estava a destacar-se no FC Porto, e o fenómeno era visto como algo fora do normal. Como jovem atento à modalidade, comecei a interessar-me pela personagem, pela função de treinador. Nessa altura tive a sorte de receber, da minha mãe, um livro sobre Mourinho, e comecei a seguir os passos dele até aos dias de hoje. Comecei a olhar para a profissão com outro tipo de interesse e comecei a estudar muito, a ler muito. Por isso posso dizer que, desde os 13 ou 14 anos, o meu foco está em ser treinador de futebol, embora na altura ainda fosse praticante. Tinha a ambição de jogar mais algum tempo, a par do percurso de treinador. Gostava de fazer as duas coisas, mas se tivesse de escolher, na altura, já escolhia ser treinador, muito motivado pelo fenómeno Mourinho.
- E, 20 anos depois, Mourinho continua a ser uma referência? Que outras referências tem?
Sem dúvida que sim. Foi José Mourinho que abriu uma visão de treino muito peculiar, e abriu as portas do estrangeiro ao treinador português. Para mim sempre foi, e continuará a ser, uma grande referência. Sinceramente, a minha maior referência é mesmo o José Mourinho. Abriu-me os olhos, por assim dizer, para esta profissão. E abriu as portas dos mercados internacionais aos treinadores portugueses.
- Falou do período em que já era treinador mas ainda jogava. Antecipou o fim da carreira de jogador devido a sucessivas lesões. Onde estaria o Tiago Margarido aos 34 anos, como jogador, se não fossem as sete cirurgias (uma ao tornozelo, outra ao joelho direito e cinco ao joelho esquerdo)?
Provavelmente, nesta altura estaria numa divisão distrital, eventualmente na Associação de Futebol do Porto. Era um jogador de nível médio/baixo. Nunca conseguiria passar do Campeonato de Portugal. Mas na altura treinava e jogava, de facto, e essas consecutivas lesões levaram a que deixasse a prática desportiva e me dedicasse à formação como treinador. Estava dedicado a 70 por cento, passei a estar a 100 por cento.
- O Tiago consegue identificar qual é, na realidade, a filosofia do treinador português? E sente que está dentro dessa linha?
Acima de tudo os treinadores portugueses preparam-se muito bem para a profissão. Os cursos têm bastante qualidade, em Portugal, e a formação académica também é diferenciada, o que produz profissionais de excelência. Os treinadores portugueses, felizmente, estão a ter bastante sucesso, mesmo lá fora. Seguem uma linha muito competente, fruto de uma formação boa. Penso que também venho nessa linha, pois tenho a formação académica e a formação dos cursos. Venho dessa linha de treinadores modernos, com uma visão de jogo atrativa. Claro que o resultado é importante, mas conseguimos trazer mais adeptos ao estádio se ganharmos com espetáculo. É isso que procuro.
- É um treinador jovem, que tem conseguido uma evolução assinalável. Olhando para a sua liderança hoje em dia, quais as características que refletem mais a sua passagem pelo Canelas, onde começou como treinador principal, e depois pelo Varzim?
Em ambos os períodos aprendi algo rapidamente: que temos de entrar em qualquer campo, frente a qualquer adversário, sem olhar a símbolos e a nomes. Isso foi das maiores lições que aprendi: não olhar para o lado de lá e entrar em campo com a convicção de que vamos ganhar. Para além disso, são dois clubes marcados – os lemas assim o dizem – por muita entrega, dedicação e esforço. As minhas equipas são intensas, os jogadores dão tudo, suam a camisola.
- Sei que os treinadores não gostam de valorizar, mas que jogadores destaca, nesta campanha do Nacional? Que jogadores mais o surpreenderam?
Vou falar alguns nomes, mas é importante dizer que o mais importante é mesmo o grupo. Essa tem sido a nossa mais-valia. Mas é evidente que há jogadores que se têm destacado, e eu vou destacar aqueles que têm dado nas vistas por estarem a jogar em posições diferentes: o Gustavo, que era lateral direito e está a jogar a extremo. E o Luís Esteves, que era um médio ofensivo e tem jogado como médio de criação, como 8. São dois jogadores que destaco, por estarem a jogar em posições diferentes, e por estarem a fazer o melhor início de época de sempre.